O ano de 2020 tem sido inusitado. No início da segunda década do século, o número 2 está presente duas vezes na grafia. Coincidência ou não, o dois está em evidência neste ano também nos nascimentos. Dois bebês, dois corações que batem dentro de um só útero. A notícia dupla e inesperada para as mamães de primeira ou segunda viagem. Fraldas, roupas, cuidados e angústias em dobro. Em 2020, houve um acréscimo no número de nascimentos de gêmeos em relação a anos anteriores: em 2018 foram oito; sete em 2019 e, neste ano, até o dia 9 de setembro, oito partos gemelares.
Ângela Ribeiro, de 36 anos, é uma das mães surpreendidas com a notícia da vinda de dois bebês. Mãe de Andressa, 6, ela e o marido Anderson Giovanaz, de 32 anos, falavam em ter mais um filho, mas não esperavam que a família aumentaria em dose dupla de uma só vez. Quando a menstruação atrasou, Ângela já suspeitava da gravidez. Em um primeiro momento acompanhou a possível evolução por um aplicativo no celular e, depois, começou o pré-natal no Posto de Saúde Central. A primeira ecografia foi feita com 13 semanas de gestação. “Foi quando falaram que eram dois bebês. Foi um susto. Meu marido ficou pálido e eu só chorava”, recorda.
Ângela conta que na família do marido há casos de gêmeos, mas segundo os médicos, a gravidez não teve relação genética. “As médicas explicaram que eu ovulei duas vezes. As bebês geraram em placentas diferentes, os fetos tendem a se desenvolver melhor dessa forma”, completa. Talvez essa seja a explicação para a gestação ter sido mais prolongada. As gêmeas Amanda e Aurora nasceram no dia 31 de agosto, com 38 semanas e 1 dia de gestação, por meio de cesariana. Amanda pesava 3.380 quilos e 49 centímetros e Aurora 2.705 quilos e 48 centímetros. “Acho que tudo colaborou para irmos tão longe. Tive uma gravidez tranquila, sem complicações, com pressão arterial normal”, salienta.
Preparativos
Passado o ‘choque’ inicial, a família começou a organizar tudo de forma dupla para receber as gêmeas. Por mais que esperassem que as bebês não seriam idênticas, optaram por diferenciar os itens do enxoval com cores diferentes. As coisas da Amanda são rosa e da Aurora roxas. Os brincos utilizados pelas irmãs também foram escolhidos nessas cores.
A alimentação das gêmeas é exclusivamente com leite materno e a mãe conta que nos próximos dias quer tentar amamentá-las juntas, para que consiga dormir mais horas durante a noite. Desde que as gêmeas nasceram, Ângela tem a ajuda da prima, Cíntia. Aos 10 dias, foi quando ficou pela primeira vez sozinha com as bebês e com Andressa. “Vamos nos ajustando à nova rotina. Vamos comprar comida pronta porque vai ser difícil pra eu cozinhar. Ter essa ajuda no início foi muito importante”, comenta.
Como já está com 6 anos, a irmã mais velha consegue auxiliar nos cuidados das bebês. “Ela alcança as coisas na hora do banho, quando precisamos de algum auxílio. Está feliz com as manas”, declara a mãe. Sobre as dificuldades que estão por vir, Ângela acredita que a fase mais tumultuada deve ser quando as duas começarem a caminhar e explorar a casa.
“Nunca esperei ouvir essa notícia. Não tinha cogitado ser mãe de três.”
ÂNGELA RIBEIRO – Mãe de Andressa e das gêmeas Amanda e Aurora
Para obter os dados de nascimentos de gêmeos no município, a reportagem contou com o auxílio do Cartório de Registro Civil de Venâncio Aires. A pesquisa foi feita de forma manual pela registradora substituta Carmem Druciaki e equipe.
À espera de Théo e Laís
A assistente contábil Diana Vanessa Becker, de 31 anos, está na fase de espera de dois bebês. Grávida de 26 semanas, a previsão de parto é para o dia 17 de dezembro. Diana e
o marido, Tiago Jacobi, programavam o aumento da família e ela começou a tomar um medicamento para estimular a ovulação. “Por conta do medicamento eu estava ciente que poderia vir mais que um bebê”, conta. A primeira ecografia foi feita com seis semanas de gestação e, ao receber a notícia, o casal se surpreendeu. “Ficamos surpresos, um pouco assustados, mas muito felizes”, declara. Diana e Tiago não tinham casos de gêmeos na família.
