Produtores aflitos com falta de repasses do PAA

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Quando o município de Venâncio Aires foi habilitado no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), em 2014, por meio da Cooperativa dos Produtores de Venâncio Aires (Cooprova), a bandeira da diversificação foi ainda mais defendida no município. Com isso, surgiu a oportunidade de vários produtores rurais do município apostarem ainda mais em novas culturas dentro da propriedade e oferecer alimentos para os programas institucionais.

Ao longo dos anos, o programa foi ‘engrenando’ e a cooperativa teve que organizar os cronogramas e inserir mais produtores. “A gente começa as entregas em meados de julho e vai até novembro. No fim do ano, geralmente somos informados do valor do ano seguinte, nos organizamos e planejamos o próximo ano”, explica a vice-presidente da Cooprova, Mônica Moraes.

Todavia, em 2020 o programa foi executado com todo o recurso, que acabou e a cooperativa não recebeu a sinalização de valores para o próximo ano, no caso, 2021. “Começamos pedindo cautela aos nossos produtores. A gente sempre falava para ir com calma, pois não tínhamos certeza de nada. Mas, como era um programa que sempre estava dando certo, eles foram se organizando e plantando, até porque tem hortaliças que tem ciclo longo”, detalha Mônica.

Mônica, vice-presidente da Cooprova cita que Cooperativa busca alternativas para auxiliar os produtores a escoar a produção (Foto: Rosana Wessling/Folha do Mate)

Até o momento, não há nenhuma sinalização por parte do Governo Federal de liberação do recurso, mas inúmeros participantes já estão perdendo produtos. “Esse é um período em que todos estão produzindo, pois estaríamos em plena execução do programa. E, como era algo que vinha certo, fomos nos preparando. Teve anos que a gente já sabia que o valor viria, mas a gente começava mesmo antes de repassar para os produtores, eles não se importavam, mas repassávamos depois para não perder a época boa de produção”, salienta a vice-presidente.

Conforme representantes da entidade, neste ano, nenhum município foi contemplado. “Alguns estão realizando o PAA este ano, mas são recursos do ano passado, que sobraram ou que ainda não haviam sido utilizados. Como aqui a gente sempre organiza cerca de cinco meses de entregas, o recurso é gasto no ano”, frisa Mônica. No PAA em Venâncio Aires, cerca de 600 famílias são atendidas e 105 famílias produtoras fornecem os alimentos. “No início eram 30 produtores, hoje são mais de 100. Isso mostra a importância do programa e o quanto que nossos agricultores diversificam”, diz Mônica.

O programa é organizado pela Cooprova, que entrega os alimentos, Emater-RS/Ascar, que fornece assessoria técnica para os produtores rurais, e a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social, que cadastra as famílias que se enquadram no programa. Além disso, hoje três entidades são beneficiadas com alimentos do PAA.

Repasses do PAA para Venâncio Aires

• R$ 250 mil, em 2020

• R$ 250 mil, em 2019

• R$ 300 mil, em 2018

• R$ 315 mil, em 2017

• R$ 340 mil, em 2016

• R$ 466 mil, em 2015

• R$ 466 mil, em 2014

Dois meses de prejuízos na lavoura

“Todo dia recebo mensagens de produtores salientando que estão com produtos prontos para venda. Mas os outros programas institucionais não abraçam toda a produção do PAA”, destaca Mônica. A Cooprova tem buscado alternativas para ajudar os agricultores. As entregas estão sendo organizadas para o quartel, presídio e merenda escolar. “A feira também está suprindo bastante produção. Se não fosse ela, não sei como seria. Estamos estimulando para que os feirantes permaneçam no espaço e fiquem durante o ano todo”, completa.

A entidade estima que serão dois meses de prejuízos, pois as famílias agricultoras haviam se preparado para produzir alimentos para serem entregues nos meses de julho e agosto. “Tem coisas que estragam rápido, outras o produtor até consegue segurar um pouco na lavoura”, afirma a vice-presidente da Cooprova.

