Nove horas e 30 minutos de sexta-feira, 21 de novembro. Nada de horário marcado para atender clientes no salão. A hora estava reservada para outro compromisso, o casamento. Os noivos, os cabeleireiros Wirk e Silvio, chegaram no Cartório de Registro Civil de Venâncio Aires com as testemunhas. Na sala especial para o momento, o juiz de paz aguardava o casal para o ‘sim’ que marcaria uma cerimônia histórica no município.
Dois ‘sim’ permitiram a oficialização de uma união gay que começou há 22 anos. Na certidão, as assinaturas que têm o peso da garantia de direitos e o valor de um relacionamento respeitado e repleto de união e companheirismo. Agora, a partir do próximo ano, a data será para comemorar as bodas de casamento. Mas é o 12 de outubro de cada ano que Wirk Kussler, 45 anos, e Silvio Moura, 40, dedicam para comemorar mais um ano do relacionamento. Este foi o primeiro casamento homoafetivo realizado no cartório do município desde que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em maio de 2013, uma resolução que obriga os cartórios de todo o país a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento.Diante do juiz de paz, duas madrinhas e alguns funcionários do cartório, em um ato rápido e de simplicidade, assistiram o casal marcar a história na cidade de quase 70 mil habitantes. Embora, reconheçam que ainda existe preconceito com gays, o casal afirma que nunca sofreu discriminação. Tanto Wirk quanto Silvio relembram que quando adolescentes, sempre se acharam normais e que não teve um momento de descoberta sobre a sexualidade. “Para mim o sexo não era visto como algo diferente. Achava normal me interessar por quem me atraia”, conta Wirk que revela que, por imposição da sociedade, quando adolescente, tentou um relacionamento com uma mulher.Para Silvio, que enquanto adolescente sempre teve grupos de amigos da escola e nunca teve tratamento discriminatório, a escolha por um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo também foi natural. “Nunca me descobri gay”, destaca. “Gays nascem gays e héteros nascem héteros”, completa Wirk.
Wirk, há cerca de dois meses, teve o diagnóstico de um câncer, o Linfoma Hodgkin. A notícia lhe fez refletir ainda mais sobre a vida e tomar medidas que lhe garantissem uma segurança sobre o seu futuro e de Silvio. Por isso, da decisão de legalizar a relação. “Encaminhamos a documentação, aguardamos os 15 dias após a publicação do edital de proclamas e casamos”, explicam. Wirk que já iniciou o tratamento com quimioterapias, não se intimida com a doença e mostra força de vontade para continuar aproveitando a vida, os amigos e fazendo o que mais gosta: o trabalho de cabeleireiro. Os horários para as clientes fazem parte da sua agenda, normalmente.
Elas testemunharam a união dos amigos
Foi de relações de confiança e companheirismo que solidificaram duas amizades que, ontem, puderam testemunhar o casamento de Wirk e Silvio. Uma delas é Michele Assmann Bersch, 34 anos, que conheceu o casal em 1994. “Desde lá nos tornamos amigos, das horas boas e ruins.” Sobre o Wirk, Michele relata que sempre liga para ele torcer por ela quando algo novo vai acontecer em sua vida. “Amo tanto ele que o escolhi para ser meu padrinho de casamento. A energia e o pensamento positivo dele me transmitem paz”, acentua. Sobre o relacionamento, Michele relata que aceita a forma de amar dos dois e destaca a importância de respeitar as diferenças. “Porque para mim o amor não tem opção sexual, o amor acontece.”A outra madrinha também é uma amiga de longa data. Marisa Heck, 49 anos, conhece Wirk e Silvio há 22 anos e é uma das clientes mais antigas, mesmo morando em Santa Cruz do Sul. “Eles são um exemplo, pena que ainda muita gente tem preconceito.” Emocionada com o casamento dos amigos, conta que está muito feliz por ter testemunhado o momento. “Hoje em dia muitos casais convencionais não conseguem manter uma relação tão respeitosa e duradoura como eles.”
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