O cenário no campo está delicado. A preocupação com o alto custo de produção é constante nas propriedades rurais. Muitos, quando somam as contas do mês, ou até mesmo da safra, se assustam, pois a conta já não fecha mais: as despesas são maiores que as receitas.
Energia elétrica, combustível, insumos e mão de obra puxam a lista dos itens que aumentaram de forma considerável, muitos até dobraram de valor. Parlamentares, lideranças do setor e técnicos estiveram reunidos no início da semana na sede da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag/RS), em Porto Alegre, alertando para os riscos que ameaçam a próxima safra no Brasil diante do grande aumento dos custos de produção.
“A situação é crítica. Se nada for feito, haverá uma debandada de produtores e vai faltar comida no Brasil. Não há como produzir nessas condições, a conta não fecha. Nosso temor é de desabastecimento generalizado”, destacou o deputado federal Heitor Schuch (PSB), proponente da audiência pública da Comissão de Agricultura da Câmara, que também contou com a presença de centenas de dirigentes de Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e agricultores de todo o Rio Grande do Sul.
O presidente da Frente Agropecuária Gaúcha da Assembleia Legislativa, deputado estadual Elton Weber (PSB), alertou para o risco de um novo ciclo de endividamento no setor agropecuário. “Precisamos agir. Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa e entidades, caso contrário, em junho do ano que vem, além do Plano Safra, estaremos discutindo renegociação de dívidas e repactuação. O agricultor não conseguirá pagar suas contas”, comentou.
Mais cara do século
Conforme Schuch, os dados indicam que a safra 2021/2022 deverá ser a mais cara do século. Levantamento apresentado pela Fetag aponta aumento de 160% no preço da ureia no último ano, 139% nos fertilizantes, ração 22%, diesel 53%, gasolina 64% e 49% na energia elétrica. O impacto da alta nos custos de produção foi de 32% no milho, 38,3% na soja, 45% no trigo e 33% no leite, com tendência de escalada ainda maior nos próximos meses e redução das cotações aos produtores.
“O que está motivando esse aumento inexplicável de preços? De quem é a culpa? Da dependência externa do Brasil? Das restrições impostas por outros países? Por que não produzimos os insumos de que precisamos? Até onde vamos chegar? O cenário é desesperador”, questionou o presidente da Fetag, Carlos Joel da Silva. O dirigente também criticou a ausência do Sindicato das Indústrias de Adubo no debate. “Ganham dinheiro às nossas custas, mas na hora de darem alguma explicação, fogem da raia”, disparou.
Para o presidente da Fetag-RS, “caso a situação não seja resolvida urgentemente, a cadeia produtiva será inviabilizada, a exemplo do leite e das aves, que várias famílias já deixaram a atividade.”
Venâncio na audiência
O grupo que esteve reunido também contou com a presença da vereadora Sandra Wagner (PSB), Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Venâncio Aires – representado pelo tesoureiro, Gilmar de Oliveira – e produtores do município, entre eles o avicultor Elton Roberto Hein, de Linha Herval. “A Fetag liderou essa importante audiência pública. Precisamos começar a discutir esse assunto e buscar alternativas”, frisou.
O produtor alertou para a preocupação da classe com a próxima safra. “A gente já está sentindo os impactos agora. Imagina no ano que vem. Sem contar que na nossa região o plantio da soja está atrasado e o clima está interferindo muito. O prejuízo já está instalado”, disse. Segundo ele, um dos questionamentos é sobre a falta de interesse da classe política do país. “Três parlamentares no encontro, os sindicatos, e ninguém do governo. Nós produtores percebemos que tem uma grande falta de interesse da classe política em se envolver no assunto. Onde estão nossos representantes?”, indagou.
Próximo passo
- Como um dos encaminhamentos da audiência ficou acertado que será marcada uma reunião em Brasília com as partes que não estiveram presentes: Petrobras, Ministério da Economia, Ministério da Indústria e Comércio Exterior, fabricantes e revendedores de adubos, para que recebam uma comitiva das federações de agricultores de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
- Também foi sinalizada a possibilidade de protestos em todo o estado e foi defendida ainda a necessidade de uma Comissão Parlamentar da Inquérito (CPI) para investigar a formação de preços dos insumos.
- Na quinta-feira, 25, o deputado federal Heitor Schuch entregou ao Ministro da Economia, Paulo Guedes, o relatório elaborado após a audiência.
- Além disso, já está marcada uma agenda com a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Teresa Cristina, para a próxima segunda-feira, 29, às 16h30min, para discutir o assunto. A Fetag-RS foi a única federação representativa da agricultura e da pecuária familiar a ser convidada para participar.
Impactos severos no setor da avicultura
Todos os setores agrícolas já estão sentindo os impactos. Na avicultura, produtores de Venâncio Aires relatam que já tiveram problemas com a entrega de ração, principal alimento dos frangos. Alguns ficaram 48 horas sem ter o que dar para os animais. Além disso, muitos que ainda estão quitando parcelas de financiamentos dos galpões enfrentam dificuldades na hora de pagar as dívidas nas instituições financeiras.
De acordo com a presidente da Associação de Avicultores de Frango de Corte e Postura Riograndense (Asacop/RS), Júlia Dias Ottoni, muitos produtores já estão parando com as atividades e buscando alternativas, outros aguardam a melhora do cenário para voltar a alojar.
