Uma nação fragmentada: 52% de um lado, 48% do outro… Ontem pela manhã os britânicos acordaram num país dividido. Uma nação despedaçada em duas metades. Uma que queria a permanência na União Europeia e outra que decidiu pela saída da União Europeia (UE). Tal decisão marcará a história do Reino Unido bem como do resto da Europa. O resultado do referendo deixou a população atônita pois poucos acreditavam na vitória da campanha Brexit (saída). O céu azul de início verão transformou-se numa nuvem trepidante, carregada de incertezas para milhões e esperança para outros tantos que haviam votado pela ruptura com o bloco europeu. Mais de 33 milhões de eleitores compareceram às urnas. Para recapitular um pouco a história do Reino Unido na União Europeia, em 1975 os britânicos votaram em plebiscito pela permanência na então chamada Comunidade Econômica Europeia (CEE) fundada em 1957 pela Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e Alemanha Ocidental. Desde então o Reino Unido sempre exerceu papel importante dentro da União Europeia como um dos principais Estados contribuintes com a segunda maior economia do bloco. O Reino Unido esteve à frente do alargamento da UE incentivando a entrada de países do leste europeu e atualmente trabalha intensamente pela adesão dos países da região dos balcãs (Montenegro, Sérvia, Macedonia, entre outros). O país, no entanto, optou por ficar fora da zona Euro, assim como não fazia parte do acordo de Schengen que estabelece uma zona de visto único com livre movimentação dentro da União Europeia para cidadãos fora do bloco. Na verdade, os britânicos nunca se sentiram “europeus”. Eles raramente abraçaram a bandeira europeia como os demais países da UE. E nunca se deslumbraram com o parlamento europeu. Seguidamente a imprensa britânica publicava reportagens sobre a influência negativa no mercado local de regulamentações demasiadas decididas em Bruxelas, tirando assim a soberania do próprio país. Sem falar no descontentamento da população no tema imigração, com o recente aumento acelerado de imigrantes europeus que buscam no Reino Unido uma vida melhor. Talvez pelo fato de viverem numa ilha eles referem-se ao resto da Europa como continente ainda que, geograficamente, façam parte dele. E talvez por isso, por esta falta de afinidade com a burocracia europeia, os britânicos votaram pela saída.
O plebiscito marca um novo capítulo da política britânica pois demonstrou distanciamento dos principais partidos (esquerda ou direita) no Reino Unido com os eleitores. Embora unidos em torno da campanha da permanência na UE os políticos não conseguiram convencer o povo. Comentei em outro post sobre o referendo e para aqueles que moram na Inglaterra há mais tempo, como eu, o plebiscito parecia fabricado já que não respondia ao anseio da população. Os britânicos não foram às ruas protestar clamando pela saída da União Europeia mas responderam de maneira surpreendente e que no final chocou a eles mesmos. Morando aqui há 22 anos, nunca senti o povo britânico lutando pela saída do bloco europeu. O referendo foi uma manobra política planejada pelo partido conservador que assim conseguiu contentar boa parte de sua própria bancada partidária que não simpatizava com a União Europeia ao mesmo tempo que abafou o crescimento acelerado de partidos nacionalistas, como UKip, e que se apresentavam totalmente contra a permanência na UE. Todavia, a estratégia não deu certo, pois o povo optou pela saída, e ainda tirou o mandato do primeiro-ministro conservador, David Cameron.Um fato interessante é que a votação pela permanência ficou mais concentrada em grandes cidades inglesas, como a capital Londres (60%), Liverpool e Manchester, além da Escócia (62%) eIrlanda do Norte. Já no País de Gales e em cidades menores do nordeste da Inglaterra, principalmente, o voto pela saída foi majoritário.O referendo mostrou uma divisão clara entre gerações. A maioria dos eleitores jovens, até 25 anos, (72%) votou pela permanência na UE enquanto a geração mais velha optou pela saída.
Estamos fora da União Europeia, e agora?
Depois de responder à questão sobre a permanência ou não na União Europeia na quinta-feira, 23 junho, os britânicos acordaram na sexta-feira se perguntando outra questão: e agora, estamos fora? Jornais, programas televisivos e na rádio tentavam entender o novo cenário político na tentativa de explicar à população.Em vão! Pois ninguém sabe realmente o que vai acontecer e se haveráconsequências imediatas. O certo é que com a demissão do atual primeiro-ministro o próximo passo no contexto político será a escolha de um novo líder conservador em outubro e quem iniciará a solicitação oficial de desmembramento da União Europeia de acordo com o Artigo 50 do Tratado de Lisboa. A partir dai o Reino Unido entrará num longo processo de negociação com os países membros da UE para renegociar todos acordos comerciais. O processo de desmembramento pode levar até dois anos! Mesmo sendo um período de grande especulação, a curto prazo eu acredito que não teremos mudanças drásticas. Os cidadãos europeus residentes no Reino Unido, por exemplo, continuarão a ter o direito de viver e trabalhar no país, como antes. Assim como os britânicos continuarão nas próximas semanas a viajar livremente pelo continente europeu. As férias de verão, pelo menos, estão garantidas! A mudança será para aqueles que vierem ao Reino Unido no futuro, depois da saída, pois provavelmente entrará em vigor um sistema de visto por pontos para os europeus, baseado no modelo australiano. No lado financeiro resta torcer para que o impacto na economia britânica não seja tão profundo quanto a projeção de economistas antes do referendo. Para nós, a vida continua, dentro ou fora da União Europeia!