Mallmann planta uma variedade de porongo exclusiva para a fabricação de cuias (Foto: Roni Müller/Folha do Mate)
O carro-chefe na propriedade de Flávio Antônio Mallmann, 52 anos, em Vila Palanque, na divisa com Linha Grão-Pará Baixo, é o aipim. No entanto, é nas horas vagas que o produtor usa da criatividade para elaborar artesanalmente itens de decoração e cuias com porongo cultivados anualmente.
Segundo Mallmann, a produção de 2021 foi baixíssima. Os porongos não se desenvolveram como ele projetava em função do clima, mas em anos anteriores a colheita foi cheia, assim, o agricultor armazenou-os e continua trabalhando.
Tudo começou em 2016. Ele conta que participou da 14ª Fenachim, quando ganhou algumas sementes de porongo e decidiu plantar. “Meus pais sempre cultivavam o porongo, mas as sementes que ganhei na Fenachim eram de porongo especialmente para fabricação de cuias, foi aí que me interessei. Eu sempre plantava por diversão, por gostar e para manter essa tradição. Fazia tocas para passarinhos, mas o porongo não era específico para cuias”, comenta.
Após dedicar cuidados e um tempo especial para as sementes que ganhou, o produtor colheu 30 porongos de duas sementes na primeira safra. “Quando colhi aqueles porongos, eu vi que eram específicos para fazer cuias e comecei a fazer na mão mesmo. Quando sobrava um tempinho eu tava mexendo nos porongos”, cita.
Na 15ª Fenachim (2019), o agricultor já levou suas cuias e uma delas fez sucesso. “Fiz uma maior, um porongo grosso, mas liso, perfeito. Todo mundo queria tomar meu chimarrão”, brinca Mallmann.
Segredos
O agricultor compartilha alguns segredos para cultivar os porongos. “Plantar um pé de porongo não é só jogar a semente e esperar para colher. Antigamente era mais fácil, mas hoje precisa estar o tempo todo na lavoura, cuidando para as pragas não invadirem”, destaca.
As sementes, geralmente, vão para a terra em agosto e setembro e cada variedade tem seu tempo até a colheita – algumas cinco meses, outras três. “É bom tirar o porongo verde da cerca. Mas o caule, o ‘rabinho’, como a gente chama, precisa estar seco. Depois é só deixar secar na sombra e limpar as manchas que ficam no porongo.”
“A fabricação da cuia é um processo manual”
Para fabricar uma cuia, o agricultor comenta que o serviço é bastante demorado, ainda mais quando isso ocorre de forma totalmente artesanal. Apesar de existirem ferramentas e inúmeras técnicas, Mallmann não abre mão do trabalho manual que executa. “Você precisa ter criatividade, paciência e vontade de fazer as coisas. Daí dá certo.”
Após o porongo estar seco, o agricultor lava-o bem, tira as manchas, corta para tirar as sementes e inicia o processo de brocar a cuia. “As cuias que a gente compra têm pouca espessura, mas as minhas não. Isso não dá chimarrão bom se não é bem feito”, enaltece.
Após finalizar a cuia, Mallmann coloca água quente até a borda com quatro colheres de erva-mate. “Deixo parado de um dia para o outro, para curar a cuia.” Ele repete o processo por cerca de quatro dias, até a cuia ficar completamente esverdeada por dentro.
Curiosidades
Conhecido por diferentes nomes, como cabaça, calabaça, purunga ou caxi, o porongo é uma espécie não convencional pertencente à família Cucurbitaceae, a mesma da abóbora, da bucha vegetal e do chuchu. Nativa do continente africano, a Lagenaria sicerariaa, como é conhecida cientificamente, teve disseminação de suas sementes pelo mundo por meio das correntes oceânicas.
Além de cuias, o agricultor fabricou pegadores de erva-mate com os porongos menores e uma ‘térmica’, um porongo adaptado, inclusive com tampa, para levar água fresquinha para a lavoura. “A água fica geladinha, não esquenta.
Mallmann mostra a térmica que criou para levar água gelada para a lavoura (Foto: Roni Müller/Folha do Mate)
O fascínio pela arte no porongo
A versatilidade do porongo encantou a artesã Andréia Soares Schwendler, 47 anos, que pinta e decora as variedades que cultiva. Hoje, a moradora de Linha Arroio Grande já cultiva cinco espécies e trabalha há quatro anos com o porongo.
Andréia usa a criatividade para pintar personagens nos porongos que servem de decoração (Foto: Roni Müller/Folha do Mate)
“Quando comecei, eu comprava de um produtor do Palanque os porongos. Depois, minha mãe plantou um pezinho e deu 60 porongos, vi como era fácil e, a partir de então, comecei a plantar os meus porongos”, conta.
Andréia cultiva as variedades apenas para seu artesanato. “Plantava em cada canto da propriedade uma espécie, mas como nos não temos tanta terra, não dá muito certo. O correto é cultivar com distância de um quilômetro cada, para não misturar. Então agora, a cada ano, planto uma variedade e guardo”, explica.
Após colher os porongos ainda verdes, a artesã guarda eles no galpão, em ambiente seco e onde as peças peguem o sol da manhã. “Eu sempre gostei do artesanato, mas tenho um fascínio pelo porongo, é ele que me diz o que vou fazer. É só usar a criatividade”, garante.
Cada trabalho varia de acordo com o desenho. “Tem peças que levo duas horas, como cada galinha. Mas tem trabalho que levo bem mais. Nunca cuidei, mas é o que mais gosto de fazer”, destaca ela, que começou a pintar por conta e depois realizou cursos para se especializar. Hoje, a moradora de Arroio Grande já ministra cursos para artesãos interessados.
O trabalho mais vendido são as casinhas para passarinhos. “Eu amo o que eu faço, sou apaixonada pela pintura no porongo. Ainda não tem a venda que eu esperava, por isso concilio com outras atividades como restaurações, costura e outros itens.”
Preparo do porongo
Após colher o porongo e deixar secar, Andréia coloca-o de molho na água em temperatura ambiente e, com um esfregão de aço inox, tira as casquinhas e impurezas por fora. “Só lixo quando é necessário.”
Segundo ela, o segredo é aproveitar o formato do porongo e usar da criatividade. “O trabalho que mais gostei de fazer foi o flamingo. Logo quando olhei para o porongo, imaginei que a curvatura seria ideal para o que planejei.” O item serve de decoração na sala onde ela passa o dia a dia trabalhando, e é o xodó. “Esse eu não vendo, ele serve de inspiração”, observa ela, que comercializa os itens na Casa do Artesão de Venâncio Aires e pelas redes sociais @artes_dadeia.
“A internet serve de inspiração,
Para Andréia, o flamingo foi o trabalho que ela mais gostou de pintar (Foto: Roni Müller/Folha do Mate)
mas uso minhas ideias, adapto e crio minhas peças. Quando vou colher o porongo, já imagino o que eu posso produzir, o que vou pintar. Sou fascinada pelo que faço.”