Na última quinta-feira, chuvosa e gelada aqui na Inglaterra, mais de trinta milhões de britânicos foram às urnas para escolher o novo primeiro-ministro do país. O pleito foi anunciado no início de novembro, de maneira extraordinária, o terceiro nos últimos cinco anos.
O atual mandato do primeiro-ministro Boris Johnson duraria até 2022 mas a premissa de governar sem maioria no Parlamento o levou a convocar novas eleições em busca da conquista de maior número de parlamentares para assim passar novas leis e tirar o Reino Unido da UE. O pleito demonstrou, novamente, a força do eleitorado querendo a saída do Reino Unido da União Europeia.
Em junho de 2016 os britânicos escolheram o Brexit (saída) no referendo que marcou a história do país. A ruptura com o bloco europeu foi a opção escolhida por 52% dos eleitores na época. Foi um plebiscito cujo resultado chocou o mundo e que criou uma linha divisória na população e principalmente no parlamento britânico pois a maioria dos parlamentares não queria a saída.
Mais de três anos se passaram desde o referendo e o divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia se tornava praticamente impossível. E assim, o líder do movimento de saída em 2016, Boris Jonhson, e primeiro-ministro que substituiu a conservadora Theresa May em julho passado, conquistou a vitória que tanto pleiteava.
Sexta-feira 13 pode até simbolizar azar na crença popular mas para o conservador a sexta-feira anunciou uma maioria de 78 cadeiras no Parlamento e a convicção de que a saída do bloco europeu acontecerá até o dia 31 de janeiro do próximo ano. No entanto, as negociações de acordos comerciais perdurará por muitos meses, talvez anos. A novela política dos ingleses terá ainda muitos capítulos trepidantes pela frente.
A eleição para primeiro-ministro acarretou na derrota catastrófica do Partido Trabalhista, liderado por Jeremy Corbyn. E o resultado demonstrou que o eleitorado britânico se distancia cada vez mais da ideologia partidária. De maneira surpreendente candidatos conservadores venceram em distritos tidos como reduto dos trabalhistas. Nas regiões central e norte da Inglaterra, marcadas pela legenda industrialista e antigas minas de carvão, vários distritos ascenderam conservadores ao Parlamento. Em várias circunscrições o partido conservador marcou sua primeira vitória em décadas e inclusive século.
No berço da revolução industrial, no norte da Inglaterra, sempre existiu uma divisão partidária distinta, o famoso muro vermelho (cor representativa do Partido Trabalhista) delineando a história sociopolítica do país. Mas esse domínio ideológico parece ter sucumbido ao desejo destes mesmos eleitores de romper a união com o bloco europeu, anseando pela soberania do Reino Unido e bem longe da burocracia das leis europeias!
Na maioria dos distritos onde o voto pela saída foi majoritário o partido conservador venceu de maneira extraordinária. No País de Gales, eleitores trabalhistas desafiaram-se, votando pela primeira vez contra a própria legenda partidária, apoiando o rival que em sua proposta garante a saída da UE. O pleito de 2019 confirmou o resultado do referendo de 2016. Em Londres, por exemplo, a grande maioria dos distritos continuou fiel ao Partido Trabalhista.
No referendo mais de 60% dos eleitores londrinos votaram pela permanência. Na Escócia o partido nacionalista e que luta por um segundo referendo de independência, teve vitória maçiça nas urnas. Eles também não queriam a saída da UE. E assim abre-se um outro capítulo da história política do país – a possível ruptura do Reino Unido, formado pela Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte.
A vitória de Boris Johnson surpreendeu a mídia britânica, talvez da mesma forma como o resultado do referendo há três anos desafiou cientistas políticos a encontrar razões plausíveis para justificar o feito. Há 25 anos morando na Europa, com residência permanente na Inglaterra mas com a experiência de viver em outros países europeus, de maneira leiga eu arrisco a analisar o contexto político britânico atual.
Eu vejo um país que perde sua identidade em nome do desenvolvimento econômico acirrado. No entanto, eu vejo um país tolerante e acolhedor a outras culturas. Quem compara os eleitores britânicos que votaram pela saída da União Europeia a grupos de extrema direita e seculares provavelmente não compreendem suficientemente a cultura do país. Quase 15% da população do Reino Unido é composta de imigrantes e destes mais de quatro milhões são oriundos de países europeus. Nas escolas britânicas é normal escutar cinco, seis línguas quando as crianças estão brincando no recreio. Aliás na maioria das escolas em áreas de grande diversidade étnica se vê cartazes dando boas-vindas em diversas línguas.
As diferenças culturais aqui na Inglaterra são incorporadas no currículo escolar. Alunos da escola primária comemoram datas significativas de outras culturas, como o ano chinês, indiano, judeu, muçulmano e ortodoxo. A Inglaterra depende do trabalho de imigrantes. A Inglaterra depende do talento de jovens europeus que pra cá vêm estudar. A Inglaterra depende dos acordos comerciais com a União Europeia.
Como é a votação para primeiro-ministro no Reino Unido?
O sistema eleitoral britânico é bem diferente do Brasil. O voto é facultativo. O eleitor não vota no primeiro-ministro mas escolhe o candidato à deputado que representa o seu distrito local. Ou seja, eu só posso votar nos candidatos inscritos na minha circunscrição, geralmente um representante de cada partido. E assim cada distrito garante um representante num total de 650 cadeiras no Parlamento.
Independente do número total de votos, o partido que conseguir a maioria parlamentar obtendo o maior número de cadeiras, ou seja o cobiçado número de 326 deputados, vence as eleições. O líder do partido, que tem que ter assegurado vitória no seu próprio distrito eleitoral, apresenta-se a Rainha como primeiro-ministro para formar o novo governo.
Na eleição desta semana Boris Johnson foi aclamado primeiro-ministro com uma maioria de 364 cadeiras de parlamentares conservadores. A maior vitória do partido desde 1987, na era de Thatcher. Tradicionalmente as eleições se realizam numa quinta-feira. Acredita-se que nos séculos passados sexta-feira era o dia de pagamento e assim na quinta trabalhadores não teriam muito dinheiro para se embebedar e votavam lúcidos!
O dia da eleição não é feriado e as urnas ficam abertas das 7 da manhã às 10 da noite quando o sino do Big Ben toca uma badalada especial indicando o fechamento das urnas. O voto não é eletrônico e as cédulas são preenchidas a lápis. Os votos são contados em centros regionais. Na última quinta-feira eu fui exercer o meu direito civil. Aqui ninguém precisa de título de eleitor. Basta se cadastrar online e comparecer à mesa eleitoral e confirmar seu endereço, sem identidade alguma! Com o voto não obrigatório a participação raramente passa de 70% do total de eleitores.