Muitas áreas e trabalhos foram afetados durante a pandemia da Covid-19, pessoas perderam seus empregos e novas opções foram surgindo como forma de sobrevivência. A categoria dos motoboys profissionais foi uma delas. A quantidade de pessoas informais trabalhando no ramo de entrega teve aumento expressivo desde o início da pandemia e essa situação traz reflexos para a vida de muitos gaúchos.
O presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindimoto-RS), Valter Ferreira, relata que houve um aumento na quantidade destes trabalhadores já no primeiro ano da pandemia, ou seja, em 2020. “Desde que as normas e decretos que restringiram o convívio social foram estabelecidas, o número de motoboys para entregas começou a crescer”, afirma. No segundo semestre do ano passado, o aumento já era registrado em 15%, conforme Ferreira. O percentual médio, nos municípios gaúchos, de incremento no número de motoboys desde o início da pandemia do novo coronavírus, é de 35%, conforme dados do Sindimoto-RS.
De acordo com o presidente, um dos motivos que originou este aumento foi o grande número de demissões que ocorreram em outras áreas trabalhistas desde o início da pandemia. “Profissionais de outros setores da economia perderam seus empregos e vislumbraram na tele-entrega uma nova chance”, relata. Na capital gaúcha, Porto Alegre, o número de profissionais do ramo saltou de 18 mil, antes da pandemia, para 45 mil, atualmente. “Comparada às quantidades que tínhamos antes da pandemia, agora quase no segundo semestre de 2021, posso afirmar que o número mais que dobrou”, completa.
Desvalorização
Hoje, a categoria dos motoboys profissionais, como denomina Ferreira, sofre com o aumento de trabalhadores informais na área. “Os motoboys hoje trabalham dobrado, em torno de 16 e 17 horas por dia, para ganharem o mesmo que recebiam antes da pandemia”, explica. O ‘inchaço’ da mão de obra fez com que o preço das entregas fosse reduzido. “Iniciantes da área realizam entregas a qualquer valor”, completa. O desejo da categoria é que o economia se restabeleça o quanto antes, para que o volume de trabalhadores diminua e que os profissionais possam voltar a ter o mesmo rendimento.
“Infelizmente, hoje a sociedade vê o profissional motoboy como aquele que infringe as leis de trânsito. Nós trabalhamos com competência para fazer essas pessoas pensarem diferente. Existe falta de vontade e competência política para regularizar a profissão. Espero que depois da pandemia as pessoas pratiquem mais a empatia e a cidadania.”
VALTER FERREIRA
Presidente do Sindimoto-RS
Regulamentação
O presidente do Sindimoto-RS explica que o profissional regulamentado na profissão cumpre o que diz a Lei Federal nº 12.009/09 e a Resolução 410/12, que exige um curso para aquele que deseja atuar na área como profissional do transporte de cargas, além dos itens de segurança listados na Resolução 356/10.
As profissões de motoboy e moto táxi são reconhecidas pelo Ministério do Trabalho como legais e têm os direitos assegurados. Cabe a cada município possuir um regramento para a categoria, o que conforme Ferreira, geralmente não acontece. “Hoje já não temos condições de dizer quem é profissional ou não, a maioria anda sem itens de segurança e sem colete refletivo. O transporte de produtos fora da regulamentação da lei é considerado crime”, destaca.
- Valter Ferreira comenta que há 120 dias, a Lei 12.009/09 foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por denúncia de inconstitucionalidade, porém a decisão não foi para frente. O STF considerou a lei que regulamenta a profissão de motoboy como 100% correta e constitucional.
Acidentes
• Outra derivação da pandemia, conforme o presidente do Sindimoto-RS, Valter Ferreira, é o aumento do número de acidentes envolvendo os profissionais da área. “Os iniciantes neste trabalho não têm a mesma habilidade e preparo que os profissionais motoboys. Neste ramo, há grande exposição a riscos, instabilidade do tempo, e quem adentra neste meio de qualquer jeito, tem apenas o que aprendeu no CFC, em circuito fechado”, argumenta. Ferreira afirma que a faixa etária dos acidentados varia entre 18 e 30 anos.
Motoboy profissional
• Ter no mínimo 21 anos.
• Possuir no mínimo dois anos de habilitação na categoria A.
• Apresentar ‘ficha corrida’ espedida pelo Poder Judiciário.
• Constar na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) o uso da mesma para exercício da atividade remunerada.
• Possuir motocicleta com a placa vermelha.
• Usar itens de identificação como colete refletivo e baú.
A rotina dos motoboys em Venâncio Aires
Quem vive deste trabalho é Patrícia Mara Severo Batista, 31 anos, e Thiago Rafael Batista, 32 anos, mais conhecido como Bulica. O casal é proprietário da equipe de motoboys Rapidex, que é formada por seis profissionais.
Patrícia destaca que estão neste ramo desde 2013 e, por conta da pandemia e do aumento do serviço de entregas, no ano passado foram adquiridas mais duas motocicletas, além das quatro que já possuíam, e mais dois trabalhadores foram contratados. “A demanda triplicou com a pandemia”, observa.
A entregas são feitas para lancherias, oficinas, laboratórios e restaurantes da Capital do Chimarrão e em cidades da região, como Santa Cruz do Sul e Lajeado. Durante o dia, a demanda maior é por entregas de qualquer tipo e, durante a noite, lancherias tomam conta de todo serviço da equipe. Nos fins de semana, o time de motoboys ainda recebe reforço de dois automóveis que também realizam entregas.
De acordo com Patrícia, a equipe inteira é regularizada e respeita as normas de segurança, além das motocicletas que circulam somente com a placa vermelha, que define o veículo destinado a entregas. Dois motoboys são fixos e regularizados, já os demais trabalham somente à noite, pois durante o dia possuem outra profissão. A proprietária da equipe revela que o número de entregas diárias varia, assim como o valor, que depende do destino do produto. “Nossos custos durante a pandemia também aumentaram, principalmente com a gasolina”, comenta.
Os acidentes de trânsito são raros na equipe de Patrícia e Thiago. “Somente eu e meu marido nos acidentamos, os nossos motoboys, graças a Deus, não. Sempre orientamos para cuidarem bastante”, diz.
Mais antigo
Um dos motoboys fixos da equipe de Patrícia e Thiago é Gabriel Severo, 24 anos. O jovem atua no ramo há três anos e meio e certifica que, durante a pandemia, viu muitas pessoas virarem colegas de profissão. “Pelo menos triplicou o número de motoboys”, estima.
Severo é o motoboy mais antigo da equipe e atende cidades como Santa Cruz do Sul, Vera Cruz, Novo Hamburgo, Rio Pardo, Teutônia, Estrela e até Porto Alegre com a motocicleta. “Sempre estou atento. Ando mais cuidando dos outros do que de mim mesmo. O ruim de ter muitos motoboys novos é que eles andam muito rápido e não respeitam os demais veículos”, acrescenta.
O motoboy é pai de um filho de 2 anos e casado. Ele, que sempre gostou muito de andar de moto, hoje não se vê trabalhando em outro ramo. “Já trabalhei como chapeiro em uma lancheria e há três anos optei pelas entregas. Sendo motoboy conheço muitas pessoas novas, gosto do que faço e não em vejo em outra profissão”, afirma.
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