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Um dia no campo, vivenciando um dos esportes mais tradicionais da Grã-Bretanha rural: a caça. Foi assim, em meio a este clube exclusivo degentlemen britânicosque conheci um pouco desta prática tão associada à cultura do campo.
A Grã-Bretanha apresenta um histórico genético e cultural com a caça. Há mais de dois séculos a classe privilegiada incluindo ai a nobreza aristocrática pratica o tradicional esporte no campo. Para alguns, um passatempo sangrento, para outros , um modo de vida. Caçar aqui na Inglaterra está bem longe da noção simples de pegar a espingarda e sair mato a dentro atirando. Caçar aqui significa seguir protocolos de etiqueta, e manter viva a tradição de séculos. Pois nesta semana tive o privilégio de acompanhar um grupo de cavalheiros britânicos no primeiro dia de caça da temporada aqui na região, a convite do gentleman Evan Bazzard.
A caça de faisão e perdiz é permitida em todo país a partir de outubro até janeiro. Pra quem pouco conhecia o esporte como eu, a expedição foi simplesmente fascinante. Fascinante pelo ritual e tradição. Fascinante pelos detalhes e excentricidade inerente à vida no campo dos fazendeiros ingleses. O grupo de nove caçadores se reuniu pela 9 horas da manhã em frente à cabana de caça, no meio de um vale nas terras do Sr. Bazzard, líder da expedição. A preparação para os dias de caça, no entanto, já havia começado meses atrás, bem antes de a temporada iniciar, com a reprodução de milhares de aves na fazenda. Este trabalho é desenvolvido durante o ano todo por dois trabalhadores da fazenda (em inglês, game keepers), responsáveis pela criação das aves.
A brisa leve de outono nesta manhã cinzenta de outubro prometia um dia de temperatura agrádavel e todos pareciam satisfeitos pelo fato de não estar chovendo. Enquanto o grupo batia papo à espera de outros membros, eu observava, de fora, aquele mundo diferente e distante do meu. A paisagem que foi cenário do filme de 1985 O Declínio dos Anos Dourados (Shooting Party, em inglês), traduzia a vivacidade dos campos imensos contornados por plantações e arvoredos. A impressão era de estar assistindo a uma cena de filme de época, neste clube de elegantes cavalheiros britânicos.
Percebi logo que a ocasião era muito mais que um passatempo, é na verdade um evento social com traje específico e seguido a rigor pelos participantes, vestindo jaquetas de tweed, terno e gravata. Tudo como manda o figurino, como manda a tradição, para este tipo de ocasião. Do outro lado do vale, uma caravana de ajudantes, em sua maioria donas-de-casa aposentadas, esposas de agricultores da região, caminhavam em meio à plantação de milho em direção ao bosques repletos de faisões. Munidos de gravetos e bandeiras brancas, eles iam afugentando as aves em direção dos atiradores. Enquanto nos deslocávamos à linha de fogo, a paisagem recortada pelas colinas da região do Chilterns preenchia o horizonte como numa pintura de aquarela. Resquícios dos tons alaranjados de outono tingiam levemente o céu cinzento de outono.
E lá estavam eles, alinhados como num batalhão de guerra, os caçadores e seus auxiliares atiradores, no meio do verde permeado pelo silêncio do vale. Em poucos minutos, ao toque do clarim, as espingardas iniciariam o queima fogo agredindo a tranquilidade do campo.
Com o semblante eufórico em meio à fumaça da munição, os cavalheiros britânicos celebravam um dos esportes mais tradicionais da Inglaterra. A cada estopim um faisão debruçado no campo e a satisfação do alvo certeiro do nobre caçador. A primeira das cinco sessões do dia terminou com 100 faisões abatidos, espalhados pelo bosque e rapidamente recolhidos pelos cães de caça, especialmente treinados para tal.
Um dia de caça à moda inglesa não deixa de ser uma imersão na história britânica que faz da Grã Bretanha este poço de riqueza cultural. Estes cavalheiros, simpáticos e gentis, muitos com seus 70 e poucos anos, mantêm viva a história de outrora. A maioria tem raízes no campo e participa das caçadas desde jovem, seguindo as regras de séculos passados. Se antigamente o homem caçava para viver garantindo a mesa farta, hoje em dia na Inglaterra a técnica continua sendo repassada de geração para geração mas como um modo de vida e passatempo.
Asabatidas sãoprocessadas e comercializadas no mercado local. O espírito de camaradagem no grupo é evidente. Entre um aperitivo e outro (Gin é o mais tradicional!), a caçada vai produzindo risadas e contos de outros tempos. O dia culmina com um banquete alegre, incluindo no cardápio faisão e outras delícias britânicas, e claro regado a muito vinho e champanhe! E assim termina meu dia de caça, um retrato implacável da nobreza britânica, nesta simples choupana decorada por animais empalhados e móveis rústicos.
