O Parque do Chimarrão, as praças Católica e Evangélica, o futuro Parcão. O perímetro urbano e seu traçado linear. A delimitação de centenas de loteamentos e milhares de ruas. As divisas rurais, desde a Linha Reversa até o Alto Paredão. De uma ponta a outra, no que diz respeito à geografia e aos limites de Venâncio Aires, uma família domina o assunto. Em uma história que começou em 1924 e já está na quarta geração de profissionais das áreas de agrimensura, engenharia e arquitetura, a Folha conta como os Macedo vêm, literalmente, demarcando o município há quase 100 anos.
A cópia de um mapa e o registro de uma vila em formação
Foi na década de 1870, quando Venâncio Aires ainda era o Faxinal dos Fagundes, que um argentino chamado Emiliano Thomaz de Macedo foi morar com a esposa, Maria José Fagundes do Amaral, na região onde hoje está o bairro Coronel Brito. Dos 15 filhos, um deles, José Duarte de Macedo (1887-1943), se tornaria um dos nomes mais conhecidos do futuro município, afinal, ajudaria a ‘tirar as primeiras medidas’ de terras e lotes.
Nas duas primeiras décadas do século XX, na ainda ‘vila em formação ao redor da igreja’, José vendia bilhetes de loteria e tinha uma pequena fábrica de foguetes. Como ‘era metido em tudo’, também acabou aprendendo sobre algo que o tornaria conhecido depois: a agrimensura. A prática e a facilidade com cálculos acabaram lhe levando a Porto Alegre, onde fez uma prova na Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e recebeu o diploma de agrimensor. Isso ocorreu em 1924 (ano em que o coronel Thomaz José Pereira Junior voltou à intendência) e José começou, oficialmente, a trabalhar com topografia no município.
Eram tempos de um território quase inexplorado, onde pouco se sabia sobre limites ou divisas. No lombo do cavalo, levando o teodolito (instrumento com luneta para medição de ângulos), a caderneta de campo para anotações e uma corrente de 20 metros para medir as retas, que José demarcava terras, localidades, ruas e quadras.
Além disso, é dele o projeto da Praça Coronel Thomaz Pereira, a Praça Católica, feito na década de 1930, e foi ele que, em 1941, fez a cópia de um dos primeiros mapas das ruas de Venâncio Aires, feito originalmente por outro agrimensor, Antônio de Azambuja Villanova, em 1883 (veja box). Hoje, com mais de 80 anos, a cópia desenhada por José Duarte Macedo é considerada um dos documentos mais antigos da história de Venâncio Aires.
Treze ruas e 24 casas
• Na cópia do mapa, estão especificadas 13 ruas (sete no sentido leste-oeste e seis no sentido norte-sul). Ao leste, a cidade terminava na rua Félix da Cunha e ao oeste na Bismark (atual Júlio de Castilhos). Ao norte, a última via era a 7 de Setembro e, ao sul, a Conde D’Eu.
• Nota-se que algumas já tinham os nomes que permanecem até hoje, como Tiradentes, Barão do Triunfo, Voluntários da Pátria e 1º de Março. Mas outras tinham denominações diferentes: a rua Reynaldo Schmaedecke era Aquibadan e a Osvaldo Aranha era 28 de Setembro.
• Em 1883, já havia uma rua chamada São Sebastião (atual Jacob Becker). Isso porque, há quase 140 anos, a Travessa São Sebastião Mártir ainda não existia. Ela foi aberta com a construção da atual Igreja Matriz, em 1929.
• Nessas 13 ruas, é possível contar 24 casas que compunham o perímetro urbano de Venâncio em 1883. Uma delas ainda existe e foi construída pela família Lenz, na esquina das ruas Jacob Becker com Visconde do Rio Branco (atual Funerária Venâncio).
• Um dos imóveis tem uma cruz ao centro e indica a primeira capela em honra a São Sebastião Mártir, construída em 1881. Também foram desenhadas as sangas do Arrozal e da Mangueira (hoje canalizada sob a Avenida Ruperti Filho).
