Folclore lituano no Museu do Diabo

Passeios e roteiros que incluem visitas a museus podem não agradar a todos os gostos, no entanto para mim eles são essenciais durante qualquer viagem pois é através deles que ganhamos acesso à memória cultural de um povo. Ao preservar a história, os museus mantêm vivas tradições e a identidade de um país, desde a cronografia até artes, folclore, tecnologia e tudo que podemos imaginar. Muitos pensam que eles são apenas um caminho em direção ao passado, quando na verdade os museus são locais que interligam o passado, presente e futuro já que olhar o passado é aprender sobre como chegamos ao mundo de hoje. Descobrimos assim a linha de pensamento e fatos que influenciaram as decisões e invenções de outrora.

Exposição conta com peças de mais de 70 países.

Foi com este espírito descobridor que visitamos um museu inusitado na última semana, em Kaunas, segunda maior cidade da Lituânia com 300 mil habitantes. Trata-se do Museu do Diabo, único em todo mundo, com coleção de quase três mil artefatos retratando a simbologia dos demônios no país e no mundo. Numa viagem bate-volta saindo de Vilnius, de trem, passamos o dia em Kaunas, que já foi capital do país entre 1919 e 1940 e que em 2022 será uma das capitais europeias da cultura, destacando justamente seu legado artístico durante a história da Lituânia. Sabe-se que ao longo dos séculos a figura do Diabo desempenhou um papel importante culturalmente através do folclore, religião, filmes e até mesmo desenhos animados. E na Lituânia, a crença em demônios remonta ao tempo do paganismo mesmo se muitas tradições de hoje em dia são uma mistura com a religião cristã. Na terça-feira de Carnaval, por exemplo, os lituanos saem às ruas fantasiados de diabo, até a noite quando acendem fogueiras para queimar figuras de demônios e anunciar o final do inverno.

Obra “Minha Lituânia”

O Museu do Diabo foi fundado pelo artista lituano Antanas Žmuidzinavičius (1876-1966) e está localizado ao lado da casa e ateliê do renomado pintor e que também pode ser visitada. Em 1906 ele foi presenteado com um demônio samogiciano e iniciou assim sua coleção, desde estátuas, pinturas, figuras, porcelana e máscaras, sendo a maioria doações vindas de todo país e mundo. Em 1961 ele repassou o patrimônio ao Estado nascendo assim o insólito e original Museu do Diabo. Desde então a coleção aumentou significativamente com mais de três mil peças espalhadas em três andares com uma fantástica variedade de curiosidades satânicas. Há diabos esculpidos em madeira, cerâmica, pedra, bordado em tecido e bonecos. Alguns são tão pequenos que é preciso usar uma lupa para conseguir vê-los! A exposição explica a história de Satanás e o conceito representado ao longo dos séculos inclusive desafiando os visitantes sobre a figura do demônio vermelho com chifres e segurando um tridente enraizada na cultura moderna. Acredita-se que as forças do bem contra o mal assim como a luz sobre a escuridão sempre estiveram presentes na história. A personificação do mal em textos, no entanto, é criação humana.

Ateliê de Antanas faz parte da visitação.

No folclore pagão, o diabo era considerado uma divindade. A figura do diabo está presente na maioria das canções folclóricas lituanas, assim como nas fábulas e lendas. O diabo era geralmente representado por um homem barbudo e magricelo e não necessariamente maldoso. É por isso que no Museu do Diabo as exposições retratam figuras e estátuas de diabos com expressões variadas, desde assustadoras e malucas até algumas bem engraçadas. Entre estas, destaca-se a obra “Minha Lituânia”, de Kazys Dereškevičius, uma peça controversa onde Hitler e Stalin são representados como demônios, perseguindo um ao outro, sob um mar de caveiras. A obra simboliza o sofrimento do povo lituano e as mortes causadas pelos dois ditadores durante a ocupação nazista e o regime soviético.

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