As consequências e os ensinamentos que impactaram no cotidiano desde 11 de março de 2020, quando a OMS declarou a Covid-19 uma pandemia.
Onde você estava em 11 de março de 2020? Talvez a resposta não exigirá muito da memória porque essa data, assim como o 11 de setembro de 2001 (ataque ao World Trade Center, nos Estados Unidos) e o 1º de maio de 1994 (morte do piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna), também entrou para a história. Há cinco anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarava pandemia de Covid-19, o vírus que literalmente sacudiria a ciência, a saúde e a rotina da população mundial.
Ninguém sabia naquele momento, mas a humanidade entrava num dos momentos mais desafiadores dos últimos 100 anos e que causaria, até hoje, 777 milhões de infecções e mais de 7 milhões de mortes, sendo 20,9 mil casos e 159 mortes em Venâncio Aires. Cinco anos depois, a Folha do Mate lembra desse tempo que, para alguns, já parece longínquo, mas que causou consequências e trouxe novos hábitos. O que o coronavírus levou, o que ele ensinou e como ainda impacta na rotina.
Por trás das máscaras na pandemia Covid
Pandemia. Essa palavra, para quem nasceu depois de 1920, parecia apenas perdida ou pouco usada no vocabulário. Para entender o conceito, precisava buscar um dicionário ou, já em tempos de internet, ‘dar um Google’. Era coisa de artigo médico ou livro de História, que caberia para explicar a Peste Negra, a varíola, ou a gripe espanhola, nada que essa geração vivenciou.
Pois a partir de 2020, estava na boca do mundo, semanas depois que os primeiros casos de uma suposta pneumonia na China foram alertados à Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda no fim de 2019. O que viria pela frente era uma pandemia causada por um vírus desconhecido e, infelizmente, mortal: o coronavírus ou Covid-19. Com o rápido aumento de casos, se sabia que era muito transmissível, mas, sem medicamentos específicos ou vacinas, as primeiras recomendações foram o uso de máscaras, o distanciamento e a constante higiene das mãos, seja com água e sabão, ou álcool em gel, outro que ganhou fama com a pandemia.
Símbolo
A máscara, que até então era basicamente um EPI de hospital, virou uma espécie de símbolo na emergência sanitária, com o objetivo de proteger nariz e boca e evitar que um infectado transmitisse e o saudável se contaminasse. Ela nos acompanharia por praticamente dois anos, já que foi em março de 2022 que Estado e Município decretaram a desobrigatoriedade do uso. Três anos depois, eventualmente algumas pessoas as usam, quando têm sintomas respiratórios ou testaram positivo para a doença. Já outras apenas a guardam como lembrança no fundo do roupeiro.
“Guardei não pensando em usar novamente, até porque não quero que retorne. Mas sim, de uma certa forma, uma lembrança de uma fase que ninguém esperava passar e que ficou para a história”, destaca a estagiária do curso Técnico em Enfermagem, Pâmela Emmel, 32 anos. Ela não teve Covid (pelo menos não testou positivo) e fez as vacinas possíveis para a idade, quando foram liberadas. Quanto ao álcool em gel, Pâmela revela que usou mais durante a pandemia. “Sempre me preocupei com a higiene das mãos, mas até hoje prefiro lavar com água e sabão.”
Cuidados que ficaram
As farmácias foram locais muito frequentados durante a pandemia, seja para compra de máscaras ou de álcool gel para higienização e proteção contra o vírus. A proprietária da Farmácia Haas, Elaine Haas, atesta que a venda de alguns itens permaneceram, mesmo que em menor quantidade, como é o caso do álcool gel e o álcool 70%. Ela destaca a venda de produtos com relação à imunidade. “As pessoas estão tendo mais cuidado, não digo que na mesma proporção da pandemia, mas elas perceberam que quem estava com a imunidade boa não teve a doença agravada.” No estabelecimento são frequentes a vendas de vitaminas D, zinco e vitaminas associadas para aumento de imunidade. A venda de máscaras diminuiu bastante, segundo ela.
