Não há boneco sem braço nem bola murcha que o vô Paulo não dê jeito. Tem alienígena com parafuso no braço, soldado com Durepoxi nos pés e aparelhos fixados com fita isolante espalhados pela casa. Perdi as contas de quantas vezes Bruno foi à Taquari, onde moram os avós, com a sacolinha cheia de bonecos para o vô consertar. Mesmo para as arrumações impossíveis, ele sempre deu um jeito.
Mas os interesses mudaram, e meu menino grande agora vive chutando uma bola, na parede, na sala, na rua. E é aí que está o problema. Temos um bom gramado no pátio, mas também há cactus malvados espalhados por lá. Um chute, dois chutes, três chutes, as duas mãos na cabeça.
– Ah, não!!!! De novo!!!!
Mais uma bola vai se esvaziando aos poucos, e fica murcha, tão murcha a ponto de estragar o jogo. Voltam os atletas, cabisbaixos, para dentro de casa. A cada semana, a coleção de bolas murchas aumentava. Até as mais novas já estavam inutilizadas. Mas foi aí que o vô apareceu lá em casa.
– Eu queria tanto jogar bola, mas estão todas murchas.
– Como assim, Bruno?
– Olha, vô, toda vez que jogamos, sem querer alguém chuta no cactus. A mãe até me deu mais uma bola nova, mas furou em poucos dias.
Ao ver a pilha de objetos murchos, num ímpeto saudosista, o vô imediatamente se lembrou de sua infância, e, sem pensar nas consequências, comentou:
– Quando eu era pequeno, aprendi a consertar bolas de futebol.
Na mesma hora, os olhinhos do Bruno brilharam:
– Você sabe consertar?
Sobrou para o vô uma sacola cheia de bolas para levar para casa e consertar.
Sem ter noção do quanto isso seria trabalhoso, na semana seguinte, Bruno contava os dias para ir à Taquari resgatar as protagonistas de sua nova brincadeira favorita. Mal chegamos com o carro e o menino saltou em direção ao avô:
– Vô, vô, vô.
– O que foi, Bruno?
– Consertou as bolas, vamos jogar?
Obviamente, o vô já estava com algumas a postos, mas ele queria mais, achou que todas estariam prontas.
– Não, Bruno, tem que ter calma, o vô está fazendo. Quer me ajudar numa?
Convite irrecusável, lá foram os dois, descosturar uma bola, encher a câmera, colocar dentro d’água, marcar os furos, colocar remendos, esvaziar novamente, recolocar a câmera dentro da bola, costurar o gomo desmanchado e voltar a encher.
– Uau! E não é que o vô conserta tudo mesmo!
Meu menino descobriu que nem toda solução é colocar fora e comprar uma nova. Viemos de uma infância em que os brinquedos não eram tantos e a qualidade era infinitamente maior do que a da grande maioria do que se vende hoje. Então, aprendemos a dar valor ao que se tinha, a consertar quando as coisas estragavam, a dar uma segunda chance.
Hoje, acabamos susbstituindo com muita facilidade os brinquedos, já perdi as contas de quantos carrinhos e bonecos temos lá em casa, tudo é fácil, acessível. Quebrou, lixo.
Sei que devemos dar espaço ao novo, largar coisas que atrapalham nosso crescimento, mas penso que passamos do ponto. Se quebrou, vai pro lixo, se rasgou, furou ou manchou, não há razão para guardar. O mercado está cheio de brinquedos feitos para não durarem. Produzidos em série, lá na Conchinchina, e trazidos para nossas mãos. Alguns já se quebram ao serem tirados das caixas. Mas não há problema, afinal de contas, se estragar, tem outros tantos.
Sou a favor do desapego, sei que é importante saber a hora de doar um brinquedo, uma roupa, algo que já não se usa mais, mas não gosto da facilidade com que as coisas perdem seu valor. Acredito que um comportamento se aplique a outras questões na vida da gente. Coisas são coisas, pessoas são pessoas. Mas saber reaproveitar, reutilizar, consertar, é um comportamento, no mínimo, econômico e sustentável, que deveria se aplicar também às relações.
Hoje, quando há uma briga, separa, quando há uma discussão, vai cada um para um lado, depreciando o que antes funcionava bem junto. Não se tenta mais consertar, dar uma segunda chance, amadurecer uma relação, de amor, de amizade, de parceria.
Obrigada, vô Paulo, por trazer de forma tão lúdica e amorosa para seus netos um valor que há tempos vem se perdendo. O que é importante e nos faz bem, sempre tem conserto. é só querer.
E não há brinquedo nem frustração que um avô não possa ajudar a consertar, com habilidades que fomos perdendo com o tempo, mas com o mesmo amor e carinho que ainda somos capazes de nutrir. Que continue nutrindo seus netos por muitos anos dessas coisas que só os avôs sabem fazer.