Não é de hoje que os jogos eletrônicos são uma febre mundial. Desde a década de 1980, com os jogos arcade nos fliperamas, até os jogos ultrarrealistas de hoje, os videogames são o passatempo preferido dos jovens, pois, além de entreter, são uma forma de estar com os amigos e também de fazer novas amizades. Mas nesses quase 40 anos esse mercado, assim como todo o mundo, passou por diversas mudanças. As lan houses, ponto de encontro dos adolescentes em outras épocas, perderam seu espaço com a popularização dos consoles e computadores. A partir disso e da ascensão dos jogos on-line, outra mudança aconteceu: as relações de amizade entre os jovens.
Consumidor de jogos eletrônicos desde pequeno, o diplomado de Psicologia pela Universidade do Vale do Taquari (Univates) Marcos Desbessel pesquisou em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) o tema ‘Jogos on-line e as relações de amizade entre os jovens’. O objetivo do estudo foi identificar os processos de produção das relações interpessoais dentro dos jogos on-line, tendo como um dos principais questionamentos como os jogos poderiam ser um facilitador (ou não) das relações. Para isso, o diplomado utilizou o método de revisão sistemática para nortear a pesquisa de artigos vinculados ao tema da produção de amizades dentro dos jogos on-line, refletindo na busca por pensamentos diferentes sobre os videogames em relação à adolescência, tendo a possibilidade de aprofundar um tema contemporâneo por meio da discussão sobre os resultados das pesquisas já realizadas. Marcos conta que sempre quis entender melhor os processos que produzem uma relação interpessoal, ou mesmo o que desfaz esse processo. “Na época do TCC I, em que escolhemos o assunto para produzirmos nossa pesquisa, me questionava sobre como poderia juntar esse interesse nos processos de construção dos vínculos interpessoais e, ao mesmo tempo, produzir algo novo no mundo acadêmico”, explica.
“Então tive a ideia: desde pequeno sempre gostei muito dos jogos eletrônicos e há muitos anos jogava on-line. Dessa forma, comecei a perceber um caminho que meu trabalho poderia tomar, que, além de todo o conteúdo acadêmico, traria um melhor entendimento sobre as minhas relações ‘virtualizadas’”, relata Marcos. Ele afirma que não encontrou muitos exemplos de pesquisas similares no Brasil, algo que o motivou ainda mais por ter a possibilidade de descobrir algo novo. Tendo esses dois interesses em comum, o então estudante resolveu se aventurar em um tema pouco explorado, mas muito relevante em uma época em que os jogos on-line estão em constante crescimento. “Hoje, em razão da pandemia, os jogos tomaram uma proporção gigantesca, tendo transmissões em TV fechada de campeonatos nacionais e internacionais, o que há alguns anos não se imaginaria. A população jovem busca não apenas jogar os jogos, mas também consumir o produto midiático deles”, comenta.
O mundo do games
Para Marcos, é preciso entender esse “outro mundo”, não apenas negá-lo ou procurar seus pontos negativos, como muito se fez nos últimos anos. “Percebi nas minhas pesquisas que existem pontos positivos e negativos nessas relações de amizade, não apenas em relações puramente virtuais, mas em ter o local on-line como centro de vida. Assim, as relações que se originam na internet devem ser melhor estudadas, tanto em questões sociais, de pensarmos a apresentação desse contexto como sociedade e na própria capacidade de os adolescentes estarem vinculando-se sem a necessidade desse meio on-line”, explica.
Conforme a orientadora de Marcos, professora Suzana Feldens Schwertner, “pesquisa é curiosidade, é se perguntar e buscar possibilidades de respostas com a sua investigação”. A professora conta que Marcos leu mais de 900 trabalhos (a maioria em inglês) e chegou à análise de 17 em especial: nenhum deles era fruto de produção brasileira. De acordo com os resultados das pesquisas, os jogos on-line podem proporcionar a criação de novos vínculos, que inclusive podem se estender para o mundo off-line e criar ainda outros modos de relação. “Gosto muito de incentivar a escolha do tema de TCC a partir das paixões dos estudantes e do modo como eles foram se apropriando das teorias ao longo do curso. Fala-se tanto sobre os aspectos negativos desses materiais para os jovens, mas há tantos pontos positivos que são esquecidos e pouco pesquisados. Os jogos, por exemplo, hoje parecem alvo de patrulhas que não param de apontar malefícios ao desenvolvimento dos jovens”, exemplifica.
Marcos destaca o fato de o mundo virtual ter uma espécie de “fuga” a qualquer momento, ou seja, se não quiser mais esse espaço, é só desligá-lo. As relações virtuais são mais “líquidas” do que as da realidade, o que é tanto um ponto positivo quanto negativo, cada pessoa utiliza de uma maneira. “A adição a jogos on-line é algo sério e relevante, mas penso que precisamos olhar o problema para além do simples ‘vício’. Muitas vezes a busca de relações interpessoais dentro dos jogos on-line é o único ambiente em que algumas pessoas se sentem seguras para se relacionar”, finaliza.
“Orientar o Marcos foi muito fácil e divertido: acredito que quando trabalhamos naquilo que efetivamente nos proporciona curiosidade e buscamos articular elementos que parecem (a princípio) tão distantes, estamos criando algo novo. Imaginem esse trabalho sendo realizado agora, em 2020, em meio à pandemia? Penso que o Marcos, de algum modo, antecipou alguns temas de que estamos tratando hoje, especialmente no mundo da Psicologia”, diz a professora Suzana Feldens Schwertner.