Avenida das Indústrias é a via municipal mais fatal de Venâncio Aires

-

“Ela sempre teve medo do asfalto e quando ouvia barulho de carro, já se jogava na capoeira”, conta Valcedir José Porto, ao lembrar da atitude da esposa, Vera Rejane da Rosa, quando passava pela Avenida das Indústrias, em Venâncio Aires. Mas, na manhã do dia 12 de junho de 2010, se ‘abrigar’ na macega não foi suficiente. Vera foi atingida por um carro e morreu, às 6h30min de um sábado, aos 43 anos, enquanto seguia para o trabalho, a pé.

Durante a semana, ela sempre ia de ônibus até um supermercado do Centro, onde era faxineira, mas, nos fins de semana, o coletivo passava mais tarde na região conhecida como Tabalar, onde morava. Por isso, para não se atrasar, saía cedo e a caminhada levava cerca de 50 minutos.

Geralmente, para não ir sozinha, o marido ou o filho Douglas, então com 16 anos, a acompanhavam de bicicleta. Mas, naquele fim de semana, Valcedir não estava em casa. “Eu fazia alguns bicos numa banda e estava voltando. A Vera não quis acordar nosso filho e saiu quietinha, sem fazer barulho”, conta o artesão, hoje com 48 anos.

Não foi muito longe de casa que Vera foi atingida por carro, que seguia no sentido bairro-Centro, próximo do IFSul, no bairro Universitário. O motorista estava bêbado e não se feriu, mas o impacto do veículo dele jogou a vítima cerca de 30 metros adiante e, com as múltiplas fraturas, ela não resistiu e morreu naquele momento.

A morte de Vera foi uma das quatro registradas entre 2010 e 2019 na Avenida das Indústrias. O trecho de pouco mais de três quilômetros que liga a Linha Ponte Queimada da RSC-287 à RSC-453, é a via municipal que mais fez vítimas no trânsito nesse período em Venâncio Aires. Vale destacar que o trecho vem registrando cada vez mais movimento. Reflexo do Distrito Industrial, dos campi da Unisc e do IFSul, além da abertura de novos loteamentos.

Depois da Avenida das Indústrias, é a rua Salvador Stein Goulart, que liga o bairro Macedo à RSC-453, a mais violenta: três mortes em três acidentes. Esse dados integram um levantamento inédito realizado pelo Detran gaúcho e que busca subsidiar as Prefeituras para trabalhar com mais precisão nos problemas específicos de cada localidade. Foram realizados estudos nos 34 municípios que integram o Gabinete de Gestão Integrada da Região Metropolitana de Porto Alegre, dentro do programa RS Seguro, do Governo do Estado, e outros 16 com alto índice de acidentalidade, totalizando os 50+. Venâncio Aires está incluído no estudo.

“O senhor que provocou a morte da minha esposa está impune e continua um risco à sociedade. Então além da estrutura nas vias, tem esse outro problema grave com álcool e direção, e as leis precisam ser revistas.”

VALCEDIR PORTO – Artesão

6ª – é a posição de Venâncio Aires no ranking gaúcho dos municípios que mais registraram acidentes fatais em vias municipais entre 2010 e 2019.

