Para o mundo, as palavras Brasil e Carnaval são quase sinônimos. E é impossível um brasileiro não ter, sequer, uma memória marcante de algum Carnaval que participou. A alegria do evento é diferente e, para os moradores de Vila Mariante, em Venâncio Aires, da segunda metade do século passado, essa alegria tem um nome em específico: Pirilampos.
É provável que você não tenha ideia do que seja ou do porquê o título para esta reportagem. Pois bem, Pirilampos foi a escola de samba da localidade e o título dessa matéria é a abertura de um dos sambas-enredos mais marcantes para os integrantes.
A origem dos Pirilampos remonta a 1961, mas a data exata se perdeu com o tempo e com a memória dos fundadores – alguns já falecidos. Na mesa de um bar, na extinta Sociedade Léca Braga, em Mariante, um grupo de jovens tinha apenas um objetivo: participar dos carnavais em Venâncio Aires, Rio Pardo, Lajeado, São Jerônimo e Taquari, municípios onde costumavam frequentar festas de carnaval. “Era uma ‘meia dúzia’”, afirma o professor aposentado Décio de Azevedo Silva, 73 anos. Para os amigos do Pirilampos, ele é Guego ou Guegão, já para os mais jovens, também é o Tio Guego, que foi diretor de bateria por muitos anos.
Nesta mesa de bar, há mais de seis décadas, iniciaram Ronaldo Weingaertner, Ladário e Círio Cananeia, José Ivo, o ‘Cafão’, e outros nomes que acabaram esquecidos. A partir daquele momento, estava criado o Pirilampos. Guego afirma que ficou 15 anos na escola, muitos deles como diretor de bateria, função que tinha muito orgulho. “Tínhamos uma turma excelente na percussão, com várias batidas diferentes, que chamavam a atenção na época”, detalha.
Os ensaios eram feitos no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Léca Braga, que chegou a ter 130 sócios em dia, com clubes de bolão e a escola de samba, que era o ‘xodó’ da vila. No início, não tinham carros alegóricos, apenas fantasias e o ritmo da bateria que ‘embalava’ os cerca de 60 integrantes.
Apesar do sucesso e engajamento inicial, a escola passou por problemas e acabou sendo fechada em meados da década de 1970, principalmente em decorrência do afastamento de membros originais. Ainda assim, ficou marcada como uma das primeiras escolas da região a inserir um passista (Carlos Cruz) nos desfiles, ainda no final dos anos 1960. “Os Pirilampos marcaram muito a minha vida, principalmente, a minha juventude. Eram quatro noites esperadas por todos, íamos de ônibus para todos os lugares”, frisa Guegão.
Retomada em 1985
A escola voltou em 1985, após reunião de casais e o acerto com a comunidade para levar o grupo de volta aos desfiles. É neste ano, inclusive, que ocorre a primeira participação no Carnaval de Rua de Venâncio Aires, do qual foi integrante até 1988. Ainda que não tenha conseguido conquistar o título, ficou marcada pelas fantasias, os sambas-enredo e o ritmo da bateria.
Destes anos, o de 1986 foi marcante para os integrantes. Um deles é o professor aposentado Ênio Wagner Peres, de 70 anos, e atualmente morador de Bom Retiro do Sul. Ele relembra que encontrou com José Ivo, o ‘Cafão’ – um dos fundadores – em um desfile em Taquari, e decidiram retomar a escola. “Desfilamos em 1985, chamamos os casais que participavam antigamente e o samba-enredo foi sobre a Amazônia”, conta.
Segundo ele, a escola cresceu nesse período e chegou a ter 180 pessoas no último ano, que foi em 1992. “Estava organizado, mas também ficávamos mais presos aos desfiles, tanto em Venâncio quanto outras cidades, e começamos a abrir mão de alguns, como São Jeronimo”, exemplifica.
Em Venâncio Aires, foram quatro desfiles, entre 1985 e 1988, com destaque para 1987, com a rainha do Carnaval sendo Mariza Dietrich, representando a escola Pirilampos.
