Sucessão familiar: três gerações no cultivo de hortaliças

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A sucessão familiar vem sendo um assunto em pauta nos últimos anos e tem se tornado um desafio para diminuir o êxodo rural que afeta fortemente a agricultura familiar brasileira. Em Venâncio Aires, município com grande parte do território rural, vários exemplos de permanência do jovem no campo se destacam em meio a este cenário.

Um desses exemplos é do jovem Thiago Trindade Dornelles, 20 anos, agricultor de Linha 17 de Junho. Com muito orgulho e conhecimento, o rapaz é a terceira geração na propriedade que cultiva hortaliças para a Cooperativa dos Produtores Rurais (Cooprova).

Ao lado dos pais, Sandro e Simone Dornelles e dos avós Isolde e José, Thiago já vem incentivando a irmã mais nova, a Sabrina, 8 anos, a permanecer no campo. “Meu avô iniciou com as hortaliças plantadas no chão. Ajudou a fundar a Cooprova. Depois meus pais pararam de plantar o fumo e nos dedicamos exclusivamente às verduras”, conta Thiago.

O jovem produtor ajudava a família desde pequeno e decidiu permanecer e investir no campo. Há dois anos, Thiago voltou do quartel e buscou inovar na propriedade. “A gente precisava mudar e com a ajuda dos meus pais investimos nas estufas e na hidroponia. Agora temos verduras o ano todo.”

Todas as sextas-feiras a família realiza feiras nos fundos do prédio da Prefeitura, no prédio da Cooprova, e ao longo da semana efetua entregas em mercados, fruteiras e restaurantes, além de atender programas de alimentos na cooperativa.

Hoje, além das terras próprias, a família já aluga terras próximas e cultiva sete hectares com milho verde e hortifrutigranjeiros dos mais variados. “Seguir os passos da minha família é gratificante. Isso representa muita coisa na nossa vida. Me sinto orgulhoso, pois somos poucos jovens querendo ficar na lavoura”, afirma Thiago.

O avô de Thiago não esconde a satisfação de ver o filho e agora o neto seguir os passos que ele iniciou. “Hoje as coisas já são mais fáceis. Na minha época a gente plantava tudo no chão, agora já temos estufa e a hidroponia. Para mim é um orgulho ver meu neto no interior”, comenta José.

Após voltar do quartel, Thiago optou por seguir no campo e investir no cultivo de hortaliças (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)

Thiago diz que não se imaginava morando ou trabalhando na cidade, por isso, optou por trabalhar com a natureza e ter o contato com a terra. “Minha meta é ampliar, comprar algumas terras que hoje a gente ainda precisa arrendar e com isso, aumentar a produção e conseguir um alvará para vendedor ambulante. Quero ficar aqui. Seguir com a tradição e colocar em prática o que meus pais e avós ensinaram.”

Gestão de Propriedade

Conforme a professora do Curso Técnico em Agronegócios da Univates, Mirian Fabiane Strate, a agricultura familiar se diferencia dos demais tipos de agricultura pois nela a gestão da propriedade é compartilhada pela família e os alimentos produzidos nela constituírem a principal fonte de renda para essas pessoas. “No Brasil, a atividade envolve aproximadamente 4,4 milhões de famílias e é responsável por gerar renda para 70% dos brasileiros no campo, segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)”, explica.

De acordo com o censo agropecuário de 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 77% dos estabelecimentos agropecuários são classificados como sendo de agricultura familiar. A professora, formada em biologia, mestre e doutoranda em Desenvolvimento Rural, cita que o censo também aponta que a agricultura familiar no país é responsável por empregar 10,1 milhões de pessoas e corresponde a 23% da área de todos os estabelecimentos agropecuários. “Os homens representam 81% dos produtores e as mulheres 19%. A faixa etária de 45 e 54 anos é a que mais concentra agricultores e apenas pouco mais de 5% deles completaram o ensino superior.”

Mirian enfatiza que, com o êxodo rural, percebe-se uma masculinização e o envelhecimento no campo, o que afeta a produção de alimentos para o mercado interno e exportação. “O êxodo rural revela a transição demográfica, com o crescimento das cidades e esvaziamento do meio rural, esse intenso processo migratório teve início na década de 70, com a Revolução Verde e a mecanização da atividade rural e continua acontecendo até hoje.”

Entre as causas do êxodo a professora do curso técnico em Agronegócios enumera vários itens como: “a busca pela escolarização, maior integração cidade-campo através da expansão urbana, insatisfação do jovem com o ganho obtido na agricultura, dificuldades nas relações familiares, a penosidade e a imagem negativa do trabalho agrícola.”

A pequena Sabrina tem o sonho de trabalhar ao lado do irmão e seguir com os ensinamentos da família (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)

Para o jovem permanecer no campo são necessários incentivos

A professora Mirian Fabiane Strate explica que na região dos Vales do Taquari e Rio Pardo pode-se observar dois tipos de êxodo: o rural e agrícola. “O êxodo rural se configura na migração do jovem do ambiente rural para o urbano, enquanto o êxodo agrícola ocorre quando o jovem reside no meio rural, mas não exerce atividade agrícola, ou sua renda não depende da propriedade”, comenta Mirian.

A professora também comenta que conforme dados do Censo Agropecuário de 2017, percebe-se que vários municípios perderam mais de 10% da população rural, que migraram para áreas urbanas. “Isso evidencia a urgência de programas de sucessão rural, com uma abordagem ampla, que dialogue com as famílias rurais, a fim de conhecer sua realidade e necessidades.”

Permanência no campo

Algumas condições estruturais também podem facilitar a tomada de decisão e a permanência do jovem no meio rural, de acordo com a doutoranda em Desenvolvimento Rural, como o acesso à internet, opções de lazer e acesso à educação, em nível básico, e também técnica e superior. Mirian destaca que as políticas públicas intersetoriais estaduais e municipais, de estímulo à permanência do jovem na agricultura são fundamentais. “Elenco a educação do campo, mantendo escolas no meio rural, com uma proposta pedagógica que dialoga com a ruralidade, com os saberes da comunidade e suas práticas.”

As formações em nível técnico e superior também garantem subsídios para a profissionalização das atividades da propriedade, por isso, Mirian reforça que é fundamental que o poder público garanta estradas que facilitam o deslocamento até o meio urbano, acesso à internet de boa qualidade, acesso aos serviços de saúde, lazer comunitário e valorização da cultura, contribuem para a construção da identidade do jovem rural. “Políticas públicas federais como programas de moradia para jovens rurais e acesso à crédito para empreender e inovar, são fundamentais para a construção da autonomia do jovem agricultor empreendedor e assim podem garantir a sustentabilidade da propriedade.”

“Ser agricultor (a) hoje é uma atividade importante. O crescimento populacional, agravamento da crise ambiental e a necessidade da promoção de segurança alimentar e nutricional, evidenciam a importância do acesso à formação técnica- científica na agricultura.”

MIRIAN FABIANE STRATE- Professora e doutoranda em Desenvolvimento Rural

    

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