Quem olha o caderno todo ‘em ordem’ não imagina os desafios enfrentados pelo pequeno Daniel Luiz Nowotny, 9 anos, morador de Linha Silva Tavares, terra da Figueira Centenária da região serrana de Venâncio Aires. O aluno da Escola Estadual de Ensino Médio Sebastião Jubal Junqueira, de Vila Deodoro, encontrou durante a pandemia um desafio para estudar e colocar em prática os ensinamentos do 4º ano. Na localidade onde reside o sinal de internet é precário e, recentemente a mãe, Carine Inês Becker, 28 anos, e o pai Ari Nowotny, 40 anos, encontraram uma solução no topo de um morro próximo da residência.
Para ter acesso ao sinal 4G é necessário que o pequeno Daniel percorra, ao lado da mãe e do irmão Gabriel Henrique, 2 anos, um trajeto de aproximadamente dez minutos, a pé. A estrada que passa em frente à residência entrepassa por galpões, um córrego, estrada estreita com muitas pedras, túneis de árvores antes de chegar até o pé de pinheiro. No entanto, quem pensa que o caminho é fácil não imagina os empecilhos do percurso em um dia de chuva. “Não dá para ir sem botas sete léguas pra lá”, relata o estudante, que se arrisca em ir de chinelo apenas em dias de sol. Mesmo assim, semanalmente, ele ‘encarra’ o morro para encontrar o pinheiro, ponto no qual está o “sinal cheio” da internet.
“O que eu puder fazer pelos dois, eu vou fazer. Depois as oportunidades vão surgir.”
CARINE INÊS BECKER – Mãe de Daniel e agricultora
O sinal foi encontrado por acaso, pela mãe. “Um dia esqueci de deixar meu celular em casa e ele ficou no bolso enquanto fui para a lavoura. Chegando lá, pensei em olhar para ver se tinha sinal e quando vi, funcionava melhor que aqui dentro de casa”, conta. Mas, não bastassem os desafios para encontrar o tão temido sinal de internet, a família também precisou driblar a necessidade por um aparelho de celular que fosse compatível com as plataformas de ensino remoto. “O sonho era ter comprado um notebook, mas o dindo de Daniel, Armin Baier, o presenteou com um celular”, lembra Carine.

Criador de histórias
Pintar e criar histórias estão entre as tarefas preferidas de Daniel. Em uma turma de apenas cinco alunos, acompanha os ensinamentos repassados pela professora Liviane Cristina Keller. “Eu sempre presto atenção no que a ‘profe’ explica e anoto tudo no caderno. Depois venho para casa e faço as atividades”, pontua. Além de participar das atividades remotas, a mãe também busca uma vez por mês as atividades na escola, em Vila Deodoro. “A professora faz uma aula por semana e nos explica as atividades”, esclarece. Sempre que as atividades são buscadas no educandário, Carine também leva um dos três cadernos do filho para que a professora possa conferir as demandas.
Orgulhosa, a mãe não esconde o esforço que faz para ofertar educação para o filho. “Faço meu máximo. Quero proporcionar para eles a educação que não tive. O estudo é o caminho”, diz Carine, emocionada ao recordar-se das dificuldades enfrentadas na época de estudante.
Faça chuva ou faça sol
A primeira aula, há duas semanas, foi em um dia chuvoso. Dia de desafio para Daniel e a mãe que subiram o morro munidos de guarda-chuva e mochila. A turma do estudante é multisseriada, ou seja, ele estuda com alunos do 5º ano. O pequeno estudante reconhece que as aulas on-line ainda são um desafio e que poucos colegas conseguem participar. Da turma dele, apenas ele e outro colega conseguem acessar a aula.
A professora Liviane se emocionou na primeira aula quando viu que mãe e filho estavam no meio da lavoura participando da atividade. “Confesso que no dia que o Dani entrou na Sala Virtual em meio à chuva, frio, no meio da roça, chorei quando desliguei o computador. E logo em seguida resolvi compartilhar, no Facebook, o meu orgulho e satisfação. Assim como elogiar a mãe do Dani especialmente, e sua família”, conta.

A educadora reforça que a participação dos pais é de extrema importância em qualquer processo de ensino e aprendizagem, seja virtual ou presencial. Mas, a pandemia trouxe inúmeros desafios também para os pais. “A grande maioria não domina o básico da tecnologia. Então, quando começamos a usar a plataforma fizemos um dia de treinamento para pais, alunos, irmãos mais velhos, todo mundo entrou na roda. Pedimos para trazer os celulares e simulamos uma vídeo aula pelo Google Meet. E deu certo. Todos seguiram o passo a passo e no dia e horário marcados todos conseguiram acessar”, conta, entusiasmada.
“Precisamos acompanhar, estimular, pois os pequenos acabam perdendo a vontade de estudar. Meu filho sempre foi um bom aluno, mas temos cada embate na realização das atividades dele. Isto que supostamente tenho toda a didática. Então segue um recado para os pais: ‘Tamo junto’.”
LIVIANE CRISTINA KELLER – Professora
Incentivo
A pandemia reforçou a necessidade da presença dos pais no ensino dos filhos. A professora Liviane salienta que o trabalho como educadora dobrou nesse período. Isso porque ela pensa cada atividade de acordo com o aluno e suas condições de acesso. “Cada atividade é pensada para os que têm acesso e os que não têm. Por exemplo, quando pedimos uma fotografia, um vídeo os que têm os recursos mandam virtualmente. Já os que não têm acesso fazem um desenho no caderno ou fazem o relato presencial para mim ou de forma escrita”, exemplifica.

Internet deixou de ser luxo
O coordenador do Arranjo Produtivo Local de Agroindústria e Alimentos da Agricultura Familiar do Vale do Rio Pardo (APL/VRP) e professor da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul, João Paulo Reis Costa, ressalta o grande desafio para dar aula durante a pandemia. “Há uma dificuldade muito grande na questão da internet e do sinal telefônico. Assim como a questão de energia elétrica, que é muito falha, principalmente, no interior. O momento é de muita superação”, observa.
Para os profissionais da área da educação, de acordo com ele, é um grande desafio lidar com as dificuldades pessoais de cada aluno. “As dificuldades são muito grandes e mais uma vez percebemos que o campo fica à margem de acesso porque as empresas acabam não tendo interesse em investir nessas propriedades”, salienta.
Costa observa que o investimento para um sinal de internet não é alto. “Um política pública resolveria esse problema e proporcionaria juventude para o campo.” Para o professor, a internet tornou-se muito mais que uma forma de lazer, mas meio essencial para o trabalho. “Faz um bom tempo que a internet deixou de ser luxo e passou a ser necessidade de vida, cultura, trabalho, segurança e produção. Nós não estamos falando de algo supérfluo, é algo essencial e importante para garantir minimamente condições aproximadas ao o que o meio urbano tem primeiro”, conclui.
*Por Ana Carolina Becker e Rosana Wessling
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