Independente do nível de ensino, a educação foi uma das áreas que mais passou por transformações por causa da pandemia do novo coronavírus. Isso porque, em razão da Covid-19, as aulas presenciais em universidades, escolas de educação infantil, de ensino fundamental e de ensino médio e em outros centros de ensino foram suspensas como medida de prevenção. De lá para cá, estudantes, famílias, professores e outros integrantes das comunidades escolares precisaram encontrar maneiras para se readaptarem e fazerem do ensino a distância um aliado no processo de aprendizagem.
Em relação à aprendizagem de estudantes que estão na infância, a doutora em Educação, Morgana Domênica Hattge, ressalta que cada criança e cada família têm uma organização própria e única. “A casa não é escola. A sua dinâmica é muito diferente e os papéis de mãe e pai não se transmutam facilmente para o papel de professor ou professora. Há famílias e crianças que estão conseguindo lidar bem com as tarefas domiciliares nesse tempo de ensino remoto. Mas há muitas famílias e muitas crianças que estão enfrentando grandes dificuldades”, avalia.
Segundo Morgana, há pais e mães seguem trabalhando e o pouco tempo que teriam para o convívio com as crianças é ocupado com tarefas escolares exaustivas, que abordam conteúdos que os pais não dominam. Isso está afetando a saúde mental de todos. “Há escolas que estão encaminhando atividades que respeitam a faixa etária das crianças e a organização das famílias. Mas há outras que, por concepções mais restritas e um currículo escolar mais pautado nos conteúdos do que em vivências para a aprendizagem, ou por serem cobradas pelas famílias para o encaminhamento de muitas tarefas para que as crianças não ‘percam’ conteúdos, estão esquecendo que dos 6 aos 12 anos de idade, ainda estamos falando de crianças e que é preciso preservar a infância”, analisa.
Ainda de acordo com a doutora em Educação, crianças pequenas, tanto na educação infantil quanto nos anos iniciais do Ensino Fundamental, aprendem com o corpo – o seu e o do outro -, com as relações e nas relações. Além disso, ela menciona que elas ainda aprendem brincando sozinhas e junto com os colegas. “As maiores e mais potentes aprendizagens nessa faixa etária não acontecem sentadas em frente a uma mesa, preenchendo folhas, pintando desenhos prontos.” Morgana ainda salienta que neste momento é importante buscar manter os vínculos e que isso pode acontecer através da tecnologia ou de soluções analógicas, como o envio de uma carta, de uma foto ou de um kit para atividades lúdicas.
“O que não se pode imaginar é que realizar tarefas exaustivas e muitas vezes mecânicas, ou sentar por horas em frente ao computador, como tenho notícias de algumas escolas, que estão realizando aulas a tarde inteira on-line com turmas de 6 e 7 anos de idade, é o melhor para as crianças, para as famílias e para os professores neste momento”, analisa. A profissional também menciona que por trabalhar e pesquisar a temática da inclusão escolar, percebe que para as crianças com necessidades específicas e as famílias, às vezes, desafios ainda maiores surgem.“É preciso também um olhar específico para esse público singular”, complementa.
“O grande desafio para a nossa sociedade em geral é mudarmos nossas concepções acerca do que é aprender e do que precisa ser aprendido.”
MORGANA DOMÊNICA HATTGE – Doutora em Educação
Revolução no ensino
Para a doutora, é possível perceber que a pandemia exigiu das escolas a construção de formas emergenciais para dar conta de um ensino remoto, que deve acontecer em casa e não na escola para preservar a saúde e proteger a vida de todos. “Professores e alunos passaram a conviver com modos muito diferentes de ensinar e aprender. Acredito que algumas experiências poderão ser incorporadas ao cotidiano da escola no seu retorno. Mas, tenho a impressão de que a pandemia veio nos ensinar é a importância da escola na vida das crianças e das famílias. Além disso, percebo que as relações entre família e escola estão se tornando mais próximas e isso é um grande ganho nesse momento tão difícil”, considera.
Conforme Morgana, de um modo geral tem-se ouvido falar da instituição de um ‘novo normal’. Para ela, isso obrigará as pessoas a intensificarem hábitos de higiene, a instituir protocolos que estão sendo estudados pelas escolas. “Mas defendo que além de todos os cuidados sanitários aos quais teremos que nos habituar, é fundamental que esse ‘novo normal’ se estenda a um olhar mais atento às diferenças na escola, a uma escuta sensível capaz de olhar para as crianças com a atenção e o cuidado que merecem”, pondera.
Ela também destaca que o desempenho escolar e a aprendizagem formal de conteúdos não deve ser a maior preocupação quando as aulas retornarem. “Para que isso aconteça é preciso que haja uma mudança de mentalidade de toda a sociedade. A escola precisa do apoio das famílias para instituir esse tempo de respeito à infância no retorno às atividades presenciais. A quarentena privou as crianças do convívio com amigos, com a natureza, com os seus professores, com os seus avós. Que no retorno à escola as crianças possam brincar, conviver, falar sobre o que viveram, sobre seus medos e inseguranças e suas aprendizagens do cotidiano junto às suas famílias. Enfim, que elas possam ser crianças”, salienta.