Ana Cristina Haas: a primeira top model de Venâncio Aires

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Em 1989, quase todo mundo sabia cantar uma das músicas mais tocadas nas ondas FM das rádios brasileiras: “À francesa”, sucesso de Marina Lima, era tema da personagem Duda, vivida pela jovem atriz Malu Mader, em Top Model, novela ‘das 7’ da Rede Globo.

A música, a novela e a atriz foram verdadeiros ‘arrasa-quarteirões’ naquele fim dos anos 80, quando em meio à redemocratização política, a trama trazia o cotidiano de adolescentes no mundo da moda.

Curiosamente, Venâncio Aires viu surgir, na mesma época, sua própria ‘Duda’. Uma adolescente que logo viraria uma celebridade na cidade, conquistaria títulos de beleza pelo estado, viajaria o mundo desfilando e até hoje é lembrada por uma geração. Nessa matéria especial, a Folha do Mate conta a história de Ana Cristina Haas, a primeira top model de Venâncio Aires.

Ana Cristina desfilando logo após o título de Broto RS, em Capão da Canoa (Foto: Arquivo pessoal)

A ‘miss’ no Gaspar e o inédito título de Broto RS

Em 16 de novembro de 1972 nasceu uma loirinha de olhos azuis-esverdeados que, devido ao rosto angelical de bonecos de vitrine, foi chamada pela família de ‘Boneca’. Como todo apelido que vai ganhando variações e diminutivos, Boneca virou Neneca, que virou apenas Neca.

Era com esse apelido que Ana Cristina Haas já era conhecida na escola Monte das Tabocas, no fim dos anos 1970, e depois, no colégio Gaspar, onde acabaria concluindo o Ensino Médio. “Leva essa menina para fazer um curso.” O conselho era de Ione Ullmann, professora do Colégio Gaspar, para a costureira Érica Haas, em relação à filha caçula. A sugestão era para que Neca tivesse seu talento lapidado, não só pela beleza física, mas porque era boa aluna e líder de classe. “Me chamavam de miss na escola”, recorda Ana Cristina Haas, hoje com 49 anos.

O conselho foi seguido por Érica e o marido, José, que matricularam a filha na escola José Carlos Laporta, em Porto Alegre, onde jovens aprendiam teatro, postura e dicção. Entre 1985 e 1986, Ana ia todos os sábados à capital. “Saía às 6h e voltava às 22h, sozinha. Eram outros tempos.”

Em 86, ainda, Neca fez seu primeiro desfile: para a loja Vaires, que vendia calçados na rua Jacob Becker. De cachê, ganhou sapatos. Em fevereiro de 1987 (só porque namorava um menino de lá), Ana decidiu participar e acabou ganhando o Broto Santo Amaro. O mesmo concurso ocorreria na Sova de Venâncio Aires, em outubro, e a jovem ficaria novamente com a faixa. Em dezembro, semanas após completar 15 anos, vai para Capão da Canoa. “Tinha 61 meninas inscritas, mas só 43 foram. Eu era a número 41, porque era em ordem alfabética pelo nome da cidade.”

Capa da Folha do Mate de 15 de dezembro de 1987 destacando a conquista do Broto RS

Foi na cidade praiana que Ana Cristina conquistou a faixa de Broto Rio Grande do Sul, um feito inédito para Venâncio Aires até então. A festa foi tamanha que, na volta, teve até desfile em carro aberto e centenas de pessoas na Osvaldo Aranha. O título estadual fez muita gente voltar os olhos para a venâncio-airense, que começou a receber convites para participar de trabalhos comerciais.

Além do Broto, Ana Cristina colecionou títulos de beleza entre 1988 e 1989: Garota Lupus, Rainha das Cabeleireiras RS, Soberana das Piscinas RS, Garota Réveillon e princesa no Senhorita RS.

