Desde a invasão da Rússia à Ucrânia em fevereiro de 2022, os holofotes da mídia internacional apontam-se para a região nordeste da Europa. Banhadas pelo mar Báltico, as três pequenas repúblicas que faziam parte da União Soviética – Lituânia, Letônia e Estônia – se transformaram em ponto estratégico da defesa do velho continente, ao lado da Finlândia. Os quatro países fazem fronteira com a Rússia e temem um possível ataque do país vizinho.
Para entender este temor geopolítico é preciso voltar no tempo, revirar alguns capítulos da história europeia, desconhecida por muitos brasileiros. A existência e história das três nações debruçadas no mar gelado Báltico remontam ao tempo pagão, bem antes de o Brasil ser descoberto. No entanto são também jovens repúblicas que faziam parte da União Soviética, independentes há apenas três décadas e minúsculas em extensão e população se comparadas ao território brasileiro. A maior, Lituânia, conta com pouco menos de 3 milhões de habitantes, seguida da Letônia com 1,8 milhão e a pequena Estônia com população em torno de 1,3 milhão.
A Lituânia existe desde 1009, uniu-se à Polônia em 1378 e expandiu-se pela Europa central até o século XVIII. Já a Letônia e Estônia prosperaram durante a Idade Medieval com suas capitais satélites da Liga Hanseática sob o comando da Ordem Teutônica. Em 1798 as três nações bálticas foram dominadas pelos vizinhos e passaram a fazer parte do Império Russo, do qual só viriam a libertar-se em 1918, no final da Primeira Guerra Mundial. A independência foi efêmera, até ao final da Segunda Guerra Mundial e depois disso viveram décadas sob o regime opressor e comunista da URSS, até a independência em 1990.
A potência da máquina de desinformação do Kremlin e passado dominante da Rússia aliado aos mil quilômetros de fronteira com os vizinhos trazem inquietação à população báltica. E com razão. Nos últimos dez anos conhecemos de perto a história desta região, morando em Minsk, Vilnius e atualmente em Riga. Inicialmente, durante dois anos e meio vivemos na Bielorrússia, país fronteiriço da Lituânia e aliado da Rússia. Ali presenciamos de perto a dor de um povo oprimido, uma nação sem liberdade de expressão e com cárceres superlotados de prisioneiros políticos. Neste país que reverencia a Rússia como pátria mãe, pouco parece ter mudado desde o tempo da perseguição stalinista.
Desde o início da invasão russa à Ucrânia, lituanos, letões e estonianos demonstram apoio incondicional aos ucranianos. A região em torno das sedes das embaixadas russas nas capitais bálticas se transformaram em palco de demonstrações silenciosas com cartazes contra a guerra e em quase todas as cidades as bandeiras da Ucrânia tremulam em prédios do governo, ônibus, escolas e monumentos. Logo que nos mudamos de Vilnius para Riga percebemos uma grande diferença cultural entre as duas capitais. Na Letônia cerca de 30% da população fala russo e a cultura do país vizinho predomina na capital e, principalmente, na região de Latgale, no leste do país.
Daugavpils é um dos principais centros da região e segunda maior cidade da Letônia, situada a 25km da fronteira com a Bielorrússia e a 120 km da Rússia, tendo o russo como língua predominante. Esse fato preocupa o governo letão pois acreditam que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, possa tentar “resgatar” os russos étnicos da região, um dos pretextos usados para invadir a região ucraniana de Donbass, perto da fronteira com a Rússia. E por isso o governo letão proibiu a transmissão no país de canais de televisão russos controlados pelo Kremlin. A Letônia também pôs fim à alfabetização em russo e destruiu monumentos que restaram da era soviética. Um teste básico da língua letã se tornou obrigatórios aos estrangeiros em busca de residência permanente no país. Além disso, o país fechou suas fronteiras com o vizinho agressor e limitou drasticamente o número de vistos para cidadãos russos. São decisões que visam acalmar a população mas que na verdade podem alienar grupos étnicos, empurrando-os aos braços do presidente vizinho.