Sequelas
Durante o período grave da pandemia, eram costumeiros os relatos de problemas de saúde agravados pelo vírus. Nesse momento, também entrou definitivamente para o vocabulário popular a palavra comorbidade (existência de duas ou mais doenças simultâneas na mesma pessoa). Quem tinha comorbidade, estava no grupo de risco para a Covid, assim como idosos.
Além de provocar problemas em diferentes órgãos, a Covid deixou sequelas variadas, mesmo em quem, até então, sempre foi saudável. Tatiana Rex, 49 anos, é um das que mencionam problemas que seguem até hoje. Ela teve Covid quatro vezes, entre 2021 e 2024, e cita piora na visão, falhas na memória curta e muita queda de cabelo depois da doença. “Consultei com diferentes médicos, que me confirmaram que são consequências da Covid. Em 2021, quando tive Covid pela primeira vez, perdi cerca de 40% dos fios. Fiz um longo tratamento, até o fim do ano passado. Minha memória e visão também pioraram muito.” Na primeira vez que positivou para o vírus, teve uma infecção grave no fígado e ficou uma semana internada no hospital.
Impactos da pandemia Covid ainda sentidos na saúde mental
Não bastasse os impactos físicos, a Covid deixou sequelas emocionais que permanecem até hoje. Segundo a psicóloga Raquel Bergamaschi, houve um aumento nos transtornos depressivos, de ansiedade, obsessivo-compulsivo e estresse pós-traumático. “Frequentemente recebo pacientes que apresentam sentimentos de tristeza, desânimo, medo, preocupação, problemas com atenção e memória, dificuldade de se sociabilizar e, às vezes, até com ideação suicida. Quando investigamos, em muitos casos, o início desses sintomas se deu a partir da pandemia ou se agravaram com ela. Muitos ainda não conseguiram se recuperar da morte de familiares ou pessoas próximas e também das perdas financeiras que são sentidas até hoje.”
Ainda conforme a profissional, o sentimento de medo, impotência e ansiedade permanece. “Há pessoas que mantêm repetidamente rituais de limpeza de modo exagerado, com a preocupação constante de evitar se infectar e contrair doenças. O confinamento fez com que aumentassem os conflitos familiares e separações entre casais, o que provocou uma maior instabilidade das relações. O uso excessivo de smartphones e o acesso à tecnologia, principalmente pelos mais jovens, gerou uma dependência digital, ocasionando prejuízos nos estudos, trabalho e interação social.”
Uso de tecnologias na educação e o estudo em casa
Uma área bastante afetada durante a pandemia também foi a educação que, sem encontros presenciais, obrigou os profissionais a inovarem e buscar ferramentas on-line para dar aula. O secretário municipal de Educação, Émerson Henrique, comenta que durante o isolamento social, os recursos educacionais de forma digital tiveram uma grande importância. “Alunos, professores e, até mesmo as famílias, puderam ter acesso a essas ferramentas e dar uma certa continuidade, embora precária, aos estudos de crianças e adolescentes.” Ele cita recursos como o Google Classroom, que foi a ferramenta encontrada para amenizar a falta da escola e do professor de forma presencial. “Essas ferramentas já existiam, mas eram pouco exploradas. Por outro lado, o período revelou o quanto o país ainda precisa evoluir em sinal de internet e na equipação e formação dos profissionais da educação.”, considera.
Aulas remotas
Com praticamente todo ano letivo de 2020 de modo remoto, as aulas retomaram de forma gradual em 2021. Nas Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis) o retorno foi em 29 de abril de 2021; na rede estadual em 4 de maio; e nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental (Emefs) foi em 6 de maio de 2021.
