Se você digitar ‘Miss Canadá’ no Google, imediatamente o buscador irá sugerir como complemento a palavra ‘gorda’. Certamente essa não é uma opinião pessoal do site. A palavra-chave surgiu ali após milhares e milhares de buscas, relacionando a candidata a um padrão de beleza (ou a falta dele) esperado para uma miss.

Escolhida entre o top 9 da competição, Siera Bearchell foi alvo de muitas críticas. Na transmissão da Band, por exemplo, os apresentadores Cássio Reis e Renata Fan, além do estilista Raphael Mendonça, repetiram inúmeras vezes que a jovem ‘não possuía corpo de miss’, estava ‘acima do peso’, e não exibia a ‘barriga tanquinho’ que uma miss deve ostentar.
Nas redes sociais, enquanto alguns criticavam a postura dos apresentadores, outros defendiam que o Miss Universo é um concurso, e por isso exige um determinado padrão corporal.
Melhor a @BandTV dar uma segurada no veneno do Cassio Reis e do estilista X pra tá ficando feio
— Kaks (@KaksBeraldo) January 30, 2017
@CassioReis @rraphamendonca Opinião a gente respeita; preconceito a gente combate.
— MARCONNA (@MaaaarcosR) January 30, 2017
A miss Canadá sofreu com comentários absurdos de que seria gorda demais. Merece estar ali por ser linda.
— Gabriela (@gabirobot) January 30, 2017
Eu ainda não me conformo com a elimimacao da Raissa, mas chamarem a Miss Canadá de gorda não dá, ne gente?! #MissUniverse #Brazil #Canada
— Iara Neves (@inhaneves) January 30, 2017
Miss Canadá é bonita sim mas é gorda, nem vem! Tem q se preparar pro concurso igual as outras…
— lari (@larissasilven) January 30, 2017
gente sobre a miss canadá ELA NãO TAVA GORDA mas o MISS UNIVERSO tem REQUISITOS e ela tava fora, pronto. isso não a torna mais feia ou pior
— baudelaire (@anvluiza) January 30, 2017
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é claro que não estamos aqui para dizer quem está certo ou quem está errado. O objetivo, é muito mais propor uma reflexão sobre o assunto:
Em primeiro lugar, o concurso trouxe como co-apresentadora a estonteante Ashley Graham. A modelo plus size, conhecida por inúmeras campanhas, capas de revista e participações em videoclipe, esteve linda, plena e segura durante toda a sua participação. Enquanto as misses desfilavam todo o seu ‘porte de miss’, ‘fala de miss’, ‘plasticidade de miss’, Ashley era um sopro de naturalidade e leveza a adentrar em nossas televisões.

Mais de uma vez, pareceu que seria aquela mulher linda e empoderada que poderia ser escolhida para nos representar.
#MissUniverse host Ashley Graham talks about her experience in the Philippines, the first Asian country she visited @gmanews pic.twitter.com/v2QtQOPxhW
— Bianca Rose Dabu (@biancadabu) January 29, 2017
>> Nesta entrevista, durante a chegada ao concurso, Ashley fala sobre sua visita às Filipinas, o primeiro país asiático em que esteve.
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Em segundo lugar, o mundo está mudando (viva!). Combatemos o racismo, a homofobia, o sexismo… será que não está na hora de combatermos o ‘corpo de miss’? Siera Bearchell é mais magra do que muitas de nós, mulheres, sonharemos em ser um dia na vida. E ainda assim, está ‘gorda’.
E mesmo que esteja. Precisamos mesmo alimentar um discurso de ódio contra ela? Será que não deveríamos aplaudi-la pela coragem de enfrentar a passarela mais temida do mundo, sabendo que suas concorrentes estariam muito mais fisicamente preparadas para o que a competição exige? Será que não deveríamos agradecer Siera por desfilar com coxas grossas e alguns pneuzinhos na barriga?
Em um mundo em que tantas mulheres odeiam o seu corpo, e sofrem com distúrbios alimentares, nós queremos, mesmo, dizer que a Miss Canadá não poderia estar entre o top nove do concurso?
Em seu Instagram, antes mesmo deste domingo, a Miss Canadá falou sobre o assunto:
“é preciso disciplina para “ter o corpo de uma Miss Universo”. Também é preciso disciplina para ser aceito na Faculdade de Direito. é preciso disciplina para correr uma maratona. é preciso disciplina para ser fiel a nós mesmos em um mundo que está constantemente tentando moldar-nos em algo que não somos. As pessoas me perguntaram se eu mudei meu corpo para provar um ponto. Não. Nossas vidas estão em constante mudança. Assim como nossos corpos. Para ser sincera, eu comia quase nada em concursos anteriores e mesmo assim não me sentia bem o suficiente. Não importa o quão pouco eu comia e quanto peso eu perdia, eu constantemente me comparava com as outras e sentia que podia perder mais. Minha percepção não combinava com o corpo que eu via no espelho. Havia dias em que eu comia uma barra de proteína, treinava por horas e lutava para dormir porque estava com muita fome. Meu corpo não é naturalmente magro e está tudo bem. Eu sou saudável. Eu estou em boa forma. Eu estou confiante. Eu sou eu. Esta é quem eu sou agora e eu estou bem. Mulheres, lembrem-se que a verdadeira beleza vem de dentro.”
Durante a exibição do concurso, a Miss Canadá concedeu entrevista à Ashley Graham, e comentou os ataques sofridos por ela nas redes sociais:
Você tem que descobrir o que você ama em você, e não o que podemos mudar em nós mesmas”, disse.
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Talvez, muitos de nós não entendam absolutamente nada de concurso de miss, mas certamente entendemos a dificuldade que é aceitar o próprio corpo com todas as imperfeições que temos nele.
Como brasileiros, gostaríamos que a Raíssa tivesse vencido. Achamos a Miss França lindíssima. Ficamos emocionados ao ver uma Miss Quênia e uma Miss Haiti entre as finalistas. E se a Miss Canadá tivesse vencido, com certeza ela seria, com todos os seus ‘quilinhos a mais’, uma linda modelo para todas as mulheres.
Porque afinal, em um concurso com a visibilidade do Miss Universo, o que devemos celebrar, mesmo, é a diversidade, com uma beleza natural e espontânea, que venha de dentro e de fora. E para isso, não há nacionalidade, nem padrão de corpo.