Ela representou uma nova ordem jurídica do país, baseada em direitos fundamentais dos cidadãos. Estabeleceu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), consolidou leis trabalhistas e incluiu o princípio do direito do consumidor. Está acima de todas as leis brasileiras e estabelece os deveres e os limites de atuação dos governantes. A Constituição Federal completou 30 anos de promulgação na sexta-feira, 5.
Embora possa passar despercebida no dia a dia, a Constituição Cidadã, como foi chamada na época, representa a lei máxima da política brasileira e é sinônimo de segurança para a população. “É a lei acima do Estado, a qual estabelece os deveres do Poder Público. Pode-se mudar os governantes e todos os cargos do Poder Público, mas, qualquer pessoa que venha a exercer um cargo público, tem que obedecer à Constituição”, explica o professor de Direito Constitucional Edison Botelho Silva Júnior, da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
Mestre em Direito, ele esclarece que a promulgação da Constituição Federal, em 1988, marcou uma importante mudança no país, no processo de redemocratização, após mais de duas décadas de Ditadura Militar. “O que se tinha antes eram ocupantes do poder que entendiam que podiam estar acima da Constituição, tanto que criaram cinco Atos Institucionais (AIs), que foram normas não previstas na Constituição e suspenderam uma série de direitos, com um poder que ninguém havia dado a eles”, observa.
De acordo com Botelho, a Constituição de 1988 é tida como modelo mundial, por estabelecer uma série de direitos e impôr que o Estado cumpra esses direitos. “É uma lei acima de todas, que estabelece direitos necessários para construir uma vida digna, sociedade justa, solidária e igualitária. Qualquer governo legítimo, que queira realmente atender a população, segue o que prevê a constituição.”
Consolidação
Para o mestre em Direito, é importante compreender que “de tudo o que acontece em um país, o que mais deve ser preservado é a Constituição”. De acordo com ele, os trâmites exigidos para uma mudança constitucional são justamente mais difíceis para evitar que decisões importantes sejam tomadas no calor da hora. Diferentemente de leis ordinárias ou complementares, alterações na Carta Magna exigem uma aprovação em dois turnos, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, com, no mínimo, três quintos dos votos.
A Constituição é o fundamento, o solo, a base para que toda ordem jurídica, social e econômica se desenvolva. Precisamos lutar ao máximo para que a Constituição seja respeitada e não seja massacrada.”
Edison Botelho Silva Júnior, professor de Direito Constitucional.
“Muitas ideias podem brotar, vontades podem se inflamar, mas é a Constituição que nos garante a segurança. Algumas mudanças têm que acontecer lentamente para que se tornem consolidadas. A constituição é o que garante esse fundamento. Tem muita coisa para a Constituição de 1988 ainda não conseguiu realizar, ainda estamos num processo de formação de uma nação”, observa.
Botelho atenta para a existência de nações com 900, mil anos, enquanto o Brasil vive, nos últimos 30 anos, seu maior período democrático. “Em toda nossa história, é o maior período de república e de democracia, e ele ainda é muito curto. A Constituição é levada a sério por todos os países mais sólidos.”
Avanços da Constituição de 1988
– Criação do Sistema Único de Saúde (SUS).– Voto facultativo para cidadãos entre 16 e 17 anos.– Maior autonomia para os municípios.– Fim da censura a emissoras de rádio e TV, filmes, peças de teatro, jornais e revistas.– Lei de proteção ao meio ambiente.– Garantia de aposentadoria para trabalhadores rurais sem precisarem ter contribuído com o INSS.– Garantia de demarcação de terras indígenas.– Redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos.– Estabelecimento de direitos trabalhistas, como redução da jornada semanal de 48 para 44 horas, seguro-desemprego e férias remuneradas acrescidas de um terço do salário.– Ampliação da licença-maternidade de três para quatro meses.
Contexto histórico
Principal símbolo do processo de redemocratização nacional, após 21 anos de Ditadura Militar, a Constituição Cidadã foi elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte, convocada em 1985 pelo presidente José Sarney. O grupo, formado por 72 senadores e 487 deputados, federais trabalhou durante 20 meses na elaboração do documento, e teve como presidente o deputado Ulysses Guimarães (PMDB).
Durante o período, foram coletadas 72.719 sugestões de cidadãos de todo o país, além de 12 mil sugestões dos constituintes e de entidades representativas. Ao todo, foram apresentadas 122 emendas, entre as quais 83 foram aproveitadas na íntegra ou em parte pelos constituintes na elaboração do texto final da Constituição.
Desde que foi promulgada, a Constituição Federal recebeu 105 emendas até dezembro de 2017, incluindo as seis que foram resultado da Revisão Constitucional em 1993.
>> O Brasil já teve sete Constituições desde sua independência, em setembro de 1822.
“Ordem jurídica coerente”
O tamanho da Carta Magna brasileira, com 114 artigos, é um dos pontos de maior polêmica do documento. É comum ocorrerem comparações com a Constituição dos Estados Unidos, que tem apenas sete artigos e foi emendada 27 vezes, desde a promulgação, em 1787.
Para o professor de Direito Constitucional Edison Botelho Silva Júnior, entretanto, é importante lembrar que os 51 estados que compõem a nação norte-americana também têm suas constituições próprias.
Além disso, ele atenta para o fato de que a Constituição do Brasil foi elaborada muito tempo após a dos Estados Unidos e, por isso, conta com tantas regras. “Tivemos a possibilidade de criar uma constituição mais recente, já tínhamos experiência republicana há mais tempo, o que permitiu que ela fosse mais específica”, analisa.
Na visão do professor da Unisc, podem existir críticas, mas a Constituição tem garantido uma ordem jurídica coerente. “Como ela torna mais difícil a alteração de determinadas regras, não há uma flexibilidade tão grande na área jurídica.”