Na placa da vida, há 60 anos sem acidente. Na carteira de capa marrom, emitida aos 15 anos, apresenta em suas páginas, a história de Paulo Arlindo Rosa de Lima, ou melhor, o ‘21’, apelido que herdou do pai e passou a ser conhecido pelos venâncio-airenses. Nestas páginas, de aprendiz, servente, auxiliar de mecânico, mecânico e motorista, com carteira, já se passaram seis décadas. Entretanto, com orgulho, o senhor de fala mansa, conta que aos 12 anos já contribuía para o INSS. Ele, que também foi presidente da Festa dos Motoristas, comemora nesta segunda-feira, 25, mais uma data alusiva aos Motoristas com a ‘placa de sua vida – há 60 anos sem acidente’.
O tempo, porém, não é empecilho para ‘21’. Aos 79 anos, comemorados no dia 10 de abril, atualmente, aposentado, desde muito jovem começou a trabalhar e conta que é um “apaixonado pelo trabalho.” Na função de motorista de transportes coletivos, na Viasul, sua “segunda casa”, o profissional está há 46 anos. Embora entenda que um dia terá que parar de trabalhar, por ora não quer pensar nisto. A sua rotina se inicia às 6h, diariamente [levanta às 5h] cumprindo mais quatro escalas intercaladas, no transporte de pessoas, que se encerram à noite. Morador do bairro Santa Tecla, desde 2007, ao lado de Jane de Fátima Borba, 44 anos, com quem vive há 16 anos, ele é pai da Antoniete Frólio; da Margarete Fátima dos Santos e acrescenta “mãe do Fabiano, campeão gaúcho de motocross”; da Janete Cristina de Lima e da Kátia Cilene Fischer, filhas do primeiro casamento. “Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho”, frase que acentua com emoção.
FOLHA DO MATE – De onde vem o apelido ‘21’ e o Paulo Arlindo?
Paulo Arlindo Rosa de Lima: O apelido vem do meu pai. Ele tinha 21 dedos. Sendo filho do ‘21’, o apelido pegou. Mas outros apelidos vieram também no futebol. Apelidos é que não faltam. Nasci em Vila Santo Antônio, hoje Mato Leitão. Meus pais [José Rosa de Lima e Maria Doralina dos Santos de Lima – (in memoriam] tiveram 12 filhos. Moramos em Santa Emília e Arroio Grande. Servi o quartel, joguei futebol, fui mecânico, candidato a vereador, presidente da Festa dos Motoristas, colega dos colegas e nunca parei de trabalhar. Digo sempre que não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho.
Na função de motorista, quando o senhor começou? Conte-nos um pouco desta trajetória
A carteira de motorista tenho desde 28 de junho de 1956. São 60 anos. No início fazia ‘biscates’. O primeiro ônibus que dirigi foi um Ford, de apelido ‘Rebite’, na década de 60, do Dorgélio Schuler, de Santa Emília, o melhor amigo que tenho. O transporte era como os nossos urbanos, hoje, mas naquele tempo, a gente precisava andar de guarda-chuva dentro (risos).
Depois, trabalhei de mecânico, na minha atual empresa, minha origem é mecânico. Primeiramente comecei com as viagens de excursões. Conheço mais de 20 estados. De Belém pra baixo conheço todos, além de Chile, Buenos Aires, Bolívia Uruguai, Argentina/Bariloche, Montevidéo. Os quilômetros são incalculáveis. Quando estava de folga também fazia linhas normais por aqui. Na Viasul, antes era Auto Viação, estou desde 1970. Eles não me mandam embora e eu também não vou. Lá é minha segunda casa. Eu gosto muito deles, da minha empresa, e eles gostam de mim. O Sérgio me chama de filho e o chamo de pai. é um ‘cara’ muito compreensivo, um cara muito legal. Ele chega a dizer que é para o ‘12’ [apelido invertido] ficar sentado, quando falo em sair.
Destas inúmeras viagens, alguma lembrança que lhe marcou mais?Ah! Tem muitas. Mas, a que mais guardo é da gruta do Maquiné, em Costiburgo, Belo Horizonte, esta foi a que mais me marcou. Uma viagem em meio à natureza, como se criam as pedras, é muito linda. Eu gosto muito do verde, da natureza. Ainda quero voltar lá. Outra foi quando tive que percorrer mais 25 quilômetros, em Caxias, para levar um passageiro de volta ao hospital, que passou mal. Ficou meu amigo e até hoje ele me agradece. Fiz porque era minha obrigação fazer o bem. Felizmente deu tudo certo, e depois seguimos viagem. Se hoje tudo viesse à mente, eu poderia escrever um livro. Um episódio interessante vi em Belo Horizonte, onde um corrupião [pássaro] cantava o Hino Nacional e meus amigos não acreditaram. No dia seguindo deu a notícia em rede nacional [‘21’ repete o assovio – risos].
Algum segredo para uma direção segura?As pessoas dizem “pode ir”, eu respondo: – vou esperar mais um pouquinho. Isto ajuda muito a pessoa. Já vi muitos acidentes feio. Graças a Deus nunca me envolvi. Penso que 25 % devemos cuidar de nós, 25% do outro, e 50% é sorte. Para um cara que saiu do mato, tipo eu, acho que a sorte ajuda e muito. Também sou devoto de Nossa Senhora Aparecida [imagem que tem em frente da casa]. Respeito, honestidade e responsabilidade, também carrego comigo.
O senhor disse que mora no bairro Santa Tecla desde 2007. Como vê o bairro hoje?A rua que está assim [refere-se a obras] considero progresso. Antes era um buracão. Desde que moro aqui tudo mudou pra melhor. é um bairro sem agitação, sem malandragem, onde todo mundo trabalha. O município todo cresceu muito. Quem viu Venâncio em 1949, hoje nem reconhece mais.
NOTA DA REPORTAGEMCom um gostoso chimarrão, ao lado de sua companheira há 16 anos, Jane de Fátima Borba, a quem diz que é sua amiga, companheira, dedicada a cuidar dele’ acompanhados pelo calor da lareira e na companhia de um de seus animaizinhos de estimação – ’21’ vai desfiando um verdadeiro rosário’ de suas andanças pelo Brasil afora e além fronteiras. Com orgulho mostra fotos amareladas pelo tempo das viagens, futebol amigos e familiares. Os ‘regalos’ na estante – miniaturas de ônibus que ganhou de presente da empresa – são apresentados com um sorriso bem faceiro. Além de retirar da parede os quadros emoldurados com a homenagem ‘pelos relevantes serviços prestados’ à empresa. Só lamenta não ter anotado e registrado tudo que vivenciou nestes anos pelas estrada, o que hoje lhe renderia um livro. Mas se a memória já ‘deletou’ algumas passagens, o coração do motorista está cheio de energia para seguir cumprindo com sua paixão – firme na direção – transportando vidas e sendo “colegas de seus colegas”