Quando os antepassados começaram com o cultivo do tabaco, talvez não imaginavam que as gerações seguintes iriam adaptar a cultura conforme o clima e uma série de fatores. O que parecia uma receita pronta, um padrão, começa a ser modificado pelos produtores conforme a localização da propriedade, experimentos e técnicas compartilhadas com outros agricultores do ramo são adaptadas e testadas.
Enquanto alguns produtores de tabaco de Venâncio Aires iniciaram a semeadura antecipada da safra 2021/2022, outros estão na fase do repique, pois, em maio, já estarão transplantando as mudas para a lavoura. Já a família Reckziegel, em Linha 17 de Junho, está colhendo o baixeiro de uma segunda safra dentro da 2020/21. A produção não irá representar uma quantidade maior do que a comercializada em outros anos, mas, sim, dividida em duas etapas. Dessa forma, a venda ainda ocorre dentro da cota da família com a indústria integradora, na atual safra.
Jorge Matias Reckziegel, 54 anos, a esposa Ilaine Maria Machry Reckziegel, 55 anos, e a filha Janaína Reckziegel, 29 anos, decidiram cultivar uma safra de tabaco fora de época. Na segunda e terça-feira desta semana, realizaram a colheita do baixeiro que será seco em uma fornada. O diferencial é que o tabaco está há cerca de 50 dias na lavoura, afinal, ele foi plantado no dia 26 de fevereiro.
A família decidiu fazer um experimento e cultivar cerca de 20 mil pés de tabaco na entressafra. Por conta, sem apoio técnico e orientação de empresas, eles decidiram arriscar e estão animados com os primeiros resultados. Na manhã da terça-feira, 20, apesar da cerração forte, a família e o colaborador Lau Dias estavam realizando a colheita das primeiras folhas, conhecida como a colheita do baixeiro. “Em comparação à safra normal a folha está maior, mais bonita, estamos vendo bons resultados”, cita Reckziegel.
Há três semanas, no dia 29 de maio, a reportagem da Folha do Mate visitou a lavoura da família e, em menos de 20 dias, o tabaco se desenvolveu rapidamente e dobrou a quantidade de folhas por pé. “A gente está entusiasmado, tem cada pé bonito. É empolgante”, complementa Ilaine.
A família realiza um experimento e a proposta não é plantar mais ou incentivar que os produtores façam isso. “A gente queria tentar, ver os resultados e ver como o tabaco ia se comportar sendo cultivado em uma época fora do tradicional”, esclarece o agricultor. “A gente não está fazendo propaganda ou incentivando essa prática, mas quem pergunta e se interessa, a gente passa informação”, destaca o produtor de Linha 17 de Junho. Ele destaca que, se o experimento der certo, esse pode ser uma nova forma de produzir e aproveitar melhor a propriedade.
Tabaco mais rápido
A família semeou o tabaco da entressafra no dia 15 de janeiro, foram cerca de quatro dias para germinar. Na época tradicional, geralmente em maio, leva de 10 a 14 dias para ocorrer a germinação. Foram apenas 40 dias com as mudas no canteiro até serem replantadas na lavoura. O ciclo normal é de, no mínimo, 70 dias. Com apenas essa mudança no ciclo, a família estima redução de mão de obra. E com 50 dias na lavoura iniciaram a colheita do baixeiro. “A gente fez tudo por conta. Resolvemos arriscar, pois nessa época as empresas nem fornecem sementes, compramos por nossa conta e risco.”
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Uma experiência que pode dar certo e que diminuiu algumas pragas
“Eu gosto do que faço, não reclamo do tabaco. Mas nem tudo são só coisas boas”, afirma Reckziegel, ao se referir aos empecilhos da entressafra. O tabaco está grande, desenvolvido, e na próxima semana a família vai tirar as flores de cada pé. “Após a retirada do baixeiro, ele ‘respira’ e vem com tudo”, salienta.
Apesar da satisfação e dos bons resultados, a família já percebeu algumas pragas e doenças. “Alguns pés estão com o vira-cabeça, que é transmitido por um pequeno inseto chamado tripes.”
Conforme o agricultor o prejuízo é mínimo, mas alguns pés tiveram o desenvolvimento da doença. “A gente não sabe se é o clima ou a variedade das sementes, pois nunca plantamos essa.” O produtor ressalta que a área onde o tabaco está sendo cultivado e está desenvolvendo o vira-cabeça não tinha tabaco anteriormente.
Além disso, a mandarová do fumo está atacando alguns pés. A lagarta, de cor verde, ataca as folhas do tabaco e as consome, prejudicando a qualidade e o desenvolvimento da folha. Atualmente, além do combate manual pela família, um outro inseto está consumindo a lagarta e combatendo-a.
Todavia, Reckziegel já percebeu uma doença que não se desenvolveu nessa época. Na safra normal, a murcha bacteriana ataca inúmeros pés de tabaco de algumas variedades que causa problemas na raiz. “Quando ela ataca, o pé está condenado, não tem o que fazer. A gente vem percebendo que a cada ano está maior a muchadeira no tabaco, um problema recorrente que as empresas precisam começar a estudar e orientar mais o produtor. Falta estudo em cima disso”, considera.
Porém, na entressafra, a família não percebeu esse tipo de problema. “Pode ser uma solução. Talvez a época influencie”, comenta Reckziegel.
Semeadura do tabaco
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A família Reckziegel irá semear o tabaco da safra 2021/2022 em 14 dias. Mas a proposta já é reduzir de 75 mil para 60 mil pés. “A gente ainda vai semear um pouco mais pois não sabemos os resultados desse que está na lavoura. Se der certo, a gente planta só metade e as outras mudas a gente vende e, no ano seguinte, faz duas safras de novo”, projeta o produtor.
O que diz a indústria
A reportagem da Folha do Mate entrou em contato com a China Brasil Tabacos (CBT), uma das empresas nas quais família é integrada, para uma opinião técnica sobre o experimento em Linha 17 de Junho. A CBT informou que cada região tem um período ideal de semeio e transplante. “Esses períodos ideais para cada região foram determinados ao longo dos anos, com base em pesquisas agrícolas”, informou a empresa.
Da mesma forma, a CBT destacou que “compreende e respeita a estratégia, mas ressalta que a mesma envolve alguns riscos para a produtividade e qualidade do tabaco, que podem variar de uma safra para outra, também de acordo com as condições climáticas. Por isso, a adoção de um período alternativo de transplante deve ser uma decisão exclusiva de cada produtor, de acordo com as peculiaridades de sua propriedade.”