Venâncio Aires tem 3.183 mulheres chefes de família, conforme dados do Cadastro Único, da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social. As mães que são as principais responsáveis pelo sustento da casa integram o grupo com direito ao auxílio emergencial do Governo Federal, por conta da pandemia do novo coronavírus.
As chefes de família representam em torno de 4,4% da população do município, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentro desta estatística está Janaine Catiana Graef, 41 anos, que teve a rotina alterada há cerca de um ano e meio, quando se separou. Mãe de três meninas, ela trabalha como auxiliar de limpeza, mas não possui vínculo empregatício, por isso, recorreu ao auxílio emergencial para ter renda neste momento.
Em março, quando as escolas pararam e começou o incentivo ao isolamento social, Janaine foi dispensada de quase todas as casa que trabalhava. “Tinha faxina para fazer de segunda a sábado, agora tenho só uma vez na semana”, conta. Por isso, a renda da família, que depende dela, diminuiu muito. “Eu recebia todos os dias, nos finais de semana pagava as contas e fazia mercado, agora não posso mais contar com isso, então recorri ao auxílio emergencial, que está me ajudando muito”, garante.
A moradora do bairro Xangrilá explica que a maioria das pessoas para as quais ela prestava serviço é do grupo de risco, assim como ela, que tem problemas respiratórios. “Tentei ir para fumageira, mas como também tenho pressão alta, eu não consegui”, conta.
Conforme a chefe de família, é um desafio cuidar das filhas, da casa e trabalhar fora. “Trabalho direto e à noite eu faço tudo, limpo a casa, lavo roupas e faço comida. Às vezes, não dá tempo e acaba ficando para fazer no sábado”, conta.
No turno oposto da aula, as filhas frequentam a Organização Não Governamental (ONG) Parceiros da Esperança (Paresp). “É uma instituição que nos ajuda muito no cotidiano e neste momento ainda mais”, enfatiza Janaine.
Papel de mãe
A auxiliar de limpeza lembra que perdeu a mãe cedo, quando ainda era criança, por isso procura ser uma ‘mãe amiga’ e dar exemplo para as meninas. “É muito importante ter essa figura da mãe presente, eu sinto falta disso”, lamenta.
Ela aconselha que, mesmo com as dificuldades e a correria do cotidiano, todas as mães tirem um pouco de tempo para ajudar seus filhos e também para escutá-los. “Somos só nós três, uma pela outra. Eu trabalho e sempre batalho por elas.”
Quase 40% das mulheres do Brasil são chefes de família
A economista Cíntia Agostini cita dados do Censo Demográfico de 2010, para mostrar a representatividade das mulheres como chefes de família no país. O estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostrou que 37,3% das mulheres brasileiras são responsáveis pela casa e, no estado, em média, 37% são chefes de família. Do total de mulheres que administram a casa, conforme a pesquisa, 86,8% eram sozinhas e não tinham cônjuge, na época do estudo, e 40,8% viviam com até meio salário mínimo.
Segundo Cíntia, o perfil de ‘chefe de família’ mudou há tempo, por isso, os números do Censo Demográfico já devem ter aumentado. “A mulher começou ocupar espaço no mercado de trabalho e lutou pelos seus direitos, apesar de ainda termos uma sociedade machista e a mulher ainda enfrentar preconceito quando é a administradora da casa e da família no todo”, enfatiza.
A economista destaca a importância dos auxílios que complementam a renda das mulheres chefes de família. “Nem todas conseguem ter uma economia adequada, trabalham informalmente e sustentam a casa sozinha, então a ajuda é necessária”, enfatiza.
Cíntia observa que, em meio à pandemia, muitas dessas mulheres podem ter perdido a única fonte de renda, por isso, o auxílio emergencial é ainda mais importante. “Infelizmente um dos aspectos que a pandemia vai trazer é o aumento da pobreza, porque são essas famílias que já vivem em situações vulneráveis que vão ser os primeiros a perder o emprego”, prevê.
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Auxílio emergencial
As mulheres chefes de família integram o grupo que tem direito ao auxílio emergencial do Governo Federal, durante a pandemia do novo coronavírus. Para as mães solteiras ou que são chefes de família, o valor é dobrado – R$ 1,2 mil mensais. Para ter acesso ao benefício, é preciso se cadastrar e informar o CPF dos filhos no site.
