As pedras das ruas sabem que passamos por um período de desequilíbrio entre os três poderes, que é como um vírus a infectar a Democracia, a ferir garantias, liberdades e o devido processo legal. Em outras palavras, há um desequilíbrio institucional. Depois de ler meu artigo da semana passada, sobre o Congresso encolhido, um ministro do Judiciário me enviou este endosso: “Super preciso, Alexandre! Temos hoje um Judiciário hipertrofiado, um Legislativo atrofiado e um Executivo ideologizado. A democracia despencou com esse tripé.” Isso me faz refletir sobre os “pesos e contrapesos” com que Montesquieu idealizou o equilíbrio entre os três poderes. Se o Legislativo se atrofia, não pode ser contrapeso ante o peso do Judiciário e as seduções do Executivo. E Legislativo atrofiado significa representação popular atrofiada. Então despenca o significado de democracia como governo do povo.
Quanto ao Executivo ideologizado, sempre houve tons de ideologia, mas exacerbou-se quando, depois de três décadas de esquerda com matizes diferentes no governo federal, a direita antes silenciosa e tímida reapareceu e surpreendeu ganhando eleição. Veio a polarização e os ânimos extremaram as posições. Agora o atual quer apagar o anterior. Este primeiro trimestre de novo governo faz lembrar a “Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal”, do Gênesis. “Sereis como deuses” – prometeu a serpente tentadora. Quem cai na tentação, fica convencido que pode estabelecer o que é bem e o que é mal, julgando-se imbuído desse conhecimento. O chefe do executivo fica tentado a cancelar o que tenha sido bem construído pelo governo anterior, e rotula o bem de mal. As consequências apareceram nestes três meses, mostrando que muito de bom foi substituído por aquilo que hoje não dá certo. O Legislativo, como órgão fiscalizador em nome do povo parece ter dispensado seus instrumentos e ainda não percebeu os efeitos disso.
No Judiciário, juízes tentados pelo “sereis como deuses”, passam a decidir o que é aproveitável e o que é dispensável na Constituição, e se arvoram também a fazer leis, em vez de limitarem-se a aplicá-las. Há reação no próprio Judiciário, onde se ouve cada vez mais a ironia de que “a Suprema Corte tem a prerrogativa de errar por último”. Revogar direitos pétreos e entregar o poder de revogá-los a prefeitos e governadores foi ainda mais grave que desrespeitar a inviolabilidade de parlamentar por quaisquer palavras. Isso sem falar do inquérito que o Ministro Marco Aurélio chamou de “Fim do Mundo”. Depois das tentações do Gênesis, o Apocalipse.
O primeiro dos poderes numa democracia – e na Constituição – é o Legislativo, o poder atrofiado. É o poder que representa a população e os estados que compõem a União. Se o Legislativo não acordar, continuaremos nesse “Estado Democrático de Direito” apenas como marca de fantasia. Povo e estados sub-representados. Talvez precise de diálogo, mas antes do diálogo será necessária humildade como antídoto ao veneno da serpente – o orgulho e a vaidade inoculados nos que caíram em tentação. No período militar, o executivo se impunha aos outros poderes – e a História hoje chama aquele período de ditadura, por causa disso. Como se chamará amanhã o atual período de hipertrofia do Supremo?