Ter residência comprovada no município, idade máxima e mínima, representar alguma entidade são requisitos comuns em concursos de escolha de soberanas de festas e municípios. A maioria deles também tem como regra para participar, ser solteira e não ter filhos. Esses dois últimos critérios são considerados polêmicos e estão levando os organizadores de diversos concursos a reverem regulamentos.
Em Venâncio Aires, o concurso mais tradicional e conhecido é a escolha das soberanas da Festa Nacional do Chimarrão (Fenachim). O certame não está com inscrições abertas, mas seguindo as projeções de realização de uma Fenachim a cada dois anos, em 2023 a festa vai eleger a nova corte de soberanas para a 17ª edição deste que é o maior evento do município.
Nos últimos dias, o vereador Ezequiel Stahl (Mais Brasil) levantou uma enquete em suas redes sociais sobre o assunto e perguntou aos seguidores a opinião sobre a exigência de ter filhos para se candidatar. “Depois de um questionamento de uma jovem, que é mãe e gostaria muito de concorrer, comecei a me perguntar até que ponto esse critério de que não pode ser mãe e não pode ser casada é válido nos dias de hoje”, explica o vereador.
No caso da Fenachim, as jovens eleitas têm o papel de divulgar a festa antes, durante e após o evento, completando um reinado de dois anos. “Se a gente for pensar em igualdade, a gente não pode só dizer que defende os direitos das mulheres, e não criar mecanismos e políticas que tornem isso possível”, salienta. Segundo o parlamentar, após consulta, inclusive com soberanas de cortes anteriores e com pessoas da organização, percebeu que o assunto é antigo e divide opiniões. “Alguns concordam com a mudança, acham que esse critério não é justo; outros defendem que torna ainda mais difícil manter uma corte comprometida com os eventos da festa”, frisa. Conforme Stahl, na enquete particular e que envolve o ciclo dele de amigos e seguidores, 70% dos participantes acham que o critério não é justo e outros 30% acham o critério correto.
Segundo Stahl, vários municípios mudaram seus critérios nos últimos anos. Em Venâncio, inclusive, mudou o critério de idade nas últimas edições. Ele observa que duas das atuais soberanas foram beneficiadas com a mudança no critério de idade, que anos atrás permitia inscrições de jovens até 25 anos e, agora o limite é de 30 anos. “E olha como fomos bem representados, tendo soberanas mais maduras, com pensamento diferenciado”, disse.
Na opinião do vereador, a mudança dos critérios é possível, com base no diálogo e em regras claras, que coloquem as eleitas no compromisso e possam ter, na família, uma rede de apoio. “Bem organizado, dá sim para evoluirmos nesse sentido e permitir que mais jovens possam concorrer”, frisa. O vereador ainda observa que união estável e casamento, na prática, são a mesma coisa, então já existe uma distorção nesse entendimento, uma vez que a união estável é aceita no regulamento da Fenachim. Em relação ao critério de ter filhos, o vereador acredita que, uma mulher com bebê pequeno, que demanda de uma atenção maior e o período de amamentação, por exemplo, não irá concorrer, mas sugere que o regulamento abra a possibilidade, para as mães com filhos maiores.
“Pra mim, o critério para escolher uma soberana da Fenachim é beleza e conhecimento. E uma mulher, após ficar mãe, não perde sua beleza, nem seu conhecimento.”
EZEQUIEL STAHL – Vereador
“Tema complexo”, diz Kroth
O último concurso de escolha das soberanas da Fenachim foi organizado pela Secretaria Municipal de Cultura e Esportes de Venâncio Aires e teve a coordenação de Sandro Kroth, que tem ampla experiência em concursos de beleza em Venâncio e região. Segundo ele, o regulamento do próximo concurso ainda não foi definido e sugere a realização de uma enquete entre soberanas e presidentes de todas as edições da festa para colocar o assunto em avaliação. “O que penso é que é um tema bem complexo e que envolve muita responsabilidade. São dois anos de compromisso e quando envolve a questão familiar, é diferente. Há muitas situações nos bastidores, de diferentes edições, que não chegam ao conhecimento da população e que precisam ser administradas pela organização”, pontua. “Se esse critério vier a debate, estamos abertos ao diálogo”, completa Kroth.
Na região, Oktoberfest e Expovale também estabelecem, como critérios, ser solteira e não ter filhos.
Fala, soberana!
A presidente da Associação das Soberanas da Fenachim, Fernanda Landim, compartilhou com a reportagem uma nota sobre o assunto. Confira:
“A discussão traz à luz, para a Fenachim, um requisito que em outros municípios da região, como Arroio do Meio e Bom Retiro do Sul, já não constam mais no regulamento que elege as suas soberanas. Acredito que a questão deva ser retomada, quando começar os preparativos para a escolha das soberanas da 17ª Fenachim. Nós, enquanto Associação das Soberanas, estamos à disposição para contribuir com esta e outras questões, agregando nossas experiências e vivências à nossa festa.”
O sonho de concorrer a soberana
A vendedora Karolen Abreu, 29 anos, tem o sonho de participar do concurso que elege as soberanas da Fenachim. A jovem é mãe de duas meninas, a Larissa, 8 anos, e Millena, de 3 anos.
Ela conta que desde que está morando em Venâncio, há quase 18 anos, se imagina participando do concurso que escolhe as soberanas da festa. “Tenho como sonho poder participar, pois como mulher preta, mãe, sei da importância da minha representatividade para outras mulheres”, frisa.
Karolen foi eleita rainha do Carnaval de Venâncio Aires em 2020, concurso que permite que a candidata tenha filhos. Na época do concurso, a filha mais nova tinha 11 meses e segundo a jovem, ela recebeu todo apoio da família para cumprir com a missão e responsabilidade de representar os festejos carnavalescos de Venâncio. “Tive o apoio da minha família, foi supertranquilo conciliar graças a isso. Acredito que quando você se propõe a participar de um concurso, deve ter consciência das responsabilidades e deveres que terá, inclusive com o apoio de familiares”, frisa.
Para ela, essa participação é muito importante, e por já ser mãe, entende que essa responsabilidade é ainda maior, pelo exemplo. “Sou referência para minhas filhas, pois elas também querem desfilar no Carnaval. Entendi que naturalmente elas podem ficar doentes. Mas, como coloquei, nessas horas o apoio da família é fundamental. Não vejo ter filhos como empecilho, mas sim como algo que me dá forças para conquistar meus sonhos e objetivos. Quero ser exemplo de força e representatividade pra elas”, destaca a jovem, que acumula outros títulos, como o de 1° Princesa Mulata Café (2010) e princesa do Carnaval Municipal de Venâncio (2012).
Miss Universo vai mudar a partir de 2023
Na carona desta discussão entra um exemplo do maior concurso de beleza do mundo, o Miss Universo. Depois de sete décadas, o concurso fez um anúncio histórico: a partir de 2023, será permitido que mulheres casadas, divorciadas, grávidas e com filhos também possam se inscrever. Até então, somente mulheres de 18 a 28 anos podiam se candidatar, desde que elas fossem solteiras, nunca tivessem se casado ou tido filhos.
Em 2002, a ex-BBB Joseane Oliveira foi obrigada a entregar a coroa de Miss Brasil por ter omitido o estado civil. Na época, Joseane, que é gaúcha, disse que a regra era ultrapassada e deveria ser revista.