Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Reforma da Previdência tem causado apreensão em diversas entidades educacionais e de saúde. Apresentada pelo relator, senador Tasso Jereissati (PSDB), ela propõe o fim das imunidades tributárias garantidas ao setor filantrópico. Seria como uma cobrança previdenciária, com exceção de santas casas e de assistência social.
A PEC foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na última semana e segue em tramitação no próprio Senado. Depois, ainda precisaria passar pela Câmara dos Deputados.
Na prática, a medida terminaria com a isenção da cota patronal do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para as entidades. Ou seja, o imposto que hoje elas não precisam pagar sobre a folha do pagamento dos funcionários, pode, se aprovado, virar mais um custo.
Se considerarmos todas as entidades, em Venâncio Aires a medida poderia afetar o Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e escolas particulares que oferecem bolsas de estudos – o principal ‘alvo’. Segundo o Sindicato do Ensino Privado (Sinepe) do Rio Grande do Sul, a proposta, se aprovada, pode prejudicar 100 mil alunos que hoje estudam em escolas particulares como bolsistas.
Em Venâncio, entre as instituições particulares, está o Colégio Gaspar Silveira Martins. Segundo o diretor do Gaspar, Tiago Becker, por determinação legal, a escola cede, a cada cinco alunos pagantes, um bolsa 100% ou duas de 50% – são quase 200 bolsistas.
Se a isenção da cota patronal do INSS (veja box) for derrubada, significariam cerca de R$ 40 mil mensais que o Gaspar teria de custear a mais sobre a folha de pagamento. “O prejuízo maior será social, porque a escola conseguiria um jeito de se manter. Claro que diminuiriam turmas e profissionais, mas as bolsas acabariam.”
Becker afirma que a filantropia talvez não seja atrativa, financeiramente, mas é importante no papel junto à sociedade. “Tudo que se tem de resultado acaba reinvestido. Fazemos pelo social, porque um dos objetivos é conseguir atender diferentes crianças na mesma turma, mesmo que elas venham de realidades completamente adversas.”
FILANTROPIA
O conceito do dicionário ensina que filantropia significa algo como um profundo amor à humanidade, generosidade ou caridade. Na prática, a ideia está ligada ao assistencialismo social, de entidades que prestam serviços à sociedade e que não têm como finalidade o lucro.
No Brasil, para possibilitar que entidades atuem dessa forma, a filantropia está relacionada a não necessidade de contribuir com tributos. Segundo o contador Adriano Becker, não se trata de um processo fácil e, para chegar a essa certificação, os setores precisaram provar seu retorno social.
“Se acabar com a filantropia, as entidades vão precisar recolher sobre a folha de pagamento”, explica o contador. Trata-se da cota patronal do INSS, hoje variando entre 25% e 28%, e qual o setor filantrópico está dispensado de pagar.
“Seria uma derrocada para a sociedade.”
Fernando Branco – administrador do hospital
Embora o alvo da PEC seja a área educacional, o setor da saúde não esconde que também está apreensivo. No caso do Hospital São Sebastião Mártir, que tem uma folha salarial que gira em torno de R$ 1 milhão por mês para pouco mais de 500 funcionários (entre HSSM e UPA), o fim da isenção da cota patronal significaria cerca de R$ 280 mil a mais para custear.
“Isso seria uma pena de morte”, dispara o administrador do HSSM, Fernando Branco. Segundo ele, além de bancar o imposto, a medida acarretaria, em casa de lucro no fim do ano, o pagamento do Imposto de Renda – o qual, atualmente, o hospital também tem isenção.
CONSEQUÊNCIA
Em uma comparação simples que a matemática permite, os R$ 280 mil seriam praticamente o valor do déficit mensal do HSSM – hoje em cerca de R$ 300 mil. “Iríamos dobrar nossa conta.” Mas o principal alerta de Branco é a consequência social que a proposta pode causar. “Por termos filantropia, somos obrigados a atender 60% de SUS [Sistema Único de Saúde]. Agora, se for aprovado, viramos uma empresa comum e não teremos obrigatoriedade de atender tudo isso em SUS. E isso seria uma derrocada para a sociedade.”
Apesar da preocupação, o administrador do hospital venâncio-airense acredita que a proposta não será levada adiante pelo Senado e Câmara. “Para mim, uma opinião pessoal, é de que não passa. Hoje, dos 320 hospitais no Rio Grande do Sul, 240 são filantrópicos. Imagina todos quebrando?”
RETORNO
- Segundo comunicado assinado por diversas associações filantrópicas brasileiras, “os serviços oferecidos são de extrema importância para toda a sociedade”, principalmente para aqueles municípios que são atendidos somente por entidades filantrópicas e dependem dos serviços socioassistenciais, de hospitais e instituições educacionais.
- O documento aponta ainda que, só na área da saúde, o retorno para cada R$ 1 recebido é 8,26 vezes maior. Nesse segmento, o setor soma mais de 260 milhões de procedimentos e é responsável por 59% de todas as internações de alta complexidade do SUS.
- Na educação, essas instituições devolvem 4,67 vezes mais do que recebem e somam mais de 2,4 milhões de alunos, sendo 725 mil bolsistas nos ensinos básico e superior.
MOÇÃO
A PEC em questão também mobilizou a área política local. Na última semana, o vereador André Puthin (MDB) protocolou uma moção de repúdio à proposta. Na justificativa, Puthin destaca que “a análise não pode ficar só no ponto de vista da arrecadação tributária. A atuação dessas entidades educacionais tem impacto imediato na sociedade por meio da educação, além de promover a maior integração ao mercado de trabalho, gerando mais contribuintes à seguridade social.”