Em um primeiro momento, o casal buscou informações sobre gestação gemelar e cuidados com os bebês. Depois disso, começaram a organizar e planejar o orçamento financeiro, devido aos gastos em dobro. “Aguardamos para saber o sexo dos bebês, depois optamos em organizar e planejar a casa para a chegada deles com a compra dos móveis para o quartinho, poltrona de amamentação, carrinho e bebê conforto”, explica ela.
Agora, estão sendo finalizados os itens de decoração e enxovais do Théo e da Laís, sempre com atenção para o conforto e funcionalidade. Os pais de primeira viagem vão ter auxílio de familiares próximos nas primeiras semanas. Como não puderam fazer chá de bebê por conta da pandemia de coronavírus, o casal foi surpreendido com uma ‘charreata’ no último fim de semana, organizada por familiares e amigos.
Para se preparar para a chegada e trocar ideias com outras gestantes e mães, Diana participa de grupos de WhatsApp em busca de experiências. “O medo e a insegurança sempre existem, mas procuramos nos informar o máximo possível com leituras, cursos de gestantes e vídeos na internet sobre os cuidados em geral com bebês e gêmeos”, diz. Sobre a nova fase da vida que se aproxima, a mamãe fala em ansiedade e muita alegria. “O sentimento é de ansiedade pela chegada deles e, com certeza, faremos o possível para acertar nos cuidados”, finaliza.
Maioria dos casos de gêmeos corresponde à formação de dois óvulos
Médico especialista em Reprodução Humana, Marcos Höher explica que a gestação gemelar pode resultar de dois diferentes fenômenos. Um deles é da fertilização de dois óvulos por dois espermatozoides ou da fertilização de um único óvulo que, posteriormente, se dividirá em dois embriões.
O profissional, que coordena o Centro de Reprodução Humana do Hospital Bruno Born, de Lajeado, salienta que as mulheres costumam liberar apenas um óvulo em cada ciclo menstrual. Por isso, as gestações múltiplas são um evento de exceção e que fascinam muitas pessoas. “O índice de nascimentos de gêmeos no Brasil, por exemplo, não passa de 1% do total”, diz.
O profissional esclarece que cerca de 70% dos casos de gêmeos no Brasil corresponde à fertilização de dois óvulos por dois espermatozoides, método chamado de fraterno. “Trata-se de duas crianças que terão semelhanças e diferenças que teriam se fossem fruto de gestações em diferentes momentos, como quaisquer irmãos podem apresentar, uns mais parecidos, outros nem tanto”, pondera.
A outra forma de gravidez gemelar são casos de fertilizações em um único óvulo, que posterirmente se dividirá em dois embriões, dando origem a gêmeos idênticos. “Eles apresentam semelhança absoluta, como se fossem duplicatas do mesmo indivíduo. Uma vez que resultam de um processo de divisão de um embrião, terão o mesmo material genético e, portanto, serão sempre dois meninos ou duas meninas, mas nunca um casal”, observa. Esse tipo é menos frequente e corresponde a 30% dos casos.
Questão familiar
Höher afirma que fatores genéticos estão associados a uma maior probabilidade de desenvolver uma gravidez gemelar. “Pode haver uma maior propensão genética em uma determinada família de as mulheres terem ovulações múltiplas com maior frequência do que a verificada na média da população. Mas também há casos em que o gene transmitido para os descendentes está associado a uma maior propensão para o embrião se dividir”, comenta.
Três perguntas
Quais os cuidados diferenciados que uma gestação gemelar exige?
Marcos Höher – Depende muito da gravidez em questão. Não há uma regra rígida que se aplique a todas as gestações gemelares. Mas, como existe um risco maior de se entrar em trabalho de parto precocemente ou ocorrer uma dilatação do colo uterino antes do desejável, é comum que as gestantes sejam orientadas a terem mais cuidado e fazerem um pouco mais de repouso. Isto não significa que se deva passar a gravidez inteira na cama. Entretanto, há um maior número de restrições, como por exemplo não praticar esportes, dentre outros cuidados.
Qual o tempo médio de uma gravidez de gêmeos? Por que é mais difícil chegar nas 40 semanas?
