O noticiário da semana abriu nova temporada de um dos esportes mais praticados nas redes sociais: falar mal do dinheiro público repassado ao Carnaval. Salve-se quem puder: o tiroteio já começou. Em tempos tão bicudos, em que muitos contribuintes pedem a aplicação de tais verbas em áreas mais nevrálgicas da rotina do cidadão, em especial a saúde – e onde há políticos que, adivinhe, se aproveitam do fato –, convém promover aqui discussão breve, mas contextualizada, sem demagogias ou preconceitos.
Das leituras
No belo recanto do Brasil, a informação é de que cada uma das quatro escolas que desfilarão no próximo ano receberá R$ 30 mil para participar – a primeira parcela, de R$ 16 mil, foi quitada nesta semana. Estes valores são provenientes da Lei de Incentivo à Cultura sul-rio-grandense, ou seja, provém totalmente da iniciativa privada, que deduz o montante do pagamento de impostos. A captação total autorizada é de R$ 189 mil, dos quais R$ 94,7 mil já foram obtidos e liberados, através de patrocínio da Souza Cruz. Não sou eu quem diz isso: digite “Banco de Projetos – Pró-Cultura RS” no Google e veja você mesmo a planilha esmiuçada de gastos e captação. Está subentendido que seja esta a fonte dos montantes repassados às agremiações locais na última quinta-feira.
Importante que se diga
Importante: QUALQUER ação cultural pode se valer dos benefícios de tal lei. Vale para samba, axé, rock, MPB, carnaval, semana farroupilha, sarau literário, Fenachim, Bastião ou sociedade do interior. Há leis federais (a famigerada Rouanet), estaduais e até municipais com recursos disponíveis para tais finalidades. Goste ou não de Carnaval, reflita: o que lhe parece mais razoável? Que o dinheiro abasteça uma festa popular ou os nem sempre confiáveis e compreensíveis cofres governamentais? Afinal, até poderia ser melhor que empresas não abatessem dinheiro dos impostos devidos. E que os valores fossem corretamente aplicados pelos entes governamentais – seja na saúde ou no Carnaval –, mas não há a menor das garantias de que isso um dia ocorrerá neste país.
Epílogo
Em tempo: a planilha de custos da folia a serem bancados por patrocínio externo não cita a contratação de itens como gradis, sonorização ou assistência médica. É razoável crer que esta sim seja uma conta da qual ninguém fala e você de fato paga – e pode contestar e/ou buscar saber seu real custo, caso entender que deva. Ainda: há coisas que devem ser vistas como investimentos. Áreas como cultura e esportes, dispostas sempre de rubricas orçamentárias próprias e não muito gordas, são preponderantes na formação de qualquer cidadão. Muitíssimo mais do que, por exemplo, bíblias gigantes, a despeito de certos argumentos que vi no jornal por esses dias. Mas esta já é outra discussão.
Três acordes
# Ainda: é fácil e cada vez mais comum um líder governamental encher o peito para falar que usará o dinheiro do Carnaval ou do cafezinho para aplicar na saúde. Difícil é tapar o buraco com verba que venha do corte de assessores, cargos comissionados e demais componentes que azeitam o sistema político-partidário.
# Num país cujo Congresso Nacional custa R$ 10 bilhões/ano e que prevê gastos para o fundo eleitoral em 2020 de R$ 2,5 bi, o Carnaval não é exatamente o maior inimigo do usuário do SUS. E veja: é a palavra de quem, a cada fevereiro, costuma passar ao menos duas noites trancado em casa, numa busca angustiante por filmes ou esportes na TV.
# Neste Brasil, um médico de plantão 24h, segundo dados locais, custa R$ 43 mil por mês. Com o orçamento do fundo para as eleições mais 300 ou 400 milhões, paga-se um plantonista diário, por um ano, em todos os 5.570 municípios brasileiros – ou constrói-se um livro de concreto com três metros de altura por mês em cada um. Pensemos bem.