“- Mãe, meu pai foi um traidor? – Sim, é o que ele foi. – Que é um traidor? – Ora, é toda pessoa que jura e mente. – Todos os que fazem isso são traidores? – Quem quer que assim proceda, é traidor e merece ser enforcado. – E precisam ser enforcadas todas as pessoas que traem e mentem? – Todas. – E quem é que as enforca? – Ora, os homens de bem. – Então os mentirosos e os que juram em falso não passam de grandes idiotas, pois há mentirosos e jurados bastantes para baterem nos homens de bem e para os enfrentarem…” (Macbeth – Shakespeare, 1564-1616)
O Centro Cultural Univates de Lajeado abriga um teatro que não encontra rival no Rio Grande do Sul, nem mesmo em Porto Alegre. Junto com a moderníssima biblioteca, é um conjunto arquitetônico que poderia ser destaque em qualquer capital da Europa. Vá conhecê-lo num domingo de sol, estacione seu carro nas faixas exclusivas da ampla avenida de quatro pistas e tome seu chimarrão no gramado impecável como se estivesse no Primeiro Mundo.
O diálogo acima, situado na Escócia do século XV, é da peça que vem sendo encenada em todo o Brasil por Thiago Lacerda e elenco. Assisti-a no domingo passado no espetacular teatro de 1200 lugares. Essa parte do texto de Shakespeare me pareceu muito adequada aos dias de hoje aqui no Brasil. Podemos considerar que “mentirosos” e “traidores” são conceitos onde se encaixam todos aqueles que praticam qualquer tipo de crime. Vamos aqui chamá-los de bandidos. é o que não falta neste país.
Nos tempos de Macbeth tudo se resolvia na espada e na forca. Já nos tempos modernos, a imensa legião de bandidos optou por ações tão ardilosas quanto discretas para dominar os justos. Sorrateiramente, vão se infiltrando nos poderes da nação. Há, por exemplo, deputados e senadores honestos, mas você não ouve falar deles. Não lhes é dada nenhuma chance de aprovar projetos decentes, não se lhe permitem nenhuma posição hierárquica de destaque. A grande mídia os ignora porque não geram notícias. Há, em qualquer partido político, pessoas competentes que seriam ótimos ministros. Mas jamais serão indicados pelas cúpulas partidárias porque, com eles, não haveria negociatas e propinas. Há competentes técnicos que seriam bons dirigentes de autarquias e companhias estatais. No entanto, por serem impermeáveis a propostas indecentes, nunca serão nomeados.
Há gente séria com vocação para cargos eletivos. Entretanto, fogem das eleições porque, se eleitos, seriam assediados pelas mais variadas maneiras de corromper. Há no Brasil uma forma de governar que não é capitalismo nem comunismo; um bom nome seria “corruptismo”. Infiltrou-se em todas as esferas oficiais e avança igualmente pela sociedade civil da mesma forma que a ferrugem corrói o aço e o cupim rói a madeira.
Deu tão certo o corruptismo, deu tanto e tão fácil lucro, que ele próprio acabou gerando um mercado de trabalho para milhões de pessoas que se alimenta basicamente de superfaturamentos, desvios de benefícios, empresas fantasmas, contas secretas, propinas e subornos. Economistas e empresários chegam a dizer, à boca pequena, que o país poderia quebrar se for estancada toda a corrupção, algo tão catastrófico como o fim de contrabando no Paraguai ou a extinção das plantações de coca na Bolívia.
Sem derramar uma gota de sangue, os traidores e mentirosos modernos trocaram as espadas e a forca pela força sorrateira do dinheiro sujo. Se isso tiver fim, está longe.