Dizem que há algo mais a mover as turbinas de Itaipu além das águas do rio Paraná: é o dinheiro da Previdência. Também se falou à boca pequena – os Anos de Chumbo não toleravam denúncias – que recursos idênticos ajudaram a derrubar muitas árvores e sulcar o ventre da grande floresta para construir a estrada Transamazônica. Era uma época em que a Previdência só arrecadava, não dava conta de gastar, punha dinheiro pelo ladrão – expressão essa que, sem demora, foi interpretada literalmente, e não foram poucos os ladrões que também consumiram fantásticas cifras em golpes bilionários.

Enquanto isso, a demagogia barata passou a incentivar o pleno direito aos mais variados benefícios, ao mesmo tempo em que desobrigava certas pessoas de contribuir para o sistema. Pairando sobre esse início de caos, chefias obtusas e desleixadas se multiplicavam em progressão geométrica por quase todo o país.

Falar hoje que a Previdência está quebrada é uma manchete que não vende jornais. Mas culpar os segurados por isso, dizer que os aposentados, seja lá com que idade se aposentem, estão levando o sistema à bancarrota, sim, isto é uma manchete que deve deixar os vivos de cabelos em pé e levantar das tumbas todos os que morreram antes do tempo, justamente pela Imprevidência Social. Mas no Brasil é assim: quando a acaba a orgia irresponsável por falta de caixa, busca-se no contribuinte o amálgama que há de restaurar o rombo. E haja aumento de impostos, e dê-lhe faconaços nos direitos presentes e futuros dos órfãos da incompetência acumulada.

é sempre encorajador ver que ainda pode haver um governo com vontade de mexer nas mazelas do Estado brasileiro. Mas, se as primeiras palavras pronunciadas são “prejuízo e déficit”, que se comecem as mudanças pelo lado onde os culpados são em menor número e mais facilmente detectáveis. Que tal iniciar pelos desvios e pelo déficit do próprio governo?

O brasileiro ainda tem esperança neste governo, ainda sonha com administradores que, além de produzirem manchetes, tratem de explicá-las muito bem. È preciso que se abram em público as contas da Previdência para se ver onde foi, de fato, consumido o dinheiro. Só assim poderemos ver se são verdadeiras histórias como as de Itaipu e da Transamazônica, só dessa maneira saberemos quanto custaram os incontáveis golpes, e quantos neles se envolveram. E principalmente veremos qual é a percentagem do dinheiro da Previdência que está sendo de fato devolvida aos segurados sob forma de benefícios, razão única da existência do sistema. Aceitar goela abaixo a avalanche mal explicada de números oficiais só é menos ruim do que ser chamado para pagar a conta. Coisa que muito bem poderá vir a acontecer de novo daqui uns dez ou quinze anos.

Tudo o que você leu até aqui faz parte de uma coluna que escrevi e foi publicada neste jornal em 1995. A reforma da previdência na época culminou com a criação do famigerado “fator previdenciário”, aquele que faz o aposentado de três salários ir perdendo dinheiro até ficar com um salário. Isso salvou a Previdência? Não precisa responder. Agora que voltam a falar em déficit previdenciário, e certamente será aumentada a idade limite para a aposentadoria, vou guardar essa coluna para mais uns dez ou quinze anos. Se não for publicada novamente, não será por falta de atualidade. Talvez eu já não esteja escrevendo mais, ou quem sabe já nem estarei mais aqui dando “prejuízo” para a Previdência…