Antes da foto na piscina, um tombo de NX vermelha

Houve um tempo em que rua Osvaldo Aranha era mão dupla e, embora a frota do município fosse bem menor do que é hoje, no fim dos anos 1980, volta e meia, acidentes aconteciam. Um deles envolveu Ana Cristina: com 15 para 16 anos, sem habilitação e sem capacete, vivia andando com uma Honda NX 150 vermelha (prêmio do concurso Garota Lupus), dando carona para todo mundo.

Foto que foi capa da revista Stampa, em 1988, é uma das mais lembradas em Venâncio (Foto: Divulgação/Estúdio Retratus)

Num dia de chuva, ela acabou caindo e levava na carona um menino de 7 anos, vizinho dos Haas. Felizmente, o menino não se feriu. Para Ana, o resultado foram cotovelos ralados e um pequeno corte abaixo do queixo. Mais por sorte do que por juízo, os ferimentos não impossibilitaram de, no dia seguinte, a Broto RS posar para uma das fotos que seria uma das mais comentadas em Venâncio em 1988: a capa da extinta revista Stampa, de novembro daquele ano.

A foto foi produzida pelo estúdio Retratus, de Dirci Weber Giovanaz e Bety Sulzbach. “Foi na piscina da casa do Pedro Schwengber. Estou apenas com batom e rímel. Tinha umas orquídeas bonitas por lá e coloquei uma no cabelo”, descreveu. Com os braços apoiados e o queixo levemente inclinado, os ralados do acidente ficaram ‘escondidos’.

Um galã da Globo na porta de casa

Em 1987, Neca passaria a trabalhar na Central Gaúcha de Modelos. Dali, campanhas publicitárias e desfiles no Rio de Janeiro, São Paulo e Nova York. Em 1989, participaria das gravações do ‘Garota do Fantástico’, da Rede Globo (nos moldes do concurso vencido pela venâncio-airense Regina Krilow, em 2009), mas que acabou suspenso porque na época muitas meninas menores de idade não tiveram autorização para ter a imagem veiculada.

Frequentar os bastidores da maior emissora do país, aliás, viraria rotina. No fim de 1989, a então modelo foi convidada para ser assistente de palco do especial do cantor Roberto Carlos, gravado em Porto Alegre. Na plateia, como sempre, diversos atores da Globo ocupavam as cadeiras. Entre eles, Gerson Brenner (então na novela Top Model e que ‘estouraria’ com Rainha da Sucata, em 1990). “Depois do show, ele veio conversar comigo e me convidou para jantar”, lembra Ana Cristina.

Poucas semanas depois, a jovem estava com a família em Venâncio Aires quando um táxi parou na frente da casa no bairro Cidade Alta. “O Gerson veio me procurar. Lembro que passeamos no centro de Venâncio. Muita gente veio atrás e aqui em casa também veio uma multidão.”

Assim começou o namoro e Ana Cristina foi morar com a família dele em São Paulo. O casal rapidamente ganharia os holofotes da imprensa do centro do país e a jovem, então com 17 anos, continuaria participando de inúmeros desfiles e campanhas em revistas. Os convites foram além e, em 1991, Ana Cristina passou a integrar o Banana Split (grupo feminino agenciado pela Promoart, que pertencia ao apresentador Gugu Liberato), substituindo ninguém menos que Eliana, contratada pelo SBT como apresentadora para o Festolândia e depois o Bom Dia & CIA. Mas a vida como cantora durou pouco, porque no mesmo ano Neca engravidou de Ana Luísa, que nasceria em 1992.

Matéria da revista Contigo destacou separação do casal (Foto: Reprodução/Revista Contigo)

Separação

O casamento com Gerson Brenner terminaria em 1994 de forma tumultuada. Enquanto o ator acusava a ex de ter lhe roubado, Ana disse que foi agredida. “Acabei perdendo o direito sobre muitas coisas. Fiquei quase três anos sem poder ver minha filha. No fim, as acusações não evoluíram.”

