Eu sou uma venâncio-airense praticamente inglesa, mas muito feliz em poder compartilhar com os leitores do Tudo & Todas um pouco da realidade aqui do outro lado do oceano. Mas primeiro, vamos começar pelo início da minha longa história:

Há 23 anos, sem ajuda de blogs ou social media (simplesmente porque naqueles idos tempos não existia celular, muito menos internet!), fiz minha primeira viagem para a Europa. Há 23 anos eu embarcava em um voo da British Airways com o coração despedaçado por um noivado rompido. Estava de casamento marcado, com enxoval pronto, vestido escolhido e igreja reservada. O grande dia nunca chegou e Londres foi o destino escolhido para derramar minhas lágrimas de amor.

Foto: Arquivo Pessoal / Tudo & TodasEm um dos passeios, ainda nos primeiros anos na Europa
Em um dos passeios, ainda nos primeiros anos na Europa
Foto: Arquivo Pessoal / Tudo & TodasFotos daquela época mostram a alegria de estar no
Fotos daquela época mostram a alegria de estar no ‘além mar’

A ironia do destino fez com que aos 25 anos, recém formada pela Unisc, com diplomas em Administração de Empresas e Educação Física, eu tomasse um passo que mais tarde mudaria completamente o percurso da minha vida. Foi a decisão mais importante já tomada, mesmo se naquele momento não me dava conta disso.

Não me arrependo de maneira alguma, e duas décadas mais tarde, só tenho a agradecer. Será um grande privilégio poder contar um pouco da minha vida inglesa, pois depois de tanto tempo morando aqui, me sinto como uma nativa.

Voltando ao começo: minha adaptação ao novo país foi rápida e fulminante. Desde o primeiro dia aqui na Terra da Rainha me senti acolhida e nunca me considerei expatriada. Abracei os desafios (que foram tantos!) com grande entusiasmo. Morando durante os três primeiros anos com a família Forster, a quem sou eternamente grata, pois graças a eles não somente aprendi a língua, mas tive uma experiência de vida fantástica, imersa na cultura britânica, absorvi naturalmente o jeito de viver dos britânicos, às vezes excêntrico e tão mais formal do que estava acostumada.

Durante os meses iniciais estudava inglês na capital e curtia o verão da Inglaterra, fascinada, por vezes atônita e contagiada pela beleza estonteante de Londres. Pela primeira vez morava fora do Brasil.

Aliás, foram tantas as primeiras vezes! Primeira vez que andei de trem; primeira vez que dirigi no outro lado da estrada; primeira vez que tomei chá preto com leite; primeira vez que me perdi (e me achei novamente, depois de um bom tempo!) dentro do metrô londrino. Foi também a primeira vez que me aventurei sozinha a outros países europeus sem ainda dominar o idioma inglês. Mas talvez a primeira vez – inesquecível – e mais emocionante que vivi foi quando contemplei, de dentro de um trem viajando no norte da Itália, a paisagem dos campos cobertos de neve. Em Verona, brinquei e pulei feito criança, me atirando na neve fofa que cobria os gramados.

Foto: Arquivo Pessoal / Tudo & TodasDesde a primeira vez em Verona, a neve sempre reserva alegria e surpresas
Desde a primeira vez em Verona, a neve sempre reserva alegria e surpresas

E foi assim que há 23 anos iniciava-se um novo capítulo que acabou por mudar o percurso da minha vida. Nunca mais voltei a morar na minha amada Venâncio Aires, embora retorne de férias à terra natal todos os anos para visitar a família e os amigos que ali deixei. De vez em quando os pensamentos vagueiam, os olhos ficam marejados de lágrimas e o coração aperta, despedaçando-se pela saudade enorme que sinto dos meus pais queridos e meus irmãos.

Viver longe de casa é viver com saudade. Não é fácil estar longe daqueles que a gente ama. Mas como o vento que sopra de um lado para o outro, a saudade também vem e vai e com o tempo, vamos aprendendo a lidar com esses sentimentos e emoções fortes gerados pela distância. O tempo nos ensina a aceitar e superar este vácuo pungente, e nos ensina a viver com intensidade os momentos de reencontro com a família e amigos. Seja aqui na Europa ou no Brasil.

