O ar de espanto era comum quando dizíamos que íamos viajar para Londres. Não pela viagem em si. Nem pelo planejamento um tanto quanto apressado, mas por uma característica bem especial em nossa PROGRAMAÇÃO de férias.
– Mas vocês vão mesmo levar as crianças? Quantas horas de viagem? Vocês vão ter que caminhar muito. Será que eles aguentam?
E como não levaríamos? Agora, me expliquem, de que maneira iríamos sair dez dias de férias deixando as crianças para trás? Afinal, somos ou não uma família? De que maneira iríamos visitar um aquário com pinguins e tubarões sem levar os dois gurizinhos conosco? Como eu perderia a chance de ver o Bruno tentando se virar em inglês com os atendentes da recepção do Hotel?
– Please, turn on the X-box.
Como eu deixaria de admirá-lo segurando a porta do elevador para as pessoas entrarem e saírem, entrarem e saírem, quatro, seis, oito vezes por dia? Fazendo a frente nas escadas rolantes do mundo underground do metrô de Londres? Atento, antenado, quase nos ensinando sobre aquela nova realidade, a ponto de ser elogiado numa de suas gentilezas.
– Thank you, guy. You’re a gentleman.
– Mãe, o que ela me disse?
Claro que tivemos que administrar barulhentas batalhas entre heróis e alienígenas no quarto do Hotel e dizer incontáveis nãos pelo caminho.
– Mãe, quero um sanduíche da Subway.
– Agora não.
– Então do Mac.
– Bruno, recém saímos do café da manhã.
– Mas eu estou com fome. Pode ser um sorvete, então.
– Mais tarde.
– Mãe, eu estou com fome, me dá essas balinhas. Esse chocolate. Um café.
– Bruno, tu não toma café.
– Tá, então me dá aquele brinquedo.
– Bruno, tu não estava com fome?
Na verdade, era tanta novidade, tanta coisa para ver e descobrir, que pelo Bruno ele entraria em toda a porta que encontrasse aberta para ganhar alguma coisa. Insistente à exaustão, cedemos em algumas, o distraímos em outras, e administramos umas tantas caras feias.
Thomaz, por sua vez, queria ficar jogando no computador do Hotel. Chegou a se atirar no chão chorando para não ter que deixar o ‘Friagem’ sozinho em suas batalhas. Fui aprendendo a ignorar e aproveitando aquela deliciosa sensação de ‘aqui ninguém me conhece mesmo’.
Perdemos algumas atrações, nos tornamos menos ágeis, mas ganhamos em cumplicidade, em afeto, em parceria. Vimos coisas lindas e passamos por alguns apuros, sempre juntos. Do encantamento com a megaestrutura do Winter Wonderland, montado neste período no Hide Park, ao acionamento do alarme de incêndio no Hotel em que estávamos. Alarme falso, mas um susto genuinamente verdadeiro. Todos bem, apenas pulamos da cama mais cedo para aproveitar o dia.
Numa das últimas paradas do metrô, a certeza de que com eles junto o passeio fica muito mais divertido e gratificante. Sentada ao meu lado, admirando as crianças no banco a nossa frente, uma senhora se vira para mim e me enche o coração de orgulho e de alegria.
– Your guys are so beautifull. They have a big smile.
Agradeci com o thanks mais gostoso de todos que disse enquanto estivemos lá.
Sim, they have a big smile e eu não aguentaria ficar longe disso todos esses dias. Prefiro viajar com eles no quintal de casa a explorar o mundo sem meus fieis companheiros de jornada.
Prontos para a próxima? Até lá, uma seleção de alguns momentos de nossa turma em solo estrangeiro. Sobre o olhar de uma colunista que é mais mãe do que turista. Perdoem-me a falta de grandes pontos turísticos, meu olhar estava sobre outro foco.