Ana Luísa acabou crescendo sob a guarda da família do pai e assim seguiu mesmo após o trágico episódio envolvendo o ator. Em agosto de 1998, Brenner foi baleado na cabeça após um assalto. Até hoje, com 62 anos, ele precisa de cadeira de rodas e tenta se recuperar de sequelas. Conforme Ana Cristina, ela já reviu o ex nos últimos anos. “Aquele episódio está superado.”

Festa com Versace e aprendendo italiano com Eros Ramazzotti

Depois da primeira viagem para o Estados Unidos, Ana também viraria alvo para campanhas e desfiles em dezenas de países na Europa no início dos anos 1990. Loira de olhos claros, 1,76 metro de altura e com medidas corporais em exatos ’90-60-90′ (o padrão de corpo ideal para especialistas da época), a modelo era considerada perfeita para os mais variados editoriais de moda.

“Fiz muito editorial de moda, em desfiles e capas de revista. Vestidos, biquínis, maiôs, joias e até para marcas de cerveja. Diziam que meu estilo ‘casava’ com tudo para as campanhas”, explica. Vivendo em meio à fama e ao glamour das passarelas europeias, Ana Cristina conheceu muita gente famosa, como a estilista italiana Alberta Ferretti, que tem estúdio em Milão, e o também italiano Gianni Versace (designer de moda que fundou a famosa marca Versace e que morreu assassinado em 1997). “Fui na festa de aniversário do Versace, em 1993”, lembra.

Também na Itália, Ana Cristina conheceu o cantor Eros Ramazzotti, que no mesmo ano estourou mundialmente com ‘Cose della vita’. No Brasil, a música foi tema de Olho no Olho, novela em que Gerson Brenner também atuou. “Eu aprendi italiano ouvindo os discos dele”, revela. A admiração pelo cantor segue até hoje e ‘Eros’ é o nome de um dos gatos da ex-modelo.

A ex-modelo estampou revistas no Brasil e no exterior (Foto: Arquivo pessoal)

Família e trabalhos

Intensa e rápida. Foi assim que Ana Cristina descreveu sua carreira como modelo. Com apenas 30 anos, fez o último desfile no Rio de Janeiro, onde já morava desde a década de 1990. “Com três filhos, eu não dava mais conta dos compromissos.”

Além da administradora Ana Luísa, 29 anos, Ana Cristina é mãe do advogado Luís Felipe, de 26 anos (ambos moram em São Paulo), e do estudante de Direito, Alexandre, 20, que mora no Rio de Janeiro. Com filhos de três relacionamentos diferentes, a ex-modelo confessa: “Nunca tive muita sorte em relacionamentos. Mas meus filhos são meu orgulho, são o meu melhor.”

Ana Cristina entre as irmãs, a mãe e os filhos (Foto: Arquivo pessoal)

Ana Cristina voltou para Venâncio Aires há cerca de três anos e mora com o namorado, o médico Sandro Hansel. Mesmo com os filhos em outros estados, ela revelou que quer continuar na terra natal, já que está mais próxima das irmãs, Alice e Arlete, além da mãe, Érica, 83 anos.

Sobre a família, aliás, uma curiosidade: conforme a mãe, foi de José (1937-2007) que Neca puxou a beleza e os olhos. “Ele era um homem lindo”, conta a aposentada. Érica, por sua vez, também já viveu uma experiência de ‘passarela’: em 2008 foi eleita Rainha da Melhor Idade de Venâncio Aires.

Depois de encerrada a carreira de modelo, Ana Cristina trabalhou como assessora na empresa de Humberto Saade, fundador da marca Dijon, e na administrações de um restaurante no Rio de Janeiro, de cassinos de navios de cruzeiros pela Europa e numa empresa italiana de estaleiros.

O trabalho em grandes empresas manteve a ex-modelo próxima de artistas e conheceu pessoalmente a cantora Madonna, o ator Sylvester Stallone e o cantor Ricky Martin. “Conheci muita gente, tenho amizades até hoje e, muitos dos empregos, consegui pelos idiomas que aprendi.”

