“Precisamos valorizar mais a nossa vida e a dos outros”, diz filha de vítima de suicídio

-

O dia 8 de junho de 2018 está gravado na mente da fotógrafa Bruna Vianna Dullius, 25 anos, como se fosse hoje. Na noite anterior, ela estranhou que a mãe não havia respondido a mensagem de boa noite no WhatsApp. Jamais imaginou, no entanto, que, por trás do sorriso e do bom humor de Lisângela Peiter Vianna, 46 anos, havia um sofrimento capaz de fazer ela tirar a própria vida. “Minha mãe era uma pessoa ativa, de bem com a vida, tínhamos uma relação ótima, que só melhorava”, lembra.

Quando chegou na casa da mãe, na manhã do dia 8, preocupada com o fato de ela não responder as mensagens, encontrou a casa fechada. Bruna foi tomada por uma sensação muito ruim. Não foi preciso ver para saber que Lisi havia se suicidado.

Ainda hoje é difícil para ela assimilar o que aconteceu. “É uma batalha diária, porque parece que, a cada dia, ela vai voltar. Na minha vida inteira, jamais tive a ideia de que a minha mãe era depressiva, jamais imaginaria isso. Ela comentava que, na adolescência, tinha tido uma fase depressiva, mas nunca foi diagnosticada com depressão nem tomou medicamentos.”

“Tirar a vida é o auge do desespero. Precisamos refletir, tentar entender os nossos sinais e os do outro, nos interessarmos pela vida do outro com respeito e empatia. Isso pode ajudar a salvar uma vida.”

BRUNA VIANNA DULLIUS – Filha da Lisi

Para Bruna, filha única de Lisi, falar sobre o assunto é muito difícil. Apesar disso, ela considera fundamental desmistificar o tema e reforçar a prevenção ao suicídio. “Há poucos meses que consigo falar sobre o assunto. Para mim, isso é uma superação. Hoje vejo ainda mais que precisamos valorizar mais a nossa vida e a dos outros. Vejo a vida com outros olhos. Acho importante que as pessoas saibam disso, que não precisem passar pelo que eu passei para mudarem.”

A fotógrafa conta que buscou seguir a vida depois do falecimento da mãe, em meio a um turbilhão de sentimentos. “Por quatro meses, só tinha vontade de dormir, mas segui estudando e trabalhando. Tive crises horríveis, a dor que eu sentia chegava a ser física. É como se tivesse acontecido um apagão na minha vida, naquela fase. Muita gente se afastou, sem saber como abordar o assunto, justamente no momento que eu mais precisava”, lamenta.

Segundo Bruna, o acompanhamento psicológico foi essencial para conseguir enfrentar o luto. “Esse suporte foi essencial. Com ele, consegui viver o luto, Muita gente achava que eu deveria tomar medicamentos, mas foi a oportunidade de falar, compreender o que tinha acontecido, com a ajuda profissional, que realmente me ajudou. Tenho certeza que, se tivesse me entregado e não ter buscado apoio com psicóloga, hoje eu não estaria aqui.”

Bruna Dullius e a mãe Lisi Vianna Venâncio Airesa mãe Lisi Vianna Venâncio Aires
Lisi e a filha única, Bruna, cultivavam uma relação de parceria e muito amor (Foto: Arquivo pessoal)

Pequenos sinais do risco de suicídio

Foi somente um tempo depois da morte da mãe, que Bruna conseguiu identificar sinais que mostravam, de forma sutil, que algo não estava bem e que Lisi tinha tendência suicida.

Entre eles, a saída do emprego, a vontade de ficar apenas em casa, não encontrar os amigos, e o fato de ter oferecido a casa dela para Bruna e o namorado, na época, morarem e saírem do aluguel, enquanto ela decidiu residir na casa da falecida avó.

 

“Só muito tempo depois comecei a me dar conta de que a mãe pensava nisso há meses, tinha planejado tudo. A gente conversava sobre tudo, mas hoje olho para trás e percebo que não era sobre tudo. Para não me preocupar, ela não deixava transparecer a dor dela.”

BRUNA VIANNA DULLIUS – Filha da Lisi

Apesar do vazio e da dor que a acompanham desde aquela sexta-feira de junho de 2018, Bruna guarda com muito carinho as lembranças da ‘mamis’ alto astral, parceira de todas as horas e amiga dos amigos da filha. “Não tem um dia que não lembro dela, porque tudo que ela fez foi por mim, pelo exemplo incrível que foi. Minha mãe me criou sozinha, cuidou da mãe e da vó dela. Ela era tudo pra mim. Sempre se virou sozinha. Ela tinha fé. Vejo que tirar a vida foi o auge do desespero.”

