Censura e tortura durante o regime soviético

Já comentei aqui na coluna sobre a importância de conhecer a história de um país para realmente entender sua cultura e modus operandi. E para a gente que já viveu em vários rincões Europa afora, aprender sobre o passado das capitais por onde já passamos é sempre prioridade. Pode-se ler e assistir a filmes sobre a história de algum lugar mas nada retrata de maneira tão real quanto visitar um museu local. Eu sei que muitos turistas tentam fugir dos museus pois é um programa chato e morto, para tantos viajantes. Para mim, no entanto, é uma fonte de vida! No último fim de semana fomos, justamente, conhecer um pouco mais sobre a história da Letônia durante o perído da União Soviética em uma das sedes do Museu da Ocupação da Letônia, em Riga. Visitamos o prédio Corner House ou edifício da esquina, a sede da então Tcheka e que mais tarde se tornou KGB, o serviço secreto soviético. É uma visita imperdível àqueles interessados em aprender sobre a história de sofrimento do povo local durante as ocupações nazistas e soviéticas no país. O imponente edifício construído no início dos anos 1900 é parte integral da história funesta da cidade. Até 1917 a Letônia fazia parte do Império Russo e durante a Primeira Guerra Mundial foi ocupada pela Alemanha. Se nesta época todos temiam pela própria vida, poucos imaginavam que o pior estava ainda por vir. Em 1940-1941, sob o pacto Ribbentrop-Molotov, Riga é invadida pelas tropas soviéticas e inicia assim um novo capítulo sombrio na vida dos letãos.

Situado numa das principais avenidas da capital, o museu é um daqueles lugares que nos faz refletir e sentir gratidão pela liberdade que vivemos atualmente. É um local onde pode-se escutar o silêncio das vítimas e onde o público visitante sussura entre si a fim de proteger as almas sofridas que por ali passaram. Com a invasão nazista, no verão de 1941, Riga viveu o extermínio de quase 100 mil judeus. O viés padecedor do edifício da esquina perpetuou-se durante a longa ocupação soviética (1945-1991), quando tornou-se a sede da polícia política, a KGB. A fachada arquitetônica elegante e imponente escondia salas administrativas do alto escalão, salas de interrogatório, celas e câmara de execução.
Neste período, todos que resistiam ao regime comunista eram presos, mortos ou deportados para a Sibéria. A censura reinava imponente e ninguém tinha liberdade de expressão. Jornalistas e educadores eram interrogados e torturados como miseráveis, por não concordar com a ocupação soviética. O museu retrata cada detalhe da história. Prisioneiros, em sua maioria jovens do sexo masculino, eram confinados em celas minúsculas sem luz natural, sem banheiro ou cama para dormir. Estavam condenados à morte por expressar seu pensamento diferente.

Celas no porão do prédio

A visita guiada no subsolo é de arrepiar pois a impressão é de estar voltando no tempo. A escuridão dos longos corredores toca na alma. São dezenas de celas sórdidas. Espaços minúsculos no qual mal cabe uma pessoa mas onde eram mantidos vários prisioneiros. Portas pesadas lacravam qualquer chance de fuga. A cela onde os jovens jornalistas, sacerdotes e filósofos eram torturados é algo difícil de descrever com palavras. A polícia secreta soviética usava todos os métodos imagináveis de tortura, desde o físico, como queimar cigarro no corpo do acusado, até emocional, deixando os prisoneiros sem dormir para que assim confessassem o delito – de não concordar com o regime comunista. E para quem resistia à tortura os agentes soviéticos usavam uma camisa de força.

A visita ao museu é permeada por um sentimento de descrença à humanidade pois aprendemos sobre o sofrimento e luta dos letãos contra a censura e liberdade de expressão. É difícil de entender, especialmente depois de ver a prisão assustadora, como as autoridades soviéticas podiam ser tão cegas a acreditar na censura e na brutalidade, torturando e levando à morte pessoas inocentes, cujo único intuito era a luta pela liberdade de expressão em seu próprio país. O último recinto da nossa visita foi o mais chocante de todos. A câmara de execução é o local mais macabro do museu e mostra a crueldade do regime. Ali foram executadas friamente, com tiro na cabeça, centenas de pessoas, sem nenhum inquérito de justiça, muito menos direito à defesa. O museu retrata a barbaridade humana e censura da época, bem longe da realidade atual em Riga e nos três países bálticos. Os letãos hoje em dia vivem com liberdade de expressão. Uma vida bem diferente dos vizinhos russos e bielorrussos.

Entrada mantém decoração da época soviética

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