HSSM registra aumento de até 1.000% em medicamentos usados contra a Covid

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Mesmo quem não entende de economia, sabe que, anualmente, os preços de produtos e serviços sofrem reajustes. Isso vale para qualquer segmento e a tendência natural é que os salários e os investimentos recebidos sigam o mesmo caminho, para que o poder de compra se mantenha.

Mas, e quando o aumento vai muito além da inflação e chega a patamares até então nunca aplicados? Essa tem sido a realidade enfrentada pela maioria dos hospitais gaúchos que, em plena pandemia, vivem à mercê da falta de medicamentos ou pagam muito caro por eles. O maior problema é que as principais carências afetam diretamente o ponto mais sensível da saúde desde 2020: a Covid.

No Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), os valores dos itens mais usados para o tratamento contra o coronavírus tiveram aumentos que variam de 50% até 1.300% (veja box). De acordo com dados fornecidos pela Setor de Suprimentos do hospital, entre os medicamentos que tiveram um reajuste assustador está a Fentanila 0,05mg/mL 10ml, um analgésico opióide potente, que pode ser utilizado como analgésico complementar na anestesia geral ou como anestésico isolado. Antes da pandemia, ela custava R$ 6 e hoje é vendida por quase R$ 80 – aumento de 1.333%. Quanto ao consumo da Fentanila, também houve crescimento, mas não chegou à metade da porcentagem reajustada no preço. Passou de 704 ampolas para 3.592 – 510% de elevação na demanda.

Esse aumento nos medicamentos ocorre principalmente com bloqueadores neuromusculares e sedativos, o ‘grosso’ do chamado ‘kit intubação’, como ficou conhecido o pacote de insumos necessários em UTIs que recebem pacientes Covid.

Mas como a maioria dos itens também é fundamental em outras demandas dentro do hospital, os recursos federais exclusivos para a Covid não dão conta de cobrir esse ‘a mais’ na compra. Ou seja, há impacto nas finanças das instituições. “Sedativos, por exemplo, não são usados só para Covid. E nas cirurgias, como fica? Essa inflação atinge todo o hospital e não tem compensação para isso”, destaca o administrador do HSSM, Luís Fernando Siqueira.

Plano B

Conforme Siqueira, desde o início da pandemia não houve falta de medicamentos para os pacientes no hospital, mas foi necessário padronizar novos remédios. “Houve substituição para não desassistir o paciente. Mas o medicamento substituto não é nosso plano A ou temos que usar um que não se usava há anos.”

Medicamentos mais usados

• Atracúrio 10mg/mL 5mL – de R$ 24 passou para R$ 42
• Cisatracúrio 2mg/mL 5 mL – de R$ 33 passou para R$ 98
• Dexmedetomidina 100mcg/mL 2mL – de R$ 26,90 passou para R$ 79,70
• Fentanila 0,05mg/mL 10ml – de R$ 6 passou para R$ 79,99
• Midazolan 3ml – de R$ 6,80 passou para R$ 17
• Midazolan 5mg/mL 10ml – de R$ 7 passou para R$ 69
• Morfina 10mg/mL 1ml – R$ 3,58 passou para R$ 17,80
• Propofol 10mg/mL 20mL – de R$ 8,50 passou para R$ 78
• Suxametônio 100mg 10mL – de R$ 8 passou para R$ 26,90

CPI dos Medicamentos busca informações em Venâncio

O que consta nas planilhas de preços do HSSM também é realidade na maioria dos hospitais gaúchos e foi esse cenário em comum que motivou a criação, em março, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, para tratar da venda de medicamentos e insumos utilizados no combate à pandemia. O deputado Thiago Duarte (DEM) foi o proponente do pedido e, por isso, preside a comissão.

Desde abril, Duarte e outros colegas deputados têm ouvido hospitais do Estado, seja com reuniões virtuais ou presenciais, como a que aconteceu na última quinta-feira, 24, em Venâncio Aires. Além dele, estiveram no HSSM o vice-presidente da comissão, Clair Kuhn (MDB) e o relator, Faisal Karam (PSDB).

Os parlamentares fizeram uma série de perguntas à administração da instituição e um dos pontos levantados foi a compra casada. Ou seja, os hospitais até recebem ofertas, mas para isso precisam comprar outras medicamentos na mesma solicitação. “Não aceitamos isso, é oportunismo. Por isso quando vemos o poder público buscando informações, como é a iniciativa da CPI, dá um alento. Vamos colaborar e fornecer relatórios, e-mails, pedidos de compras, o que for preciso, porque isso precisa ser corrigido”, apontou o administrador do HSSM, Luís Fernando Siqueira. Ao lado dele, na reunião, estava Cássio Severo, farmacêutico técnico responsável e o coordenador de Suprimentos. Conforme Severo, os medicamentos são comprados via plataforma de compras Bionexo (que abrange todo o Brasil), que inclui laboratórios farmacêuticos (fabricantes) e distribuidoras.

Para o presidente da CPI, Thiago Duarte, o que tem acontecido, literalmente, é uma ‘chantagem’ dos vendedores. “Essa venda casada é uma chantagem e já apuramos isso em outros hospitais. O principal problema tem caído sobre as distribuidoras, que fizeram estoque de medicamentos e agora cobram valores absurdos em plena pandemia.”

Trabalho da CPI deve ser concluído em dois meses

O roteiro de reuniões da CPI dos Medicamentos já ouviu cerca de 50 hospitais gaúchos e deve seguir nas próximas semanas. “O Ministério Público já tem atuado com a gente e já conseguimos a quebra de sigilo de 580 mil notas fiscais, para saber quanto cobrou a indústria e as distribuidoras. Além disso, também temos contado com a contribuição dos hospitais, no fornecimento de pedidos de compras e orçamentos”, explicou o vice-presidente da CPI, Clair Kuhn. De acordo com ele, o maior aumento apurado pela CPI foi de 10.000% no custo de medicamentos adquiridos na pandemia.

Objetivos

A CPI deve seguir por mais dois meses e depois deve haver a formalização de uma denúncia para o Ministério Público e Polícia Civil. Entre os objetivos, segundo o deputado Thiago Duarte, está a construção de uma legislação que proteja os hospitais. Como sugestão, ele menciona a venda direta das indústrias, preços tabelados e facilitar o processo de importação para regular o mercado.

“Percebemos que não são só medicamentos Covid, porque a morfina, por exemplo, para Venâncio, teve aumento de quase 500%. Então imagine se não tivesse o recurso extra da Covid, o buraco seria ainda maior.”
FAISAL KARAM – Deputado do PSDB e relator da CPI dos Medicamentos

Apoio

Além do trio de deputados que integram a CPI, a reunião no HSSM contou com a participação do médico Giuliano Steil, delegado do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers). “Entendemos que é importante apoiar essa CPI porque estamos muito preocupados com a possibilidade de faltar medicamentos. Sem medicamento e EPIs, não conseguimos realizar bem nosso trabalho.”



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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