O desagrado com as curvas do Acesso Grão-Pará
Aos que vêm de fora, geralmente comentam da facilidade de encontrar ruas e quadras. Afinal, em Venâncio, basicamente é ‘seguir reto’. E, muito desse traçado retilíneo, se deve às demarcações de ruas e quadras feitas por José Duarte de Macedo.
Curiosamente, foi a falta dessa linearidade em uma via que fez o agrimensor se chatear. Na década de 1940, ainda antes do início do aterro para fazer a base do futuro Acesso Grão-Pará, José entendia que ele deveria ser uma sequência fiel da rua Osvaldo Aranha. Mas, com algumas curvas ao longo do trecho, o agrimensor, que na época também trabalhava diretamente para a Prefeitura, pediu para sair do cargo. Com ele, tinha que ser tudo muito reto, portanto, curvas, nem pensar.
O loteamento do ‘seu Macedo’
Dos cinco filhos que José Duarte de Macedo teve com Maria Antônia da Cruz (1893-1972), Adão Nery de Macedo (1917-2005), também se tornou agrimensor e trabalhou com os mesmos equipamentos. Mas, ao invés do cavalo, percorria o município num Ford 1929.
Assim como o pai, Adão participou de trabalhos importantes e fez o projeto da Praça Henrique Bender, a Praça Evangélica. Em 1953, demarcou o Campo da Aviação, nas terras que pertenceram a Aurino Guterres de Carvalho. Ao longo do Acesso Grão-Pará, com exceção da estrutura sobre o arroio Castelhano, Adão projetou as pontes, em arco, mesmo modelo em muitas localidades do interior.
Ainda na década de 1950, ele deu início a um loteamento na região conhecida como Vila Rica. A ideia era chamar o lugar de Vila Alegre, mas esse nome não ‘pegou’, porque todos que se referiam ao local diziam o mesmo: o loteamento ‘do seu Macedo’. Logo, o ponto foi tomando forma, foi virando a Vila Macedo, que originaria o bairro que o venâncio-airense conhece hoje.
O agrimensor entendia que, para um lugar se desenvolver, era preciso uma escola. Doou, então, um terreno à Prefeitura e fez um único pedido: o novo educandário deveria ter o nome do pai. Assim, começou a história da Escola Municipal de Ensino Fundamental José Duarte de Macedo, uma das mais tradicionais de Venâncio Aires.
Já em 1970, Adão é o responsável técnico pelo primeiro levantamento cadastral de Venâncio, onde foram especificados lotes e respectivas quadras. O mapa foi desenhado pelo filho, Elecir, que por muitos anos também trabalhou como técnico em topografia. Esse trabalho foi importante para organização e base para cobrança do IPTU no município.
Um neto com nome do avô
Como essa é uma história de família, naturalmente a terceira geração dela também viria a trabalhar na mesma área. E, nesse caso, o nome mais conhecido é de José Eleir de Macedo, o Teio, 65 anos, filho caçula de Adão. Se fosse para seguir a lógica da nomenclatura dos filhos, ele seria apenas Eleir, assim como já tinha a Elenir e o Elecir. Mas, ganhou um primeiro nome: José, para homenagear o avô paterno. Além da ‘genética’, Teio também acabou crescendo entre cálculos e medições, por isso, se tornar engenheiro civil e geomensor era mais do que natural.
A trajetória também o levou a participar de projetos importantes. Foi ele, por exemplo, que demarcou a área onde foi construído o Parque do Chimarrão, na década de 1980. Participou do zoneamento dos bairros, nos anos 1990, assim como da descrição do atual perímetro urbano.
Um de seus orgulhos foi propor uma ligação entre a RSC-453 e o Acesso Leopoldina: trata-se de rua Pedro Abott Romero, feita à mesma época do Loteamento Eisermann, em 1997. José Eleir também fez a demarcação do Distrito Industrial e de mais de 50 loteamentos na cidade. Ainda que o foco seja Venâncio Aires, os Macedo também atendem diretamente o município de Mato Leitão. A demarcação das primeiras ruas e quadras, logo após a emancipação, em 1992, foi feita por eles.