Quem lembra desse período desafiador é Francieli Bergenthal, 33 anos. A filha mais velha dela, Sofia, hoje com 11 anos, estava no 1º do Ensino Fundamental da Escola Dom Pedro II, em Linha Hansel, em 2020, bem no início da alfabetização. “Foi bem difícil para ela, porque é uma parte importante do aprender a ler e escrever. Nós buscávamos os materiais na escola e também viramos professores. O que podíamos ajudar, tentamos, mas não é a mesma coisa. A alfabetização da Sofia foi na metade do 2º ano, já em 2021. Felizmente ela se esforçou muito e correu atrás do prejuízo, e hoje está bem, no 6º ano”, relata a mãe.
Da adaptação na pandemia Covid à manutenção: lives em lojas e tele-entrega do pastel do Bastião
A pandemia também foi responsável por mudanças no mercado de trabalho. Com muitas áreas da economia, empresas suspenderam produções, houve demissões e alguns setores simplesmente estavam proibidos, como o de eventos. Com isso, muita gente precisou buscar outra fonte de renda, o home office se estabeleceu onde foi possível e segmentos tiveram que se adaptar à nova realidade.
Um método de venda que durante a pandemia era o único possível, acabou ficando. As lives em redes sociais permitem que comércios vendem à distância, um jeito que começou durante o período de isolamento, mas que devido à facilidade e comodidade, permaneceu. Uma das lojas que manteve o método é a Casa Lopes. O proprietário, Heitor Lopes, diz que na pandemia, as lives foram a forma de manter a empresa. “O pessoal pedia, comprava pelas redes sociais e entregávamos em casa.”
Atualmente, as lives seguem pelo Instagram, mas com estratégias diferentes: são feitas em períodos de promoções e preços especiais, ou ainda, para esvaziar o estoque da loja. Para se ter uma noção, em uma hora de live, a equipe da Casa Lopes vende em média R$ 3,5 mil em produtos.
Pastel em casa
Em janeiro de 2021, a 145ª Festa de São Sebastião Mártir teve as atividades adaptadas. Uma delas foi a tele-entrega do famoso e ‘abençoado’ pastel do padroeiro de Venâncio, uma prática que deu certo e permaneceu, mesmo após a flexibilização de medidas da pandemia. Foi a primeira vez na história da festa que o pastel chegou até a casa dos fiéis. No dia 15 de janeiro de 2021, a Folha do Mate acompanhou o primeiro delivery, em um estabelecimento comercial de Venâncio Aires.
Élia da Rosa, que trabalha na equipe responsável pelo pastel desde 2019, é a coordenadora da tele-entrega. Ela conta que, no fim do ano de 2020, em uma decisão do Conselho Administrativo da Paróquia São Sebastião Mártir, a tele-entrega foi definida como uma das alternativas para a realização da festa. “Foi um sucesso, tivemos muitas vendas, boa parte delas por tele em 2021. Permanece pela comodidade, hoje em dia tudo é entregue por tele, as pessoas não querem enfrentar filas, nem o calor que faz nos dias da festa.”
Com a permanência do delivery, uma nova equipe, de cerca de 15 pessoas, precisou ser criada na organização da festa. Assim como foram disponibilizados telefones e foi criado um site para os pedidos. “Foi comprada uma fritadeira só para atender a tele, pois nos dias de maior movimento as que já tinha não venciam a demanda.” Em 2025, dos mais de 20 mil pastéis vendidos, foram comercializados entre 4 mil e 5 mil pela tele-entrega, com cinco motoboys nas entregas.
Vacinas seguem disponíveis
A imunização é considerada a principal forma de prevenção do vírus. O início da vacinação em Venâncio foi em 19 de janeiro de 2021. Atualmente, as doses seguem disponíveis no Centro de Imunizações, junto ao novo Centro de Especialidades Médicas (postão Central). A enfermeira coordenadora, Janete Fernandes de Souza, explica que a orientação do Ministério da Saúde é administrar a vacina somente com grupos prioritários. Sendo assim, crianças devem receber duas ou três doses; mulheres devem se vacinar a cada nova gestação; e idosos a cada seis meses. Pessoas com comorbidades, com deficiências permanentes e trabalhadores de saúde também podem ser vacinados. “Percebo pouca procura pela vacina no momento”, afirma Janete.
