Considerada uma das maiores escritoras de romance policial, Agatha Christie (1890 – 1976) criou obras que marcaram muitas gerações com a publicação de mais de 80 livros, traduzidos mundo afora e adaptados ao cinema e televisão. Suas histórias de suspense e mistério continuam a conquistar um público variado até hoje. Nascida na cidade de Torquay, no condado de Devon, sudoeste da Inglaterra, a Rainha do Crime teria completado 126 anos no dia 15 de setembro último.
Durante os 85 anos de vida, Agatha Christie foi sempre fiel à região natal e em muitas de suas tramas descreve sutilmente a paisagem verdejante dos campos e colinas de Devon. Embora a casa onde nasceu tenha sido destruída, não muito distante de Torquay, no vilarejo de Galmpton, encontra-se Greenway House, a mansão de veraneio da escritora, às margens do Rio Dart e onde ela passou boa parte de sua vida. Durante nossas férias com a família na costa sudoeste da Inglaterra fomos conhecer a majestosa residência que desde 2009 está aberta à visitação. Ao chegar no pequeno pórtico de acesso não se tem ideia do esplendor que se esconde atrás dos bosques maciços, contornando o caminho de entrada. Nesta tarde ensolarada de verão as folhas viçosas vão revelando canteiros floridos com a água cintilante do Rio Dart como pano de fundo.
Vamos caminhando em direção à mansão, saboreando a brisa suave e perfumada, imaginando Agatha Christie décadas atrás divagando por este mesmo jardim, contemplando a paisagem maravilhosa. Iluminada pelo sol refletindo na água e vista espetacular dos barquinhos no rio, a arquitetura georgiana de Greenway é simplesmente deslumbrante.
E o espetáculo só aumenta ao visitar os aposentos do casarão. Vamos seguindo as pistas que nos levam à vida privada da romancista. E quanto detalhe! Já no hall de entrada a variedade de objetos e obras de arte aguçam a curiosidade de qualquer fã! Em sua autobiografia, Agatha Christie conta que quando era criança adorava brincar de bonecas, com a imaginação solta transformava-as em personagens, criando pequenas estórias. As bonecas com rosto de porcelana e outros brinquedos que inspiraram a infância da escritora estão espalhados por toda casa, inclusive o quadro à óleo com sua boneca preferida e que inspirou uma de suas obras. A decoração interior é simples mas autêntica. A impressão é que a família esteja ainda vivendo ali, com a mobília imperfeita, porta-retratos antigos, coleções de porcelana, artigos pessoais, livros e tantos objetos adquiridos durante viagens ao Medio Oriente com o segundo marido, arqueólogo Max Mallowan (1904 – 1978).
Agatha Christie foi alfabetizada em casa pela mãe e governantas e mais tarde estudou farmacologia (a paixão por química com certeza inspirou as poções venenosas e desfechos nefastos de suas tramas). Desde criança tocava piano com grande talento, mas devido à timidez e nervosismo não gostava de apresentações ao público. Na sala de estar da mansão, seu piano ocupa posição de destaque e pode inclusive ser usado pelos visitantes pianistas ou até mesmo por aqueles desprovidos de qualquer talento musical, como eu, que não contive a vontade de tocar nas teclas de Agatha Christie!
Mais adiante na biblioteca, cômodo preferido da escritora, uma pintura enorme de friso, realizada pelo tenente americano Marshall Lee retrata a trajetória da Flotilha 10 da guarda costeira americana. Durante a Segunda Guerra Mundial a mansão foi requisitada pelos americanos devido a sua posição geográfica. Agatha Christie decidiu manter a magnífica pintura nas paredes da residência depois do final da Guerra quando a mansão foi devolvida à família.
Tanto a mansão quanto os vastos jardins de Greenway incitaram a mente perspicaz da escritora a continuar produzindo narrativas de suspense involvendo o famoso detetive Hercule Poirot e a intrigante Miss Marple. Pelo menos três obras foram ambientadas na paisagem em torno da mansão: Os Cinco Porquinhos (1942), Hora Zero (1944) e Jogo Macabro (1956). No andar superior da casa, uma pequena caixa com tubos de ensaio e um baú iraquiano fazem parte da decoração do escritório onde se encontra a máquina de datilografar da romancista, deixandro rastros evidentes de sua fonte de inspiração aos livros O Mistério do Baú de Bagdá (1939) e A Aventura do Pudim de Natal (1960).
Visitar a mansão de Greenway é uma experiência única e enriquecedora, mesmo àqueles que nunca leram a obra de Agatha Christie, pois trata-se de história viva e enigmática, seguindo os vestígios deixados pela Rainha do Crime.
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