Delmar de Azeredo Coutinho e Dirce Coutinho, agricultores de Linha Herval, já sentem na pele os prejuízos com a falta do PAA. “A gente ganha cada vez menos em uma agricultura cada vez mais cara”, lamenta o produtor. A família está com 12 mil pés de batata-doce e cerca de 300 caixas de aipim que estão no ponto de colheita e sem mercado. “Sem contar o brócolis, a couve-flor e o repolho que a gente não tem onde entregar.”

O casal estava abastecendo mercados do município, mas há cerca de um mês eles tiveram que reduzir as entregas, pois a saída estava pequena e não tinham lucro. “A gente estava pagando para ir entregar.” Agora, parte da produção abastece os programas como PNAE, PAA Canoas e quartel, mas o volume de produção é alto, e esses programas são com valores menores, sem contar que a situação de Coutinho é vivida por quase 100 famílias agricultoras.

Alternativas

Com os prejuízos, a família já procura soluções. Cerca de 10 hectares da propriedade que antes eram utilizados para as verduras, para o aipim e a batata, agora receberão milho. “Não tem como plantar hortaliça e não vender. Vamos precisar procurar outra renda.” As terras já estão prontas, na sua grande maioria, mas em algumas os alimentos ainda estão plantados. “Vai passar do ponto. E se não tem venda, não sei o que vamos fazer, eu preciso preparar a terra para plantar o milho”, comenta o agricultor.

Coutinho acredita que uma solução seria a Cooprova buscar alternativas dentro do município e não depender apenas de recursos federais. “Uma solução seria agitar outros mercados. Temos tantos supermercados e fruteiras no município. Solução até teria, mas muitos compram de fora por um valor mais barato do que as nossas coisas, tem momentos que é inviável plantar verdura”, cita.

“O que está na roça, a maioria vai se perder. Os outros mercados institucionais não conseguem absorver toda essa produção. A batata-doce, por exemplo, tem um prazo e já está estragando. Apesar de o PAA ser um complemento de renda, nos faz muita falta.”

DELMAR DE AZEREDO COUTINHO -Produtor rural

Programa Alimenta Brasil irá substituir o PAA

Uma das justificativas para a não liberação de recursos do PAA neste ano é que o Governo Federal reformulou os programas sociais e, dentre eles, está a reestruturação do PAA, que irá receber o nome de Alimenta Brasil. A repaginada nos programas sociais é parte da estratégia de Jair Bolsonaro para 2022. Além do Alimenta Brasil, o governo estuda a possibilidade de aumentar o Bolsa Família para R$ 250, e incluir mais beneficiários.

Entregas do PAA ocorriam nos meses de julho a novembro (Foto: Rosana Wessling/Folha do Mate)

De acordo com o ministro da Cidadania, João Roma, o Alimenta Brasil foi criado com o objetivo de incentivar pequenos agricultores e produtores familiares a comercializarem a produção agrícola deles diretamente ao Governo Federal. De acordo com a Cooprova, tudo indica que haverá apenas uma troca de nome. “Nossa expectativa com essa mudança é que essa questão se estabeleça e que a gente volte a ser contemplado. A gente precisa muito desse programa, para incentivar ainda mais a diversificação”, diz Mônica Moraes.

Todavia, a Cooprova avisa que algumas regras irão mudar. “Assim que a gente souber, iremos repassar tudo para os produtores. Mas, até agora, o que a gente sabe é que isso precisa ser aprovado ainda.”

KITS

A Administração de Venâncio Aires concorda que a pandemia e as mudanças propostas pelo Governo Federal no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) prejudicaram diretamente os pequenos produtores e municípios que vinham atuando regularmente na compra.

Além da redução no repasse de recursos, uma normativa federal proibiu que as aquisições de cestas básicas para famílias de baixa renda fossem feitas diretamente da agricultura familiar, mas apenas sob a forma de auxílio emergencial por crédito financeiro, a fim de se evitar filas em locais de distribuição de alimentos.

