Adeus à majestosa Minsk.
Escrevo hoje com uma pontinha de nostalgia. Inebriada pela emoção de despedida vou recapitular algumas lições vividas durante nossa estada na Bielorrússia. Depois de mais de dois anos morando em Minsk estamos voltando para nossa casa na Inglaterra. Meu marido é diplomata britânico e por isso a cada três, quatro anos, nos transferimos devido ao seu trabalho no Ministério do Exterior. E assim os capítulos vão se fechando enquanto novos desafios vão aparecendo. A adaptação por vezes é difícil mas o enriquecimento cultural mais do que compensa os tropeços iniciais. Para mim é sempre uma regalia poder viver em outros países. Adoro mudanças e renovações. O fascínio por novos costumes e culturas transportam à vida cotidiana da comunidade local proporcionando um enriquecimento interior único. Já vivemos em vários países, entre eles Itália, Líbia e França, e de certa forma deveria estar apta e habituada a estas mudanças constantes. A verdade é que não estou, pois a hora de partir sempre revira o emocional, traz à tona aquela melancolia suave de lembranças de outros tempos, despedaça laços de amizades, e invariavelmente sela mais um ciclo da nossa vida. E me dou conta das lições que aprendi desbravando mais um país. Tantos ensinamentos.
Desde a primeira vez que pisamos em solo bielorrusso em agosto de 2013 fiquei surpreendida (minha ignorância sobre o país era superior ao imaginável), especialmente com Minsk, cidade majestosa e guarnecida por uma atmosfera vaporosa. Logo que cheguei nem mesmo o verão ensolarado sob céu azul bielorrusso foi suficiente para me preparar ao choque cultural que estava por descobrir! A capital da Bielorrússia é bem diferente das capitais de outros países que faziam parte da União Soviética. Embora aniquilada durante a Segunda Guerra Mundial, nas décadas seguintes Minsk foi reconstruída seguindo um projeto urbanístico espetacular com inúmeros parques e largas avenidas que percorrem a cidade em todos os sentidos, emolduradas por fachadas clássicas e palacetes imponentes. Seja pela arquitetura stalinística de concreto cinza, linhas retas e janelas simétricas ou pelas construções clássicas, Minsk foi reestruturada de forma colossal e com base nos valores russos com a criação de praças, monumentos e esculturas gigantes. Esta arquitetura monumental foi (e continua sendo) regimentada pelo poder e vincula a ideia de prosperidade às construções viçosas e ao cultivo de herois. Minha primeira lição foi assimilar que aqui as colunas de concreto valem muito mais que a expressão humana.
Neste país governado pelo mesmo presidente desde a independência e desmembramento da União Soviética há mais de 20 anos, impera o autoritarismo e cidadão algum tem o direito de converger seu descontentamento ou protestar contra o governo. Portanto qualquer oposição é extinta. Ao povo é vetado o direito de manifestar-se, seja politica ou culturalmente. Não existe liberdade de expressão individual tampouco de imprensa. Descobri que neste país movido pela força do regime de capitalismo de Estado continua a vingar a pena de morte e a busca ávida por culpados quase sempre atropela qualquer investigação mais detalhada e transparente dos acusados. Cerca de 70% da força trabalhadora do país, de uma ou outra forma, está vinculada ao Estado, principalmente em fábricas e no contingente militar e policial. Sem surpresa, o país ostenta um índice de criminalidade relativamente baixo se comparado a outros países europeus. Minsk é além de limpa, segura. E assim aprendi que poucos aqui vivem o terror dos moradores das capitais brasileiras,quase sempre preocupados em se proteger de assaltos. Talvez porque aqui o desejo insaciável de ter e possuir a qualquer preço não esteja instilado no comportamento humano. Nestes dois anos em Minsk descobri que a Bielorrússia é recheada de contrastes. Aqui atletas medalistas dos Jogos Olímpicos de Inverno são recebidos como herois com carreata e cerimônia oficial enquanto a escritora e jornalista bielorrussa Svetlana Alexievich, vencedora do prêmio Nobel da Literatura 2015, é totalmente ignorada pelo seu país de origem. Suas obras aclamadas no cenário mundial de literatura sequer estão disponíveis nas livrarias de Minsk. A Bielorrússia parece uma construção antiga e sólida, embora de identidade ofuscada, com sua fundação baseada num regime de outros tempos, mas com a fachada que vai trocando de cor na tentativa de evolução.
Em certos aspectos o país aparenta ter estacionando no tempo, meio século atrás, vivendo uma economia falida com modelo industrial ultrapassado e obsoleto. Por outro lado, os bielorrussos são fieis às raízes camponesas do passado, eles têm uma afinidade incrível com a zona rural e tal contentamento humano traz serenidade e realização. São costumes simples, mantidos até hoje, como por exemplo curtir o verão na “datcha”, casinha de campo rudimentar, onde plantam frutas e verduras e que mais tarde viram conserva. Ou simplesmente ao aproveitar a estação mais quente do ano (e com certeza a mais esperada), fazendo piquenique campo afora e se refrescando nos balneários improvisados à beira dos milhares de lagos espalhados por todo país. Tradições despretensiosas que lembram meus tempos de infância quando passávamos os domingos no interior, na casa de meus avós.
é justamente este jeito simples de ser dos bielorrussos que despertou meu interesse desde o primeiro dia que chegamos aqui. à primeira vista o semblante taciturno da população afasta qualquer tipo de diálogo. é verdade que eles não sorriem, todavia, aprendi que por trás do olhar lânguido dos bielorrussos pode-se até encontrar romantismo! Descobri que eles adoram ofecerer flores às namoradas, esposas e familiares durante ocasiões especiais. Mas atenção ao buquê florido por aqui! Diz a lenda que somente número ímpar de flores devem ser ofertados ao vivo pois o número par é reservado para a morte, em funerais e arranjos no cemitério. Nesta convivência com os bielorrussos aprendi que a vida retoma um novo rumo a cada mudança de estação, tão marcantes em toda Europa. Do intenso verão recheado de atividades ao ar livre às cores profundas do outono, quando a natureza transforma o horizonte criando paisagens deslumbrantes em tons alaranjados e avermelhados. Foi um privilégio poder contemplar o esplendor do outono pelos parques de Minsk – um espetáculo divino e inspirador.
A longa espera pela primavera e verão é algo que jamais tinha vivido antes. São meses pardos, de inverno melancólico sobrevivendo temperatura negativa constante (até -25oC), vento gelado soprando e neve caindo sem parar. Muita neve!
Depois de dois invernos rigorosos na Bielorrússia estou preparada para enfrentar qualquer expedição ao polo norte! Jamais esquecerei Minsk revestida de branco, enlaçada pelo manto cintilante de neve. Jamais esquecerei as tardes de janeiro e fevereiro, geladas e incontestáveis, caminhando no parque, sem pressa e sem rumo. Foram meses infindáveis admirando o delicioso cenário lá fora recheado de flocos de neve caindo sem parar, feito borboletas de inverno salpicando no ar fagulhas de pura magia. E essa é provavelmente a imagem da capital bielorrussa que restará comigo para sempre … serena e encantadora! Até logo, Minsk … до свидания Минск!