Quarta geração
José Eleir é aposentado, mas segue na ativa e mantém o escritório Macedo Engenharia e Topografia. No mesmo espaço, ele trabalha com as filhas, Cristina Stertz, 37 anos, que é arquiteta, e Carolina Macedo, 30, engenheira civil. Cristina, aliás, também já participou de projetos grandes dentro da cidade, já que foi ela quem fez o projeto original do futuro Parcão, no bairro Bela Vista.
Também no escritório, trabalha Jurandi Bastos Junior, 46 anos, técnico em Hidrologia e Geomensura. Ele é filho de Elenir, irmã mais velha de Teio.
Sugestão
Preocupado com a preservação histórica do município, Teio avalia que Venâncio deveria ter um trabalho de zoneamento rural, para mapear exatamente cada localidade e preservar lugares que estão se perdendo. Ele cita, por exemplo, a Linha Herval Mirim (região do Parque do Chimarrão) e a Linha Barbosa (na região da Linha Bem Feita). “Essas divisões tinham que ser bem claras, para saber onde é cada localidade e preservar esses lugares. Porque tem nomes praticamente perdidos ou esquecidos dentro de alguns locais maiores.”
Evolução
• Se nos tempos de José Duarte de Macedo era tudo feito de forma mecânica com o teodolito e calculado à mão, nos últimos anos a tecnologia também impactou no trabalho topográfico.
• Hoje, é tudo eletrônico, através do GNSS (sigla em inglês para Sistema Global de Navegação por Satélite). Com ele, se verificam os dados através de um aplicativo em aparelho Smartphone.
• A precisão é tamanha, que a maior margem de erro chega a meio centímetro. Há um século, a inexatidão ‘aceitável’ chegava a até um metro por quilômetro.
• Atualmente, o drone também é ferramenta importante para levantamentos topográficos.
“O que mais ouço e já ouvia do meu pai, é que as pessoas dizem: tem que ser no Macedo. Então eu sinto muito orgulho dessa confiança e credibilidade que temos. Acho que contribuímos com algo bom, deixando para a história do município.”
JOSÉ ELEIR DE MACEDO – Engenheiro civil e geomensor
Nomes de rua
• A família também está marcada em ruas que levam o nome de quatro pessoas. José Duarte de Macedo e Adão Nery de Macedo são ruas no bairro Coronel Brito. Otília Maria de Macedo (esposa de Adão) é uma via no Brígida e Emiliano de Macedo (irmão de José Duarte) é rua no Cidade Alta.
Relíquias de família
Essa história narrada aqui está na memória de José Eleir de Macedo. Muito se deve aos relatos e convívio com o pai, Adão, já que não conheceu o avô paterno. Outra fonte é uma tia, Celecina, que tem 95 anos e mora em Porto Alegre, filha caçula de José Duarte de Macedo.
Mas além das lembranças preservadas por Teio, os Macedo também guardam verdadeiras relíquias: mapas originais com mais de 80 anos, fotografias de um tempo onde Venâncio ainda era um grande descampado e objetos de trabalho, como um teodolito da década de 1920 e uma calculadora Marchant, usada para ajudar nos cálculos.
Teio também tem organizadas dezenas de cadernetas usadas pelo pai e avô, a mais antiga datando de 1923. São registros preciosos em páginas já amareladas. É incrível constatar que, dos 131 anos de Venâncio, essa família vem ajudando a registrar a passagem do tempo há quase 100.
Além de uma breve aula sobre trigonometria, essa reportagem me proporcionou mais uma volta ao passado, para visualizar aquela Venâncio Aires em preto e branco que só conhecemos por fotos, livros ou pela oralidade dos mais velhos. Também me proporcionou ver de perto essa valorização familiar, a importância que se dá a quem já não está mais aqui mas deixou um legado e de como isso segue vivo entre os que mantêm a atividade. Com certeza, em cada um dos 773 quilômetros quadrados do território venâncio-airense, um Macedo pisou em algum momento. E isso é História.