Nas últimas semanas o assunto que pauta as rodas de conversa é o aumento do valor de itens da cesta básica. O arroz, o óleo de soja e o leite são alguns alimentos que tiveram aumento do preço nas gôndolas dos supermercados.
Alguns até atrelam esse acréscimo dos itens na outra ponta: no produtor, pois acreditam que o produto vem mais caro da lavoura. Entretanto, a discussão de entidades e organizações é para justamente mostrar à população que a alta nos produtos agropecuários não pode ser atribuída ao produtor rural.
O superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Lucchi, esclarece os principais pontos relacionados ao comportamento dos preços de alguns alimentos em 2020. Segundo ele, a alta observada nos produtos agropecuários não pode ser atribuída ao produtor rural. Lucchi destaca o compromisso do setor agropecuário em garantir a oferta de comida para a população durante a pandemia.
O engenheiro agrícola da Emater-RS/Ascar de Venâncio Aires, Diego Barden do Santos, explica que o produtor também está comprando seus insumos com preço elevado, devido à alta no dólar. “Com a valorização do dólar, o estrangeiro tem mais poder de compra e acaba elevando o produto internamente. Devemos reforçar que o produtor também está comprando seus insumos em um preço elevado, a produção também encareceu.”
A defasagem do real e a valorização da moeda internacional influenciam na cotação dos produtos agrícolas de acordo com Santos. “Todo o sistema está em uma cadeia”, destaca. Ele frisa que essa conta tem relação com a balança comercial agropecuária.
O engenheiro agrícola da Emater também ressalta que muitos insumos aumentaram de valor e esclarece o lado do produtor: “Se a gente pensar no produtor de leite, ele ganha o mesmo valor que ganhava em 2016. Mas o custo para ele produzir subiu. Lá no mercado, o produto final, para o consumidor também subiu. Mas no interior o produtor ganha o mesmo”.
“O produtor não é o culpado pelo aumento no valor dos alimentos. Esse custo está dentro do mercado de preço com a cotação internacional. Com a valorização do dólar, o mercado interno também aumenta seus valores, com isso, traz tudo para cima.”
DIEGO BARDEN DOS SANTOS- Engenheiro Agrícola da Emater
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Entrevista
A assessoria de imprensa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) entrevistou o superintendente Bruno Lucchi, que esclareceu os principais motivos relacionados ao aumento dos preços de alimentos da cesta básica em 2020. Confira a entrevista:
Por que os preços de alguns alimentos subiram?
Bruno Lucchi – As atividades agropecuárias são caracterizadas por ciclos de produção, que vão de meses a anos. Isso é de extrema importância para entendermos o comportamento dos preços dos produtos agropecuários e os fundamentos da relação entre oferta e demanda. Vejamos o exemplo da carne bovina. A oferta de animais diminuiu bastante por conta do desestímulo à produção no passado. De 2015 a 2019, a arroba valorizou 5,9%, enquanto a inflação geral subiu 20,9% e a média do custo de produção de recria e engorda de animais no País subiu 32%, e para a cria esta elevação passou dos 50%.
Com menor margem de lucro, boa parte dos produtores rurais decidiu pelo abate de fêmeas, tanto jovens quanto matrizes, para financiar o caixa da atividade, reduzindo naturalmente a disponibilidade de bezerros, o que consequentemente impacta na oferta de carne aos consumidores. Neste ano, a redução de oferta, bem como o maior intervalo nas escalas de abate, forçou a valorização no preço da arroba que, diferente das projeções iniciais, atingiu R$ 230 em agosto, alta de 48% em um ano. Mas, por outro lado, tivemos aumento dos custos de produção. O preço do bezerro pelo indicador Cepea/Esalq/USP subiu 60,5% de agosto de 2019 para o mês passado. O milho subiu 55% no mesmo período. E mesmo com melhores estímulos de preço ao produtor, a estimativa da produção de carne do Brasil para este ano é 5% menor.
O produtor tem alguma responsabilidade pelo aumento dos preços?
Não. Podemos afirmar que a maioria das atividades agropecuárias recuperou os preços dos seus produtos. No entanto, esses aumentos têm sido acompanhados pela alta no custo de produção, o que demonstra que o produtor não está tirando vantagem sobre os outros elos da cadeia. Muitos produtores têm trabalhado com margens negativas, mas não pararam de trabalhar, mesmo na pandemia. O compromisso dele neste tempo todo foi garantir o abastecimento da população. O setor agropecuário chamou para si a responsabilidade de garantir a oferta de alimentos. Nenhum dos rumores de desabastecimento se confirmou. As propriedades adotaram medidas de segurança sanitária para não interromper o processo produtivo, mesmo com aumentos significativos nos custos de produção tanto na produção primária quanto na agroindústria.
O que justifica esses aumentos? Fatores de mercado? Sazonalidade? Exportações?
A relação entre oferta e demanda pode impactar o mercado e provocar a alta dos preços dos alimentos. Tivemos também uma sazonalidade negativa para vários produtos. Os preços no mercado internacional também podem influenciar as cotações domésticas. No caso do arroz, por exemplo, a demanda se apresentou elevada durante os meses de março e abril em função da pandemia. Historicamente, esses deveriam ser os piores meses de preço em função da safra. No entanto, houve quebra na produção de importantes países produtores, como Índia e Tailândia, o que resultou na ampliação acentuada do preço no mercado internacional. No acumulado até agosto, o preço médio do arroz no cenário internacional se elevou em 29%.
Como a pandemia influenciou neste cenário?
Estamos pagando a conta da Covid agora. Não apenas o produtor, mas todos os elos da cadeia produtiva. Por isso, medidas como a retirada do imposto de importação para alguns alimentos pode afetar a oferta de alimentos no médio e no longo prazo. Seria uma intervenção artificial que nesse momento pode gerar desestimulo a intensificação do processo produtivo, comprometendo o aumento da produção tanto dos produtos agrícolas quanto da pecuária. É uma visão imediatista que pode comprometer seriamente a produção de alimentos.
Cada cultura (arroz, feijão, óleo de soja, soja, milho) é um caso que deve ser analisado à parte?
Cada uma tem suas peculiaridades. Não podemos atribuir o mesmo comportamento a todas. Mas de uma forma geral, os custos de produção subiram para a maioria destas culturas.
Há alguma previsão deste cenário de alta ceder?
Acreditamos que os preços irão se adequar assim que os efeitos sazonais de produção passarem, bem como a regularização de oferta, via novos estímulos a produção. Na pecuária bovina, por exemplo, a oferta de animais para abate provavelmente aumentará a partir do último trimestre do ano em função da melhoria do maior processo de intensificação e devido a melhoria das condições das pastagens. A produção de leite, uma das mais afetadas pela pandemia, deve ter a produção acelerada em setembro em algumas regiões também em função do início das chuvas e melhor remuneração do produto. Tudo isso pode sinalizar redução dos preços aos consumidores, pois teremos aumento na oferta desses produtos.
Mesmo com a pandemia, o setor não parou de produzir para garantir o abastecimento, principalmente para o mercado interno. Mas as exportações também tiveram crescimento neste ano. O aumento da demanda internacional pode causar risco de desabastecimento?
Quanto às exportações, o aumento da demanda internacional e o dólar favoreceram as vendas externas, que são essenciais para a economia e para a geração de divisas para o País. Entretanto, a elevação dos preços internamente não está necessariamente ligada às exportações porque o mercado interno consome a grande parte do que produzimos. O que vai para fora são os excedentes.
*Com informações da Assessoria de Imprensa da CNA