Um dia após a presidente Dilma Rousseff apresentar cinco pactos em resposta aos protestos que movimentam o país, as autoridades em Brasília foram atrás de soluções para a crise. A proposta de emenda constitucional, que ficou conhecida como PEC 37, a qual tinha como objetivo dar exclusividade na investigação criminal às polícias federal e civil, que hoje cabe ao Ministério Público, foi derrubada, na noite de terça-feira, 25, com 430 votos contra e somente nove favoráveis.
Senadora do Rio Grande do Sul, Ana Amélia Lemos (PP) votou contra a proposta. Para ela, a voz das ruas e da sociedade foi ouvida com a rejeição da Câmara dos Deputados. “Parabéns ao Ministério Público pela mobilização e pelo convencimento. A sociedade agora espera que a instituição atue sempre com espírito republicano, democrático e independente”, disse através de sua assessoria.
O promotor de justiça do Ministério Público de Venâncio Aires, Pedro Rui da Fontoura Porto, acredita que o fator determinante para que o governo enterrasse a emenda tenha sido, sim, as diversas mobilizações no país. “Mesmo sabendo que ela precisaria da aprovação de 3/5, ou seja, 60% dos votos a favor, nós tínhamos, até então, um receio muito grande de que ela fosse aprovada, pois nas nossas avaliações, há duas semanas, antes do início das manifestações – acreditávamos que seria. Sabe-se que muitos deputados deram para trás após as manifestações”, frisa. De acordo com informações, cerca de 10% das pessoas envolvidas nos protestos levavam a bandeira contra a PEC 37.
Para o promotor, se a PEC tivesse sido aprovada, restringiria a possibilidade do Ministério Público realizar qualquer ato investigatório. Com isso, conforme o promotor, o Ministério Público (MP) ficaria sempre na dependência a qualquer tipo de investigação, mesmo que fosse complementar à Polícia, como ouvir ou reinquirir uma testemunha novamente ou requisitar algum documento e, com isso, além de diminuir a velocidade, entravaria muito as investigações, facilitando bastante a impunidade. “Por isso nós, da MP, só temos a agradecer o povo que foi às ruas levantando esta bandeira. Porque no momento em que fosse somente nós, daria a impressão de que fosse algo corporativista, mas na medida em que a população compreendeu deu mais legitimidade ao movimento”, frisa.
De acordo com o promotor, caso a emenda fosse aprovada, a sociedade seria afetada no sentido de que haveria problemas muito mais graves em relação a todos os tipos de criminalidade, desde a mais comum à penalidade do colarinho branco. “Essa do colarinho demanda uma investigação mais complexa e o MP vem ocupando este espaço de fazer as investigações. Se nós não tivéssemos mais o poder de fazê-las, certamente, haveria uma impunidade maior dos crimes de corrupção e do colarinho branco em geral e aumentaria, ainda mais, este tipo de criminalidade. E a sociedade, obviamente, acabaria sendo muito prejudicada e tenderia a aumentar as corrupções. Na medida em que viraria um monopólio da PM e não dariam conta desta criminalidade”, ressalta.
A proposta era defendida por delegados de Polícia Civil, que entendiam ter a exclusividade da investigação junto com a Polícia Federal. Para o delegado de polícia de Venâncio Aires, Paulo César Schirrmann, o ideal seria que cada órgão fizesse aquilo que é de sua atribuição e que, se existe uma dificuldade no trabalho da polícia, o certo seria fortalecê-los e não atribuir ações de investigação para outras instituições por estas serem mais eficientes, mais protegidas. “Este não é o caminho, o ideal seria fortalecer a PM e garantir que ela pudesse exercer todas suas funções. Se a proposta fosse aprovada, seria o mundo ideal, pois assim estaríamos respeitando as atribuições, cada um exercendo a sua função constitucional. Acredito que a Polícia seja o órgão criado para exercer esta atribuição.”
Interrogado se não seria um peso a mais ao órgão, já que possuem tantas investigações para fazer, Schirrmann diz que não, pois esta é atribuição da polícia. “Ao juiz cabe a julgar, o promotor a acusar, o advogado defender e o delegado investigar, este é o sistema de um estado democrático de direito, o qual é regido sob as leis”, considera.
Conforme o delegado, houve uma manipulação, a qual uma manifestação abrangendo diversos assuntos, e no meio colocaram a PEC. “E a mídia abraçou isso aí. E as instituições, PM, etc, se mantiveram omissos e o que passou para a população é que a polícia é corrupta e que a salvação do mundo é o Ministério Público nas investigações”.
Para o promotor, o fato de um número considerável de venâncio-airenses irem às ruas contra a PEC, é importante, pois mostra que a população não está tão alienada aos assuntos relacionados à política. “é um assunto muito complexo, difícil de entender e, até mesmo, de explicar. O que me impressiona é que possivelmente este entendimento tenha sido em razão das redes sociais e às manifestações, pois assim as pessoas entenderam que era algo prejudicial. E acredito que todo este fato, até nas cidades pequenas, significa uma mudança de comportamento de perfil e cultura do povo brasileiro e, principalmente, uma imagem internacional diferente, porque ocorreu justamente na época da Copa das Confederação e o povo brasileiro leva a fama de ser uma nacionalidade chuteira e agora vai ser visto com outra imagem”, conclui.