Já vai muito longe o tempo em que eu cursava o Científico no Colégio Mauá em Santa Cruz do Sul. O jornal Zero Hora estava nos seus primeiros anos de vida, e eu o adquiria diariamente na banca da rodoviária. Gostava do seu formato tabloide, da diagramação moderna, dos textos enxutos, tudo bem diferente do vetusto e conceituado Correio do Povo. Meus colegas de Venâncio nas viagens diárias me gozavam por preferir um diário que, segundo eles, verteria sangue se fosse espremido. Porém, eles mesmos disputavam o meu exemplar durante a meia hora que durava o meu trajeto até desembarcar em casa no meio do caminho até Venâncio.

Havia na ZH da época uma seção chamada “Programinha” que versava sobre bares, cafés, restaurantes e festas em Porto Alegre. Era a minha preferida, embora eu tivesse chance de zero por cento em frequentar aqueles lugares. O que me atraía era o texto. O autor, cujo nome nunca aparecia, descrevia comidas, drinques e diversão de uma forma totalmente original, com criatividade, humor, e uma ironia fina que podia significar tanto um elogio como uma crítica.

Eu era considerado um bom aluno em português, tirava nota máxima nas redações, escrevia dento das rígidas regras gramaticais vigentes, onde qualquer atrevimento de estilo ou palavra fora dos padrões era inaceitável. Então, as redações eram corretas, mas, digamos assim, insossas. Chatas. Aliás, hoje em dia as normas para redação do Enem e dos vestibulares, eu as acho ainda mais caretas (olha aí uma palavra proibida); não é permitida criatividade nenhuma, e ainda recomendam usar palavras como outrossim, todavia, por conseguinte, contudo, porquanto e ademais. E o aluno tem que seguir aquela sequência imutável: introdução do assunto, desenvolvimento, sugerir uma solução e concluir. Qualquer arroubo criativo, mesmo dentro das regras gramaticais, tem que ser contido. Se fizesse o vestibular hoje, eu tiraria zero na redação.

Mas o talentoso autor do Programinha parece que angariou muitos fãs além de mim. Logo ganhou uma coluna própria na ZH e seu nome finalmente apareceu: Luís Fernando Verissimo. Nascia ali um dos mais promissores autores não convencionais do Brasil, aquele que revolucionou a crônica, engrandeceu os contos e provou que humor e ironia também são excelente literatura quando produzidos com inteligência e sutileza.

Passei a minha vida toda lendo Verissimo e me inspirando nele. Não fosse essa admiração por seu estilo, é certo que eu não existiria como cronista de jornal. Para os que apreciam os meus escritos, ele é minha inspiração; para os que não gostam, ele é o culpado. LFV vendeu mais de cinco milhões de livros, escreveu para os principais jornais do país, foi redator de vários programas da televisão no tempo em que o humor tinha qualidade. Agora mesmo estou (re)lendo umas trezentas crônicas do compêndio “Verissimo Antológico” que ganhei no dia dos pais.

Aos 88 anos, ele nos deixou há uma semana. Certa vez, perguntado sobre o medo de morrer, respondeu, fiel ao seu estilo:

“Não tenho medo da morte, mas espero que ela seja a última coisa que me aconteça.”

E sobre a vida após a morte?

“Acho que não existe, mas espero ter uma boa surpresa…”

Amém!