Mulheres nos bairros
- Análise do Observatório do Desenvolvimento Regional (ObservaDR), ligado à Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), aponta que em bairros periféricos a leste do município, como Battisti, Coronel Brito e Brands, de 60% a 80% dos domicílios têm as mulheres como principais responsáveis pelo sustento.
- Os dados levam em conta dados do Censo Demográfico de 2010 e destacam que muitas destas chefes de família recebem até um salário mínimo.
- Essa realidade se repete na periferia oeste, na região dos bairros Canto do Cedro, Bela Vista e Santa Tecla, onde a figura feminina é responsável pela casa em até 80% dos domicílios e a maioria também vive com a renda de até um salário mínimo.
Vida dedicada às filhas
A independência é um objetivo cada vez mais buscado pelas mulheres, e diferente de décadas atrás, os homens já não são os únicos administradores da casa. Moradora do bairro Gressler, Maria de Lurdes Fiusa da Silva, 51 anos, é mãe de três mulheres e avó de um menino. Ela sempre foi a chefe da família. Separada há 5 anos, ela conta que mesmo quando era casada, era a responsável pela casa. É ela quem paga as contas, cuida das filhas e dos afazeres domésticos.
Das três filhas, duas ainda residem com Maria, porque uma teve meningite e ficou com sequelas e a caçula tem macrocefalia. A dona de casa dedica a vida para cuidar do lar, mas recorda que, quando jovem, se preparou para entrar no mercado de trabalho. “Tenho Ensino Médio, curso de artesanato, costura, confeitaria e de salão de beleza. Eu trabalhava fora, mas chegou uma hora que tive que parar para cuidar das minhas filhas”, comenta.
A vida de mãe de família é muito desafiadora, conforme Maria, porque ela é a pessoa que corre atrás de ajuda para atendimentos médicos para as filhas, dá banho, troca fraldas, limpa a casa, faz comida e ainda tenta arrumar tempo para si mesma. “Eu vivo para elas, moramos só nós três, então eu não tenho tempo quase para fazer as minhas vontades”, explica.
“É uma luta diária cuidar de tudo, mas se eu não fazer não tem quem faça por mim, então, em vez de reclamar, eu visto a camisa e vou atrás do que quero.”
MARIA DE LURDES FIUSA DA SILVA – Chefe de família
A filha Jóice de Fátima Fuisa da Silva, 17 anos, frequenta a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), e Deise Teresa Fontana, 33 anos, vai na entidade a cada 15 dias. “Elas vão de ônibus, é tranquilo.” Contudo, quando a mãe precisa resolver alguma coisa, precisa ir “sempre correndo”, porque as meninas ficam sozinhas em casa. “Deixo elas olhando televisão, a Deise consegue caminhar com o andador, então se a Jóice quer algo ela busca, mas sempre saio preocupada com elas”, afirma. Para sair com as duas é mais difícil, pois precisa de Uber e de ajuda. “O ônibus tem lugar apenas para uma cadeira de rodas e é complicado sair com as duas também, então saímos juntas pouquíssimas vezes”, lamenta a mãe.
Além do artesanato que ela faz para vender, tem pensão de uma das filhas para ajudar na renda e o auxílio da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), porém sente falta de ter tempo para trabalhar. “Eu ainda quero montar um salão de beleza em casa, porque daí posso ficar de olho nelas e trabalhar, pois sinto falta de conversar com mais pessoas”, diz. Durante a pandemia, ela conseguiu o auxílio emergencial. “Já é uma grande ajuda, mas perdemos o auxilio do Loas, então não sei certo o que aconteceu, porque o auxílio emergencial foi encaminhado direto, mas perdi o outro, ficou elas por elas.”
Para economizar um pouco ela tenta evitar gastos desnecessários, reaproveita água da chuva e toma cuidado para não desperdiçar alimentos. “Nunca passamos necessidades, graças a Deus, porque tenho muita fé, mas eu me cuido e nunca gasto mais do que ganho”, finaliza a mãe.