Embora a carreira de top model a tenha levado para longe, Ana Cristina diz que não enriqueceu. “Não consegui guardar dinheiro. Os cachês eram divididos com agências e o custo de vida onde morei era caro. E eu dei e emprestei muito dinheiro. Sempre fui ‘mão aberta’, igual meu pai.”

Nos últimos anos, Ana Cristina trabalha em parceria com uma amiga que tem uma clínica de estética e com o amigo de longa data Carlos Wattimo, que tem uma rede de lojas no Rio de Janeiro. Wattimo, aliás, era empresário do mundo da moda nos anos 1980 e acompanhou a ex-modelo na sua primeira viagem para os Estados Unidos, em 1989.

Por uma beleza mais natural

No dia da entrevista, Ana Cristina recebeu a reportagem da forma mais à vontade possível: descalça, usando bermuda, camiseta e o cabelo (natural com alguns fios brancos) preso num coque improvisado. “Eu sou assim, o mais natural possível. Para mim é jeans, camiseta e chinelo. Meu cabelo é natural. Maquiagem é um rímel e um batom, no máximo. Nunca fui vaidosa”, destacou.

A ex-modelo conta que, embora viveu em meio a grandes produções, sempre pedia para ficar o mais natural possível com cabelo e maquiagem. Também diz que nunca fez nenhum procedimento estético e é sobre isso que ela faz uma crítica. “Percebo que cada vez mais existe uma preocupação com isso. Tem muita modelo com corpo ‘fake’. Cadê a naturalidade?”

Hoje andando quase ‘despercebida’ em meio às novas gerações de Venâncio Aires, Ana Cristina diz que muita gente ainda a reconhece e vem conversar com ela sobre os tempos de modelo. “Eu não ando produzida e ganhei uns bons quilinhos (risos), mas tem muitos que me abordam e dizem que me reconhecem principalmente pelos olhos.”

Perguntada sobre algum arrependimento na carreira, Ana diz apenas que talvez teria aproveitado mais as oportunidades. Entre elas um convite para atuar na novela Olho no Olho, de 1993, quando foi convidada pelo próprio diretor Ricardo Waddington. “Naquele momento não deu, porque eu tinha muitos contratos para cumprir na Europa. Mas passou.”

A ex-modelo também deixou um conselho para as novas meninas que desejam trabalhar com moda. “Não é um mundo fácil. Muita coisa mudou de 30 anos para cá, mas eu diria para serem ‘menos estética’ e ‘mais naturalidade’. Estudem muito, desconfiem de convites e levem a família a sério.”

Terra de mulher bonita

Muitos dos registros aqui usados foram gentilmente cedidos pelo cabeleireiro Silvio Moura, 47 anos. Com um grande conhecimento do mundo da moda, ele também tem em seus arquivos materiais do Garota Nossa Capa, da Folha do Mate, e da Fenachim, por exemplo.
São dezenas de publicações com mulheres lindas. Em muitas delas, está Ana Cristina Haas, que já foi comparada à atriz Brooke Shields (do clássico da Sessão da Tarde ‘A Lagoa Azul’) e à top model alemã Claudia Schiffer (segundo o Guinness, a modelo que mais fez capas de revistas no mundo).

Ela foi, de fato, uma celebridade midiática quando ainda era uma adolescente. Hoje, com quase 50 anos, Ana continua uma mulher linda e, acreditem, os olhos chamam muito atenção. Pensando na trajetória dela, nos remetemos a tantas outras mulheres que nasceram em Venâncio e que confirmam o que dizem fora daqui: é uma terra de mulheres bonitas. Desde Rejane Felten, rainha dos Estudantes RS em 1975 até Daiara Stein, vice no Miss América Latina del Mundo em 2021, a cidade coleciona outros títulos de beleza e participações: Broto RS, Mais Bela Negra RS, Rainha da Indústria e Comércio, Garota Fantástica, Musa do Sol, Miss RS… Isso sem falar nas soberanas da Fenachim! É arriscado citar e esquecer alguém, então reunir todas as beldades venâncio-airenses já está merecendo uma reportagem à parte.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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