Marcos Höher – O aparelho reprodutor feminino trabalha para gerar e albergar, via de regra, gestações únicas. A anatomia e a fisiologia humanas assim evoluíram ao longo de milhares de anos. O útero que recebe mais de um embrião acaba por ser submetido a uma excessiva distensão, mais rápida e acentuada. A partir do sexto ou sétimo mês de gestação, o volume nele contido corresponde ao que se verificaria ao final do nono mês de gravidez. Portanto, eventos como o início de um trabalho de parto prematuro, ruptura prematura das membranas e, por conseguinte, abortos e prematuridade são mais frequentes nas gestações gemelares em comparação às gestações únicas. Nas UTIs neonatais, é frequente nos depararmos com bebês prematuros entre 28 e 36 semanas, fruto de gestações gemelares e, às vezes, casos de prematuridade extrema (com menos de 28 semanas). Complicações obstétricas como diabetes gestacional e elevação da pressão, por exemplo, também têm o seu risco elevado nas gestações múltiplas. Trata-se de uma gestação com maiores riscos, tanto para as gestantes, quanto para os conceptos.
Por que é comum acontecer uma gravidez de gêmeos quando são feitas fertilizações ou reproduções assistidas?
Marcos Höher – Os tratamentos para engravidar exigem dos casais um grande investimento financeiro e emocional. Assim, na busca por aumentar as chances de se alcançar o objetivo, ou seja, engravidar, médicos e casais começaram a colocar cada vez mais embriões em cada tentativa. Nas décadas de 1990 e 2000 houve um aumento tão significativo nas taxas de gestações múltiplas que começou a ser considerada como uma ‘epidemia de gestações gemelares’. Atualmente, com o aumento da eficácia do tratamento de fertilização in vitro, tornou-se possível diminuir o número de embriões a serem transferidos para o útero das mulheres, resultando na progressiva diminuição dos casos de gêmeos. Mas, com os tratamentos para engravidar como indução da ovulação, inseminação intrauterina e fertilização in vitro se tem, sim, comparativamente, mais casos de gravidez gemelares em comparação às gestações sem tratamento.
Curiosidade
- O médico Marcos Höher afirma que, com a progressão da idade, ocorre um aumento da chance de gemelaridade. As mulheres de 40 anos têm menos probabilidade de engravidar do que as mulheres de 20 anos, por exemplo. No entanto, quando engravidam, a taxa de gemelaridade nas de 40 é maior. “Isto ocorre porque com o passar da idade o estoque de óvulos vai progressivamente diminuindo. Através de mecanismos hormonais, o cérebro fica ciente desta diminuição da reserva ovariana e, de forma compensatória, passa a estimular os ovários com maior intensidade”, reforça. O resultado é que a liberação de mais de um óvulo vai se tornando um fenômeno mais comum e, consequentemente, é verificada uma taxa maior de gestações gemelares.
Impressões de repórter
O ano do número 2. No dia 2 de abril, noticiamos sobre o decreto que determinava o comércio do município e demais cidades do Rio Grande do Sul fechado por 15 dias. Era o início de uma pandemia de saúde pública histórica, que além de arrancar vidas levou muitas pessoas a repensarem propósitos e reorganizarem planos e metas após serem direta e indiretamente afetadas pelos reflexos da crise. Reflexos como a Rodoviária de Venâncio Aires, que após mais de 60 anos de história teve o encerramento das atividades anunciado no dia 2 de maio.
O número 2 seguiu presente. Na rotina dupla dos professores, que preparam um material de aula para alunos que têm acesso à internet e outro para aqueles que vão até à escola buscar os impressos, nestes meses de aulas a distância. Na política, a votação daqui a dois meses, que vai apresentar duas opções de governantes para a Prefeitura. Estudos sobre questões relacionadas à numerologia à parte, o dois segue do nascimento à morte, nas duas opções de vir ao mundo – parto ou cesariana – e duas opções de despedida: sepultamento ou cremação.
Ensinamentos que ficam, pois o número 2 tem tantas variáveis que nos mostra que não podemos fazer nada sozinhos e cada pequena conquista faz mais sentido quando contamos com alguém para nos auxiliar. Prova disso é que só podemos fazer um comparativo e afirmar o aumento do número de nascimentos de gêmeos em Venâncio Aires devido ao apoio e boa vontade da equipe do Cartório de Registro Civil.
Se todos os órgãos e estabelecimentos tivessem profissionais dispostos a nos auxiliar para a produção de reportagens com dados e mais completas, o fazer jornalístico nos traria, com toda certeza, mais ânimo e coragem para superar os desafios, inovar e buscar sempre mais para nossos leitores. Por fim, ficam dois sentimentos: gratidão e aprendizado acumulado.