Um dos principais pontos de referência de Vila Mariante fechou as portas. Com uma história centenária, a estação rodoviária do 2º distrito encerrou as atividades, há cerca de quatro meses, por conta das dificuldades financeiras e da redução de passageiros.
O estabelecimento se soma a cerca de cem outras rodoviárias de todo o Rio Grande do Sul que fecharam, ao longo dos últimos dez anos, conforme estimativa do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). “Acertamos tudo com o escritório e fechamos no dia 1º de junho. Nenhum outro empresário se interessou em assumir”, explica Luciano Jorge Hertz da Silva, 45 anos.
Enteado do até então proprietário da rodoviária de Mariante, João Antônio Guimarães da Cunha, 78 anos, Silva “se criou” no espaço de venda de bilhetes e embarque de passageiros, e trabalhou por cerca de 20 anos no local. “A gente acaba conhecendo todo mundo. Estava na rodoviária desde que tinha 2 anos”, conta.
Quem começou o empreendimento foi o pai de João, Donato Cunha. De acordo com Silva, apesar da continuidade, ao longo de outras gerações da família, ao longo dos anos, o movimento foi diminuindo. Paralelo a isso, muitos passageiros acabavam embarcando nos ônibus em pontos próximos à rodoviária, sem que o estabelecimento emitisse os bilhetes. “Muitos não respeitavam a lei de que não é possível os ônibus pararem a menos de 1,5 quilômetro da rodoviária”, observa.
O percentual de 11% sobre o valor da passagem é o único valor repassado à empresa administradora da rodoviária, pela concessão do serviço. Embora o prédio pertencesse à família, os gastos com energia elétrica, água e limpeza do banheiro inviabilizaram as atividades. “Até colocamos cartazes pedindo a colaboração da comunidade, mas não adiantou, por isso resolvemos parar”, afirma Silva.
Usuários
Morador de Vila Mariante, José Pacheco da Rosa, 36 anos, utiliza transporte coletivo duas vezes por semana, para ir até o centro de Venâncio Aires. Para ele, embora seja possível embarcar em outros locais, é comum que os ônibus estejam atrasados. “Esse é o único problema”, considera.
A moradora de Linha Picada Nova, Josina Brandão, 72 anos, entretanto, lamenta o fechamento da rodoviária. “Toda semana ia para Cruzeiro do Sul e Lajeado, porque meus filhos moram lá. Agora não tem mais ônibus. Muita gente tem carro e moto, mas para quem não tem, fica difícil.”
Para a aposentada, outro fato negativo do encerramento das atividades da rodoviária é a falta de banheiro e de lugar para sentar, enquanto espera o ônibus. “Agora, quando preciso, venho com o ônibus do colégio”, explica, referindo-se às linhas de transporte escolar.
O Daer não respondeu ao questionamento da reportagem, encaminhado via assessoria de imprensa, sobre alterações de linhas e horários de ônibus que ocorreram, após o fechamento da rodoviária. Informou, contudo, que não há previsão para continuidade dos serviços como estação rodoviária. “Posteriormente, deve ser lançado um novo edital de licitação, mas ainda não há previsão para publicação.”
>> 223 é o número de rodoviárias ativas no Rio Grande do Sul, de acordo com o Daer. O órgão estima que, em menos de dez anos, 102 rodoviárias tenham fechado, no estado. Entre os principais destinos dos passageiros que utilizavam a rodoviária de Vila Mariante estavam Venâncio Aires, Santa Cruz do Sul e Porto Alegre. O número de passagens vendidas, por dia, variava de dez a 40.
Uma rodoviária por município
Embora a rodoviária de Vila Mariante estivesse em funcionamento há mais de cem anos, a reabertura do empreendimento nos mesmos moldes não seria possível, segundo o presidente do Sindicato de Agências e Estações Rodoviárias no Estado do Rio Grande do Sul, Nelson Noll.
Ele explica que a legislação estabelece que haja somente uma estação rodoviária em cada município, com exceção de Porto Alegre, onde podem ter outras rodoviárias para atender a região metropolitana. “Como Venâncio Aires já tem a sua rodoviária, pela lei, não seria permitida outra em Vila Mariante, pois se trata do mesmo município”, esclarece.
No entanto, de acordo com ele, uma alternativa possível seria um posto de venda de passagens na localidade, ligado à estação rodoviária de Venâncio Aires. “Poderia ser em uma farmácia ou outro estabelecimento comercial, onde pudessem ser emitidos os bilhetes e houvesse um banheiro, por exemplo, para atender os passageiros.”
Ele comenta, inclusive, que um representante do sindicato deve percorrer o estado com o objetivo de articular a abertura desses postos em locais onde foram fechadas estações rodoviárias.
Fechamentos de rodoviárias refletem mudanças sociais e econômicas
O fechamento da rodoviária de Vila Mariante faz parte de um cenário que atinge empreendimentos de todo o estado. Para o presidente do Sindicato de Agências e Estações Rodoviárias no Estado do Rio Grande do Sul, Nelson Noll, uma série de fatores, ao longo dos últimos anos, levou ao encerramento das atividades.
Na visão dele, paralelo à compra facilitada de automóveis e motocicletas, para a população, a falta de uma consciência coletiva, sobre a importância de manter os serviços, faz com que muitas pessoas não utilizem mais o transporte coletivos e os serviços das rodoviárias.
Além disso, Noll observa que, com as emancipações, cidades pequenas começaram a “ter vida própria” e as viagens dos moradores para municípios vizinhos, para utilizar agências bancárias, serviços de Prefeituras e até mesmo o comércio, deixaram de ser necessárias.
O aspecto que mais tem preocupado o sindicato, entretanto, diz respeito ao transporte de passageiros para serviços de saúde, realizado pelas próprias prefeituras. “Muitos municípios levam outras pessoas junto, além dos pacientes que precisam atendimento médico, o que causa um prejuízo às empresas transportadoras e às rodoviárias. Com a intenção de beneficiarem munícipes, acabam transportando quem não deveriam e causando um prejuízo maior ainda. Não podemos aceitar que prefeituras façam papel de empresas transportadoras”, enfatiza, ao comentar que a demanda já foi levada ao Ministério Público (MP) do estado.