Durante estas duas décadas na Europa, minha bagagem cultural extrapolou. Viajei. Viajei muito! Meus primeiros anos na Inglaterra foram marcados por itinerários de trem incríveis, com a mochila nas costas e o mapa na mão desbravei quase toda a Europa, visitando mais de 15 países. Não existia internet para organizar o roteiro, ou dicas no mundo virtual de outros aventureiros, muito menos mídia social para publicar fotos. Eu usava um guia para informações turísticas, mas nem sempre tudo saía como planejado, e improvisava no final. Tudo era diversão.

Foto: Arquivo Pessoal / Tudo & TodasMuitas cartas foram enviadas e recebidas
Muitas cartas foram enviadas e recebidas

Relatava cada aventura à família através de cartas, longos manuscritos que às vezes levavam semanas até chegar no Brasil (esse tempo realmente não volta mais…). Quando estive aí no Brasil na Páscoa, reli algumas das dezenas de cartas recebidas de amigos e que guardei em uma caixa de recordação na casa dos meus pais. Para muitos, hoje em dia é difícil imaginar uma viagem sem smartphones ou câmera digital. Pois lembro com carinho da ansiedade em mandar revelar os filmes. É claro que prefiro a era digital de hoje, no entanto, aquela emoção de colocar o filme na máquina, sair sem rumo e depois esperar ansiosa pelas fotos, nunca mais se repetirá.

Foto: Arquivo Pessoal / Tudo & TodasNeste período, foram muitas as visitas de minha irmã Sandra
Neste período, foram muitas as visitas de minha irmã Sandra

Logo no início viajei sozinha, mas a maioria das vezes foi em companhia de amigos e com minha irmã Sandra, que aproveitava minha estada na Inglaterra para também visitar a Europa comigo, além dos meus pais e meu irmão. Em cada aventura, descobria um pouco mais da cultura fascinante do velho continente. Conheci o leste europeu recém saído do regime de comunismo, quando Praga, Budapeste e Varsóvia ainda não haviam sido descobertas pelo turismo de massa. Em Praga, a pérola da Europa Oriental, era possível caminhar pelas ruelas antigas sem esbarrar em turistas ou barraquinhas de souvenirs. Transporte público era gratuito e nos restaurantes, a cozinha local reinava.

Após alguns anos morando e estudando na Inglaterra (depois de adquirir proficiência no inglês fiz um pós-graduação em Business) e com o coração em paz, o destino quis que eu encontrasse aqui minha alma gêmea, o verdadeiro amor da minha vida! Já estava maravilhada com o país e agora me apaixonava por um gentleman britânico! A cereja em cima do bolo (ou inglês, que parece soar melhor: ‘the icing on the cake!’) … E assim casei com um inglês da gema e juntos construímos nossa pequena família, abençoada por três filhos: Victoria, 17 anos, Patrick, 15, ambos nascidos na Itália, e a nossa caçula, Sophia, que nasceu na Inglaterra e tem 11 anos.

Foto: Arquivo Pessoal / Tudo & TodasVisita de meus pais, Asuir e Milita, quando já namorava com Simon
Visita de meus pais, Asuir e Milita, quando já namorava com Simon

Meu esposo, Simon, é diplomata, e por isso continuo até hoje viajando mundo afora. Embora nossa residência de base seja na Inglaterra, através de seu trabalho no Ministério do Exterior em Londres, a cada três/quatro anos, nos transferimos para um país diferente. E assim os capítulos vão se fechando enquanto novos desafios vão aparecendo. A adaptação por vezes é difícil, mas o enriquecimento cultural mais do que compensa os tropeços iniciais. Para mim é sempre um privilégio poder viver em outros países. Adoro mudanças e renovações. Já moramos na Itália durante quatro anos; Líbia, dois anos; na França foram três anos e meio; em Minsk, capital da Bielorrússia, durante dois anos e meio.

Foto: Arquivo Pessoal / Tudo & TodasNossa família
Nossa família

No momento, estamos de volta à Inglaterra, e é daqui que estarei contando um pouco da vida europeia.

Até o próximo post!

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