Quem não conhece o frio das grades, não sabe o calor da liberdade. Esta frase é parte do texto que um dos alunos do Núcleo Estadual de Ensino de Jovens e Adultos (Neeja) escreveu para que fosse lido aos alunos da escola estadual Crescer, do bairro Coronel Brito. O educandário foi escolhido para receber o projeto ‘Educando atrás das grades’, desenvolvido pelos profissionais do Neeja que atuam na Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva).

Foto: Alvaro Pegoraro / Folha do MateEducadoras interagem com os alunos
Educadoras interagem com os alunos

A intenção é de que exista uma troca de experiências e informações entre os presos e os alunos, mostrando que atrás das grades não é um lugar interessante para se viver. “Queremos mostrar para eles que a realidade de lá dentro é cruel e que o mundo do crime não compensa”, comenta a professora Mariela de Borba.

A diretora do Neeja desenvolve o projeto juntamente com a assistente social Isabel Cristina França e demais educadores, e estuda a possibilidade de estendê-lo aos pais. Inicialmente, são beneficiados alunos entre o 6º ano e o Ensino Médio.

SEM IMPOSIçãOPara Isabel França, métodos impostos podem não ser reais ao olhos das outras pessoas, principalmente dos mais jovens. Por isso, ela entende que a pessoa tem que decidir o rumo que quer dar à sua vida. “A gente não muda uma pessoa; a pessoa muda sozinha, pois isso tem que vir naturalmente, sem imposição, para que seja sólido e duradouro”, explica a técnica responsável pela educação do Neeja da casa prisional de Vila Estância Nova.

A assistente social auxiliou a diretora Mariela a ler as cartas escritas pelos apenados que estudam na Peva e que foram direcionadas aos jovens estudantes. Frases como “aqui neste lugar o filho chora e a mãe não vê” e “a liberdade não tem preço, então lute pelo melhor, estude, busque uma profissão e um futuro promissor” fazem parte de uma dezena de manuscritos.

Entre a terça-feira à noite e ontem à tarde, mais de 200 alunos do Crescer participaram do projeto. Atentos, questionaram e conheceram um pouco da dura realidade de entrar para a vida do crime e acabar preso. O outro caminho temido por quem anda em desacordo com a lei é o cemitério.Abaixo, uma carta escrita por apenados que frequentam o Neeja da Peva.

“Eu tinha apenas 14 anos quando entrei na vida do crime. Depois de brigar com meu padrasto, eu saí de casa sem rumo e com muita disposição e vontade de mudar de vida. Minha mãe é veterinária e meu padrasto, dono de uma construtora. Mas eu não queria depender deles, pois eles nunca tinham tempo pra mim.Então aos 14 anos comecei a furtar em lojas, mercados e outros lugares e logo depois já comentaram meu nome. Comecei a ficar falado e respeitado no mundo do crime.Aos 15 anos tive meu primeiro envolvimento com o tráfico de drogas, onde vi e ganhei muito dinheiro. Tudo era perfeito. Eu tinha dinheiro, mulheres e amigos. A vida que todos sonhavam estava aos meus pés e eu achava que era o cara mais inteligente do mundo. Até que fiz meu primeiro assalto. Foi coisa de cinema. Fui aplaudido pela grande atuação e a pilha de dinheiro.O tempo passou e eu comprando e adquirindo tudo que o dinheiro podia comprar. Conheci uma garota que me fez ‘parar na dela’ e me casei com ela. éramos o casal mais feliz do mundo, nada, faltava, tudo era fácil.Mas eu não sabia que estava sendo investigado até que me prenderam dentro de casa, diante da minha família e minha filha tava perto de nascer.Enfim, minha vida um ano depois já era completamente outra. Perdi tudo quando me separei da minha mulher, que vendeu tudo que era nossa e sumiu com a minha filha. Agora é o momento em que parei e vi que tudo não passa de ilusão e amigos não existem e que hoje, atrás da porta, não vivo uma vida, vivo uma morte, vivendo feito rato de laboratório.Quem não conhece o frio das grades, não sabe o calor da liberdade e um homem sem liberdade cai no esquecimento, como se não fosse ninguém”.

Aluno do Neeja da Peva