Fatores de risco para o suicídio

De 2010 até este ano, 178 pessoas morreram, vítimas de suicídio, em Venâncio Aires. Apenas em 2020, foram 11 casos. No ano passado, o município atingiu o pico da última década, com 26 casos – uma morte a cada duas semanas.

A psicóloga Solange Adams Simon lembra que o suicídio não tem uma causa única, mas é resultado de uma soma de fatores. De acordo com ela, sinais que muitas vezes passam despercebidos podem indicar risco de suicídio.

Entre eles, estão mudanças de comportamento, como deixar de sair para se divertir, se afastar dos amigos e querer ficar apenas em casa. “Mudanças no sono e na alimentação também podem ser sinais. Por exemplo, no caso de pessoas que sempre tiveram o sono regrado e passam a não ter mais, isso deve ser um sinal de alerta. Da mesma forma, mudanças na forma de comer podem ser sinais, como passar a comer muito ou pouco”, explica.

“Muita gente evita conversar com alguém que perdeu um familiar por suicídio por não saber o que falar. Mas, na maioria das vezes, não precisa falar nada, apenas ouvir, oferecer um espaço de escuta, se mostrar interessado. Isso não é apenas para psicólogos ou psiquiatras, é algo que toda sociedade pode fazer.”

SOLANGE ADAMS SIMON – Psicóloga

Segundo a profissional, que atua na rede pública de saúde de Venâncio Aires e Mato Leitão, a existência de uma tentativa anterior de suicídio é um dos principais fatores de risco. Da mesma forma, o histórico familiar (outra pessoa da família ter se suicidado) é um aspecto importante a ser observado, assim como a existência de transtornos mentais, como depressão, ansiedade e bipolaridade. “É muito importante que esses transtornos sejam tratados para não evoluírem para um fim trágico”, ressalta Solange.

Além disso, o uso abusivo de substâncias psicoativas, como álcool e drogas, também se torna um fator de risco. “Com o uso dessas substâncias, a pessoa perde a noção da realidade e pode cometer o ato de suicídio sem estar consciente.”

A psicóloga, que integra o Comitê de Prevenção ao Suicídio de Venâncio Aires, comenta que, além dos familiares e amigos, profissionais da saúde devem ficar atentos a sinais no comportamento de pacientes. Um exemplo citado por ela é o de pessoas que procuram frequentemente atendimento. “Precisamos ficar atentos a pessoas que consultam muito, procuram atendimento todos os dias, cada vez com uma dor diferente. Muitas vezes, são sinais que passam despercebidos”, reforça Solange.

Escuta, uma estratégia poderosa na prevenção do suicídio

Assim como ficar atento aos sinais no comportamento das outras pessoas pode ajudar a salvar vidas, a escuta é uma estratégia importante na prevenção de suicídios. A disponibilidade de ouvir e conversar pode auxiliar, inclusive, pessoas que perderam familiares por suicídio.

“Quem perde algum familiar, acaba se cobrando, tentando encontrar motivos, e isso causa muito sofrimento. A escuta atenta e a empatia podem ajudar muito a evitar o adoecimento dessas pessoas e novos casos de suicídio”, salienta a psicóloga Solange Adams Simon. Ela cita que, por conta disso, neste ano, o Comitê de Prevenção aos Suicídios de Venâncio Aires organizou o primeiro Encontro dos Sobreviventes. “Foi um espaço oferecido aos familiares enlutados.”

Onde buscar ajuda

  • Se você está em sofrimento emocional ou tem algum familiar ou amigo que precise de auxílio, pode buscar ajuda nos postos de saúde e nos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps).
  • A equipe de profissionais do Município oferece a ferramenta de apoio Dr. Protege Saúde Mental. A partir do preenchimento do formulário, é possível solicitar ajuda, para que profissionais que atuam na área de saúde mental façam contato telefônico.
  • O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito a pessoas que estejam em sofrimento. O atendimento ocorre 24 horas, todos os dias, pelo telefone 188 e pelo site.
  • Em casos de tentativa de suicídio, é importante procurar auxílio na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM).


Juliana Bencke

Juliana Bencke

Editora de Cadernos, responsável pela coordenação de cadernos especiais, revistas e demais conteúdos publicitários da Folha do Mate

Clique Aqui para ver o autor

    

Destaques

Últimas

Exclusivo Assinantes

Template being used: /var/www/html/wp-content/plugins/td-cloud-library/wp_templates/tdb_view_single.php
error: Conteúdo protegido