Nos dados de Venâncio Aires, são 165.548 doses monovalentes – que protege contra uma única variante de um vírus – já aplicadas, sendo 61.022 vacinados com uma dose; 56.688 com duas; 33.490 com dose de reforço, além de outras doses adicionais e de reforço necessárias conforme as condições específicas de cada pessoa. Além disso, são 6.856 doses bivalentes – que promovem a imunização para novas variantes do coronavírus – feitas.
* As informações são da Vigilância Epidemiológica de Venâncio e foram retiradas do boletim municipal de abril de 2020 (mês que iniciaram as notificações) até maio de 2023. Depois, os dados foram tirados do sistema estadual ‘Painel Coronavírus RS’. Maio de 2023 foi o último boletim elaborado. Desde então, os testes rápidos de antígenos só estão disponíveis nos postos de saúde para idosos, gestantes, pessoas com comorbidades e crianças menores de 5 anos. Quanto ao que é notificado, apenas são contabilizados os pacientes que internam no hospital com a doença. Ainda conforme a Vigilância, os pacientes são notificados no SIVEP/GRIPE (sistema que notifica infecções causadas por influenzas A e B, Covid, vírus sincicial respiratório, adenovírus e rinovírus).
Impressões das repórteres
Por Luana Schweikart
Em março de 2020, quando o ‘boom’ da doença chegou em Venâncio Aires, eu trabalhava no comércio. Lembro-me da insegurança e da indefinição da possibilidade de abrir as lojas para atendimentos e vendas. Tanto que, na época, junto com a proprietária da loja, apelamos para a tecnologia também. Criamos um site e comecei a fazer o cadastramento de produtos, já que era a única forma totalmente segura de vender naquele momento. Em janeiro de 2021, já na Redação da Folha do Mate, brinco que conheci os colegas de ‘forma parcelada’, já que a cada nova semana, um estava afastado ou em tratamento contra Covid-19.
Também, eles falam da demora em visualizar o meu sorriso, já que éramos vistos somente de máscaras. Entre as minhas primeiras pautas no jornal, estava a cobertura da vacinação contra a Covid-19, e as milhares de informações e dúvidas que surgiam sobre o assunto. Passados os sustos e momentos de tensão da pandemia, hoje nos restam os aprendizados e as experiências que jamais vamos esquecer, e no futuro, contaremos aos filhos e netos como um momento histórico da humanidade e da saúde mundial.
Por Débora Kist
No dia 11 de março de 2020, não assimilei de imediato que a tal Covid virou pandemia. Porque dentro da minha casa vivia um mundo particular, afinal, apenas cinco dias antes, nasceu meu filho, Rafael. O puerpério, por si só, doía física e emocionalmente. Como mãe de primeira viagem sentia medos e dores suficientes naqueles primeiros dias, mas quando do lado de fora tudo virou de ponta cabeça, a preocupação aumentou. Na dúvida, a orientação é de que começasse o isolamento. Com isso, minha mãe, que eu queria perto (sim, eu também precisava de colo), precisou se afastar.
Embora aquelas primeiras semanas tenham sido dolorosas, meu marido e eu, hoje, entendemos que foi ali que ‘nasceram’ o pai e a mãe do Rafa. Um ano depois, quando idealizávamos uma festa linda para marcar o primeiro aninho do nosso guri, nós também adoecemos, no pior momento da pandemia em Venâncio. Com pneumonia grave, precisei de oxigênio e vi de perto o esforço dos profissionais de saúde, seja no hospital, na UPA ou pelo WhatsApp. Novamente, a dor física e emocional. Uma pela Covid, outra porque não pude mais amamentar o Rafa, por muito tempo. Felizmente, nós superamos. Rafael, que é uma criança saudável, acabou virando um ‘bebê de pandemia’. Que ela tenha ficado no passado e que o futuro seja dele.
Reportagem escrita por Débora Kist e Luana Schweikart.