Dados

  • De acordo com o Detran, entre 2010 e 2019, Venâncio registrou, entre trechos estaduais e municipais, 153 acidentes fatais que resultaram em 172 mortes. Em 2015, houve o número mais baixo, com 10 óbitos e, em 2017, o ano mais violento, com 21 vidas perdidas.
  • Em relação à natureza dos acidentes fatais, o maior índice está nas colisões (75) e atropelamentos (31), estatística essa a qual a morte de Vera faz parte.
  • Dos 153 acidentes, 50 foram registrados em vias municipais, que incluem, por exemplo, as ruas Armando Ruschel, Carlos Wagner, General Osório, Júlio de Castilhos, Osvaldo Aranha e Voluntários da Pátria. Todas essas registraram duas mortes cada em 10 anos.
  • Mas só a Avenida das Indústrias, Linha Travessa e a rua Salvador Stein Goular, as líderes do total de 51 mortes, concentram 20% dos acidentes fatais ocorridos somente em vias urbanas.
  • Quanto às rodovias estaduais, foram 103 acidentes e 121 mortes. A RSC-287 é a mais violenta: 65 óbitos em 55 acidentes. Já a RSC-453 registrou 29 em 27 e a ERS-422 teve 16 em 13, respectivamente.
  • Considerando o tipo de veículos envolvidos, 45% do acidentes envolveram motos e 25% tiveram a participação de caminhões. Com relação aos dias da semana, o fins de semana correspondem a 44% dos acidentes fatais analisados.
  • Quanto ao perfil das vítimas, a maioria era do sexo masculino. Morreram 130 homens e 42 mulheres. A faixa etária com maior incidência vai dos 25 aos 44 anos.

Dos acidentes à reivindicação

Valcedir José Porto já tinha perdido amigos e vizinhos em acidentes na Avenida das Indústrias quando a esposa morreu, em junho de 2010. Depois dela, houve mais dois óbitos, em 2011 e 2017. As mortes e mesmo os acidentes que resultaram apenas em danos materiais, deram força a uma reivindicação antiga: a construção de acostamento, a qual começou em alguns trechos em 2021.

Acostamento começou a ser construído em julho e vai abranger 1,4 quilômetro (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Até então, Porto conta que instalação de quebra-molas nos últimos anos ajudou a limitar a velocidade dos veículos. “Quando a Vera faleceu, tinha um só. Hoje tem sete, que ajudam muito. E acho que com esse trecho de acostamento também vai contribuir para evitar outros acidentes.”

Instalação de quebra-molas, como na frente do IF Sul, contribuem para o controle da velocidade dos veículos (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

A projeção dele é em cima do 1,4 quilômetro de acostamento que começou a ser construído em julho: no lado esquerdo do sentido centro-bairro, entre a empresa Brasfumo até a rua Ottmar Benno Schultz; e do lado direito vai dessa mesma rua, até as proximidades do IFSul.

A obra custará R$ 529 mil e está a cargo da empresa Encosan, que venceu processo licitatório. O prazo encerra em fevereiro, mas, segundo o secretário de Planejamento e Urbanismo, Gustavo Von Helden, é possível que entre outubro e novembro tudo esteja finalizado. “Além do acostamento de 2,5 metros, tem o passeio público de dois metros. A ideia é fazer até a saída da RSC-287, mas com orçamento próprio é pouco provável que aconteça. Por isso seguimos na busca de outras formas de recursos”, destacou o secretário.

Álcool e direção

Para Valcedir Porto, a falta de acostamento ou calçada na Avenida das Indústrias foram fatores que contribuíram para os acidentes registrados no local nos últimos anos. Afinal, sem local específico para pedestres ou ciclistas, quem vai a pé ou de bicicleta se equilibra sobre a faixa lateral pintada na pista, situação também verificada pela reportagem.

Mas, além da estrutura viária, o artesão chama atenção para outro problema grave no trânsito: condutores alcoolizados. O motorista do carro que matou Vera estava bêbado. Segundo Porto, ele foi preso naquele momento, mas hoje segue a vida normalmente, inclusive dirigindo. “Eu sei que ele continua bebendo e, mesmo com a carteira cassada, segue dirigindo. O senhor que provocou a morte da minha esposa está impune e continua sendo um risco para a sociedade. Então além da estrutura nas vias, tem esse outro problema grave e cujas leis precisam ser revistas.”



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

Clique Aqui para ver o autor

    

Destaques

Últimas

Exclusivo Assinantes

Template being used: /var/www/html/wp-content/plugins/td-cloud-library/wp_templates/tdb_view_single.php
error: Conteúdo protegido