Para tentar amenizar os prejuízos à agricultura, a Secretaria de Educação, apesar do longo período de fechamento das escolas, buscou manter a compra mínima de 30% da agricultura familiar e o credenciamento de produtos disponíveis para aquisição de cestas básicas para a família dos estudantes. “Fizemos um planejamento e levantamento para compra de milhares de kits de alimentação que contempla também a agricultura familiar de Venâncio, mas ainda não sabemos se será autorizada a distribuição pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, diante do retorno das escolas. Estamos aguardando essa resposta para os próximos dias”, explica o secretário Émerson Henrique.

A secretária de Habitação e Desenvolvimento Social, Claidir Kerkhoff Trindade, explica que Venâncio Aires ficou por sete anos recebendo recursos do PAA e, no último ano, o Governo Federal alterou o critério para contemplar apenas municípios com índice de extrema pobreza. “Apesar disso, nosso processo ainda está em análise e seguimos na busca pela retomada do programa”, destaca.

Kaufmann propõe criação do PAA Municipal

Devido à diminuição dos recursos repassados ano após ano e a falta de recurso federal em 2021, o vereador André Kaufmann (PTB) protocolou, no dia 16 de julho, uma indicação para que o governo crie o PAA Municipal, para que assim possa aumentar os meses de contemplação dos repasses às famílias e, além disso, garantir que o programa não seja extinto e deixe as famílias desamparadas e os agricultores familiares sem sua fonte de renda. “É o chamado ganha-ganha. Já somos referência estadual com o nosso PAA tradicional. Tendo também o PAA Municipal, estaremos dando um enorme passo para evidenciar nossa agricultura familiar para todo o Brasil”, sustenta ele.

Neste primeiro ano, o deputado federal Marcelo Moraes (PTB) já sinalizou que irá destinar uma emenda de R$ 100 mil para o programa. Depois, o vereador pretende indicar as suas emendas impositivas para dar continuidade. Além disso, a ideia seria de que a Prefeitura também destinasse recursos para o PAA Municipal. “Ganha o produtor e ganha quem está passando por dificuldades, mas para isso é preciso que estejamos todos alinhados, é toda uma rede de entidades, órgãos e pessoas que precisam estar juntos pensando no bem comum da população”, afirma o parlamentar.

COMDER

Buscando essa união, Kaufmann apresentou sua ideia, na última terça-feira, 17, ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (Comder), que se colocou à disposição para colaborar na efetivação do programa a nível municipal, assim como para a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social, que também sinalizou a ideia como viável e muito importante.

Sobre a proposta do vereador, de criação de um PAA Municipal, a secretária Claidir Kerkhoff Trindade diz que é possível trabalhar para o orçamento de 2022. “O vereador, que inclusive foi secretário de Desenvolvimento Rural na gestão passada, sabe que trabalhamos esse ano com orçamento deixado pelo governo anterior, e não havia nenhuma previsão para aquisição da agricultura familiar. No entanto, penso que o projeto é muito bom e pode vir, inclusive, com sugestão de emenda impositiva do vereador”, sugere.

Proposta do vereador é a criação de um PAA municipal (Foto: Divulgação)

Para a Cooprova, o PAA Municipal seria fundamental para oportunizar ainda mais a diversificação. “Ele seria nos moldes do programa federal. Mas, com isso, iríamos começar a distribuição em março e seguir até novembro. Assim, mais produtores iriam fornecer alimentos”, comenta Mônica Moraes. “Nossa vontade é que esse projeto seja aprovado e que o poder municipal abrece essa causa e dê continuidade ao programa”, conclui.

Reunião

• Na próxima terça-feira, 24, o vereador André Kaufmann terá uma reunião em Brasília com a coordenadora nacional do PAA, Marina Carvalho, para tratar do atraso na vinda do recurso anual.

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