Colina das Cruzes, um símbolo de fé e garra lituana

A Lituânia é um país bem pequeno, menor que a maioria dos estados brasileiros, como já comentei aqui na coluna várias vezes. Situado no norte da Europa e banhado pelo mar Báltico o território lituano passa facilmente despercebido no mapa mundial. Sua história, no entanto, é riquíssima e nos transporta a quase um milênio. Para entender a vida atual dos lituanos é preciso retornar no passado pois o país sobreviveu a inúmeras ocupações e regimes autocráticos. E algumas cicatrizes destes tempos sombrios, desde a ocupação do Império Russo, holocausto até o regime soviético continuam à vista, transformados em monumentos e museus. A Colina das Cruzes é um destes locais onde podemos sentir de perto a incrível resistência deste povo guerreiro.

Permeada por lendas de assombrações, crenças, milagres e heroísmo, a Colina das Cruzes está localizada nos arredores de Siauliai, no norte do país, entre plantações de cenoura, vastos campos e pequenas propriedades rurais, contrastando o passado industrial de Siauliai que durante muito tempo e principalmente no regime soviético era o maior centro industrial do couro, produzindo 60% dos calçados lituanos. Hoje em dia a cidade de 100 mil habitantes e quarta maior no país, se destaca na produção de televisores e bicicletas.
O nome colina é, de certa forma, enganoso, pois o relevo da região – assim como do país em geral – é marcado por planícies. A Colina das Cruzes é na verdade uma pequena elevação de terreno coberta por crucifixos, estátuas e símbolos religiosos e contornada por um fosso natural. A história deste local de peregrinação é complexa, marcada por lendas, aparições, milagres e resistência aos regimes antigos do país e continua um mistério até hoje. De acordo com historiadores lituanos, a colina guarda muitos segredos e existem pelo menos três versões que explicam sua origem. Segundo o folclore popular há muitos séculos existia uma igreja no local e que teria sido destruída por um raio durante uma tempestade, tirando a vida dos religiosos e fieis, soterrados sob o solo arenoso. Alguns moradores locais relatam terem visto aparições de monges ao nascer do sol.

Várias lendas contam a origem do local.

No início de 1300, reza outra lenda, existia um castelo de madeira dos barões pagãos da Samogitia e que teria sido destruído pela Ordem Teutônica, monges alemães que buscavam a cristianização da Livônia (Letônia e Estônia atualmente). Muitos acreditam que os samogitianos que sobreviveram à batalha enterraram os corpos de seus companheiros na colina e que as almas dos guerreiros pagãos continuam até hoje a assombrar o local à noite. A origem mais conhecida – e talvez a mais plausível – relata a história de um pai desesperado pela filha doente e que teria sido instruído pelo espírito de uma mulher a fazer uma cruz de madeira e fincá-la numa colina próxima, pedindo a guarição da filha, que teria se recuperado prontamente. Acredita-se que desde então as pessoas deixam cruzes no local na esperança que suas preces sejam atendidas. Atualmente a colina contém pelo menos 200 mil cruzes de todos os tamanhos, desde pequenas cruzes artesanais de madeira até as de metais chegando a quatro metros de altura. Destruída inúmeras vezes ao longo da história, a Colina das Cruzes é um testemunho da garra lituana durante tempos tumultuados.

Durante os anos de 1800 o local ficou conhecido como um morro sagrado. Os lituanos usavam o local para lembrar familiares desaparecidos durante conflitos ou supostamente enviados para outros territórios sem nunca retornar. Durante o domínio russo a liberade de expressão era coibida e a peregrinação à Colina das Cruzes passou a ser considerada um símbolo de hostilidade contra o governo soviético. E assim o regime queimou todas as cruzes, destruindo o morro sagrado. Os lituanos, no entanto, alentados pela fé e resistência, continuaram a fincar cruzes no local, muitas vezes arriscando a própria vida. Em 1993 a colina recebeu a visita do Papa João Paulo II, onde ele celebrou uma missa com a presença de milhares de fieis.

Já de longe, antes mesmo de chegar ao local, pode-se avistar o morro coberto de cruzes, rosários e crucifixos refletindo no além. Com o sol manso de outono batendo nas costas e o ventinho frio de setembro acariciando nossa tez, vamos absorvendo a energia imperturbável da Colina das Cruzes. No início são tantas as cruzes que nem sabemos para onde olhar. Aos poucos, no entanto, a sensação de paz e tranquilidade do local vai preenchendo nosso caminho, durante mais de uma hora descobrindo este magnífico local de contemplação.

Colina está coberta de símbolos religiosos.

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