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LEIA EM VOZ ALTAComeço as oficinas de redação no sétimo ano para a participação dos alunos na Olimpíada de Língua Portuguesa. Inicio falando do tema da proposta. Explico:- Pessoal, essa redação não é livre. Ela tem uma temática…De súbito, um menino me interrompe:- Ah, não, “sora”. Eu já não sou bom em Português, então se tiver “Matemática” também, não vou participar.Acho muita graça. é o que acontece quando a Língua não alcança o ouvido.

NOTANota intrigante sobre a espécie: declarar enfaticamente que não, quando deseja ardentemente que sim. Mas a estratégia em prol da não criação de expectativas é falha, ineficaz e estupidamente contraditória. Um dia conversaremos sobre…

DICA DE FILMEDelicada, sutil e intensa. Assim construiu-se culturalmente a figura feminina. Pois assim é “A garota dinamarquesa” (2015), dirigido por Tom Hooper, que também assina, entre outros, “O discurso do rei” (2010) e “Os miseráveis” (2013). Baseado no livro homônimo de David Ebershoff, o filme conta a história de Lili Elbe (ternamente interpretada por Eddie Redmayne, de “A teoria de tudo”, 2014), primeira transexual da história. Casada, quando ainda homem, com a pintora Gerda Wegener (interpretada com maestria por Alicia Vikander, de “Ex-machina”, 2015), Lili comprovou por “a-mais-b” a máxima de Simone de Beauvoir: “ninguém nasce mulher; torna-se mulher”. A película prende a atenção e traz grandes atuações, sem fugir de um e outro clichês, até perdoáveis diante da grandeza e força dos personagens e do próprio enredo, tão atual na contemporaneidade. Acima de tudo, “A garota dinamarquesa” é uma história de amor. Não entre um homem e uma mulher, mas entre um ser humano e outro, pois é justamente na humanidade que todos nos igualamos e nos encontramos. Indico!

360 GRAUSAdoro as voltinhas que a vida dá. Sair de um ponto e retornar a ele é extremamente motivador quando você descobre o quanto você mudou. Voltar a esse mesmo ponto também é intensamente prazeroso quando você percebe que alguém que você reencontrou jamais seria uma escolha atual depois dessa mesma voltinha. Quem bom que a gente evolui inclusive no que acolhe 🙂

SOBRE O AMORTenho me convencido, a cada dia um pouco mais, que amar tem qualquer coisa a ver com cozinhar. Gosto quando sou alimentada. Gosto, mais ainda, quando alimento. Perfeito é quando a refeição é partilhada.

MAS QUEM é CHARLES?Adoro viagens de ônibus. Não entendo ao certo por quê, mas me fascina, me acalenta, aquele momento ubíquo, de montes de gente acumulada, tendo de esperar o destino por um determinado período de tempo, cada uma inventando o que fazer enquanto as paradas diversas vão ficando pra trás. Todos no mesmo lugar e, ao mesmo tempo, ninguém, de fato, nesse lugar.

Quanto a mim, eu invento de ouvir música. Ou ler. Na maioria das vezes dormir. Raras vezes ouvir conversas alheias. Mas também há viagens em que boto a conversa em dia. E foi justamente numa dessas ocasiões de atualização discursiva que eu conheci o tal do Charles. Quero dizer, “conheci” não no sentido exato da palavra, mas, tão íntima me fizeram do sujeito, que o Charles se tornou praticamente de casa.

Pois lá estava eu, numa noite de busão, contando minhas vidas passadas a uma amiga. Foram trinta minutos de viagem, o suficiente pra eu poder dar conta de relatar o período compreendido entre a Renascença e o Modernismo. Após muitos minutos de narrativa, ali já no mal do século romântico, quando a dama deixava ao léu o nobre cavalheiro, o rapaz da poltrona ao lado, como um leitor voraz (nesse caso, ouvinte) que atinge o clímax da história, vira em minha direção e, me encarando profundamente, pergunta: “vocês estão falando do Charles?”. Sem reação, devolvo: “mas que Charles?”. Ele insiste: “o Charles. Esse cara de quem tu falou. é o Charles!”. Explico que não sei quem é Charles, que se fosse o Charles eu diria. Ainda assim, ele parece não se convencer. Me olha desconfiado. “Mas isso tudo que tu disse, só pode ser o Charles!”, inquieta-se. Ora, e eu não conheço os personagens da minha própria história? Acho graça. Rio. “Não, moço, não é o Charles”, concluo. Então ele vai embora, ainda crente de que eu falava sobre o Charles. Vai embora e me deixa pensativa: conheci muitas pessoas nestas vidas, mas nenhuma delas como o Charles, um cara de quem nunca ouvi falar, mas que, pelo jeito, parece ter feito parte da minha história. Mesmo sem eu saber.