No fim de semana, Venâncio Aires estava movimentada. Parecia dia de festa ou seria de carreata? Dezenas de carros trafegavam a 10 km/h ou nem isso, para ver o próximo, o outro, o conhecido e o desconhecido. Alguns de chimarrão na mão e guarda-chuva na outra. Muitos com máquinas fotográficas. Todos queriam registrar, como a imprensa.
é incrível como uma enxurrada, enchente, desastre natural comove uma cidade e suas pessoas. Mexe com as emoções, com os limites, com a paciência e com a curiosidade.
A chuva não deu trégua no domingo e nem por isso atrapalhou o passeio com a família pelas ruas da cidade. As mesmas que na madrugada estavam debaixo d’água. O cenário? Famílias consternadas, casas repletas de lama, móveis enxarcados, alguns com perda total. Como na casa da aposentada Dona Lúcia, que tinha acabado de comprar um guarda-roupa novinho e viu a água tomar os cômodos, sem poder fazer nada.
Em outro ponto, enquanto um ‘cara’ passeava no domingo à tarde em seu carro com o som ensurdecedor tocando o último hit do momento, outra jovem ainda olhava abalada para sua casa, sem acreditar em tudo que tinha acontecido. Os olhos vermelhos estavam repletos de lágrimas que temiam cair para não mostrar aos visitantes a tristeza de quem teve uma madrugada de terror.
– Uma hora achei que não iria aguentar. Tive vontade de deixar a água me levar com ela , disse ela.
O que se viu é que todo mundo queria ver o inusitado. Mas quantos queriam ajudar? Quantos prestaram sua solidariedade? Quantos uniram suas ideias e soluções? Quantos desceram dos seus carros – alguns até importados – e auxiliaram a retirada da lama? Quem levou um pouco de esperança àquelas pessoas?
De todas as quadras que passei, de tantas pessoas que vi e ouvi, tive a sorte, ao lado do meu colega Guilherme, de presenciar uma família parando em frente a uma casa e perguntando a outra família se precisavam de ajuda. Coisa rara. Mas afinal, o que é solidariedade? Não estou discutindo direitos e deveres, nem a função do poder público, mas o papel do ser humano.
Solidariedade é ver pais, alunos e professores se doando um domingo inteiro para reconstruir uma escola depois de mais uma enxurrada de sua história. Solidariedade é o que fez a empresa Venax, que não pensou apenas nos prejuízos materiais, mas acionou a sirene de emergência e ajudou centenas de famílias a acordar na madrugada e salvar seus pertences.
Eu estava lá também. Como repórter e sim, curiosa (característica própria da profissão). E, também, com uma missão: ouvir pessoas, descrever angústias, demandas e preocupações. Eles queriam ajuda e socorro, uma explicação não apenas técnica, mas para seus corações, depois de verem toda aquela água invadir suas casas tão rápida e silenciosamente.
Enquanto isso, outros tratavam estes bairros como se fizessem parte de uma outra cidade, um polo-turístico. Cidade que até tem nome e sobrenome: CIDADE BAIXA.
Cidade que tem pobres e ricos, casas e empresas, humanos e animais, brancos e pretos. Que tem perda e choro. Cidade que escolheram para morar – muitos sabendo do risco, outros por que era a opção que o bolso podia pagar. Uma cidade que busca soluções, um abraço apertado, um braço estendido. Cidade que ainda tem esperança de que esta foi a última vez que isso aconteceu. Esperança que foi acalentada outras vezes, mas sabe-se que vai acontecer novamente, a cada ano. Mas que não seja de surpresa!