“No setor avícola estamos com muita dificuldade desde antes da alta dos insumos. A gente vem com déficit de remuneração desde 2019, e quando teve esse aumento, impactou na remuneração dos produtores que não tiveram reajustes. O custo por frango produzido aumentou e o valor pago pela ave não aumentou na mesma proporção”, desabafa Júlia, que também é produtora de matrizes de ovos férteis, no município de Nova Alvorada, e de frango de corte, em Santo Antônio do Palma.
A presidente e advogada cita que a associação está trabalhando para aplicar a Lei da Integração, de número 13.288/2016, que define direitos e deveres de produtores integrados e da agroindústria, estabelecendo parâmetros mínimos a serem previstos em contrato e institui as Comissões para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadecs).
Conforme Júlia, o frango é o terceiro principal produto do Estado, fica atrás da produção de soja e arroz. Entre as proteínas ele é o principal produto do Rio Grande do Sul. “Normalmente são produtores integrados, cerca de 90% dos avicultores do estado são integrados e, por isso, falamos tanto na importância da Lei da Integração.”
A energia elétrica, pellets, lenha, maravalha e mão de obra, diz Júlia, tiveram aumento considerável, além da ração, o que afeta diretamente o avicultor. A produtora ainda frisa que muitas empresas comentam com os produtores integrados que buscam alternativas de substituir insumos como o milho e a soja por outros grãos que podem entrar na alimentação das aves.
Segundo o produtor de Linha Herval, Elton Hein, que trabalha com o alojamento do frango griller e cerca de 180 mil aves por lote, nos quatro aviários, os lotes desde maio já estão sofrendo impactos diretos com a alta do custo de produção. “A gente não percebe uma perspectiva de melhora a curto prazo”, comenta.
Técnico agrícola da Afubra acredita que próxima safra ainda terá o mesmo cenário
Conforme o gerente administrativo de compras da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), João Paulo Porcher, a pandemia foi o início dos reflexos sentidos hoje. Com o fechamento das fábricas ou até mesmo a diminuição dos funcionários atuando, devido às restrições, vários segmentos foram afetados, entre eles os dos insumos agrícolas. “O reflexo está estourando agora”, frisa.
Porcher comenta que com a alta valorização das commodities na última safra, os produtores rurais aumentaram a área de cultivo na safra atual. “O produtor viu que poderia ter aumento na área, pois o preço estava bom, com isso tivemos um consumo dos insumos maior do que já existiu. A alta valorização fez com que o agricultor investisse mais”, afirma.
Além disso, uma série de outros fatores, conforme o técnico agrícola, levaram ao ‘boom’ dos preços. “O Brasil importa no mínimo 60% dos fertilizantes. A gente depende muito dos outros países. E com a exportação restringida, os reflexos foram chegando”, enaltece.
Conforme Porcher, as empresas que fabricam fósforo e nitrogênio estão com restrições. “A China já está sinalizando uma redução das exportações para proteger o mercado interno”, explica. Com essa medida, os preços sofrerão mais uma elevação, segundo o profissional.
Outros fatores, como aumento da energia nos países produtores, gás e petróleo, alto custo no frete marítimo e pouca disponibilidade de navios, elevaram os custos dos produtos. “É um momento de preocupação. O produtor precisa se organizar, se programar uns 60 dias antes de plantar sua safra”, aconselha Porcher.
Há quase 18 anos trabalhando nesse segmento na Afubra, o profissional acredita que a expectativa é que na próxima safra de 2022 ainda vivenciaremos esse cenário. “Vale ressaltar que a safra 2021/2022 está com os custos definidos. A preocupação é com a safrinha do milho, a próxima safra de tabaco e as culturas de inverno”, alerta.
“A gente nunca passou por uma situação semelhante. É um problema a nível global e preocupante. A próxima safra terá impactos severos. E esse cenário já está refletindo no comércio. O consumidor final vai sentir os impactos. O problema afeta todo mundo.”
JOÃO PAULO PORCHER
Gerente administrativo de compras da Afubra
Defensivos
• As importações brasileiras de defensivos agrícolas recuaram 22% de janeiro a setembro de 2021, quando comparadas com o mesmo período de 2020.
• Os principais países de origens dos ativos ainda estão sendo impactados pelos desdobramentos da variante Delta do coronavírus, como Índia e China.
• Importante ressaltar que a China é um dos maiores fabricantes de insumos agrícolas do mundo e um dos principais fornecedores destes produtos para o Brasil. Um dos exemplos é com o glifosato: cerca de 95% vem da China.
O Brasil é o 25º país consumidor de defensivos do mundo, segundo o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) de 2018. Ilhas Maurício é o primeiro colocado, seguido de Equador, Trinidad e Tobago, Costa Rica, Bahamas, Barbados, Santa Lucia, China, Israel e Japão.
Tabaco
• Outro setor que sentirá reflexos significativos na próxima safra é o tabaco. Segundo o produtor de Linha Tangerinas, Fernando Lucini, 24 anos, nesta safra a lenha, combustível, energia elétrica e mão de obra já tiveram um aumento significativo.
• “Os insumos terão um aumento considerável na próxima safra. Esse ano não sentimos tanto, pois a indústria tinha em estoque e muitas repassaram os insumos em valores menores. Mas para a próxima é preocupante, o custo de produção vai ser mais alto”, alertou.