Um dos participantes desse período foi o professor aposentado Roni Silva Maria, de 65 anos, morador de Vila Mariante, que relata que a escola era tão boa que “abafava” as outras. Ele destaca um encontro em Campo Bom, onde o grupo desfilou e voltou para o salão, e foi pedido pelo público para que eles desfilassem novamente.
A passista Ivani Conceição é moradora de Porto Alegre, mas nunca esqueceu os momentos com o Pirilampos. Ela enfatiza que as fantasias eram um dos chamativos da escola e que, boa parte delas, era feita pelas próprias passistas, em casa. “Quando não tinha dinheiro, fazíamos um baile para arrecadar fundos. Era automático a junção de todos.”
O fim
Após os grandes momentos na década de 80, a escola voltou a ser encerrada (desta vez sem retorno, até o momento) no início dos anos 1990. Ênio diz que a vida levou os integrantes para outros caminhos e a nova geração não acompanhou a escola. Já Roni enfatiza que diversos integrantes saíram de Vila Mariante e, com isso, a escola se perdeu. “A época passa, o pessoal vai embora e, no interior, é sempre complicado”, destaca.
Houve tentativas de resgatar a história dos Pirilampos, mas ninguém conseguiu. Os instrumentos foram doados para a Escola Estadual de Ensino Médio Mariante e o estandarte ainda existe, mas está em Porto Alegre, com outro ex-integrante. Um grupo de ex-integrantes se reúne anualmente em Vila Mariante, principalmente na Festa dos Navegantes, e estão tentando organizar uma reunião mais completa, para março deste ano.
“Participei como guri e depois como adulto”
Entre os que acompanharam desde o começo, mesmo não sendo protagonista, está o professor aposentado Roni Silva Maria, 65 anos, morador de Vila Mariante. Ele lembra que, aos 12 anos, já acompanhava os ensaios no CTG Léca Braga e entrava, às vezes, escondido nos carnavais de outros municípios. “Em um desfile em São Jerônimo, era muito jovem e não deixaram eu entrar no salão. E o Tio Guegão, que é um cara gigante, foi conversar com os porteiros e eu entrei no meio das pernas dele e nunca mais me acharam no salão”, brinca.
O professor frisa que tocava o seu reco-reco ao contrário, para não dar barulho e atrapalhar o ritmo da escola. Além disso, diz que, nas duas passagens, sempre se orgulhou da equipe, e os Pirilampos foram marcantes em sua trajetória de vida. “Era uma época de felicidade”, comemora.
“Foi só alegria, uma época boa, de festa. Era uma religião, todos se reuniam de forma natural, eram quatro dias de ‘loucura’ e o mais importante que ficou foram as amizades.”
RONI SILVA MARIA
Ex-integrante
O japonês dos Pirilampos
1 A soma entre samba e o Japão é incomum. E Mitsuo Okajima, de 76 anos, nascido na província de Hokkaido, no Japão, é uma ‘peça rara’ nessa história. O aposentado e morador de Venâncio Aires relata que sempre escutou brincadeiras sobre o fato de ser japonês e, ainda assim, participar da escola, mas gostava tanto que nunca se importou com o assunto.
2 “Não fui fundador, mas estive junto na década de 1960. Vim para cá em 66 e entrei em 68, por convite do Ronaldo (um dos fundadores), ele tinha o ritmo da bateria e ensaiava no ritmo de Mocidade Independente de Padre Miguel, do Rio de Janeiro, e, em termos de bateria, não perdia para ninguém, todos falavam isso.”
3 Ele conta que já desfilou em Venâncio Aires e brinca “por incrível que pareça, sou japonês e desfilava.” Mitsuo ficou 30 anos afastado e recebeu o convite para participar das reuniões. “A Festa dos Navegantes era um dos momentos de reunião e sempre dava mais gente. Infelizmente a população de Vila Mariante diminuiu e a escola foi junto.”
4 Uma história marcante para ele foi numa época onde precisava de uma ‘carta de apresentação de sociedade para sociedade’ e um dia esqueceram e foi contatado alguém em Vila Mariante para apresentá-la. “Perdemos muito tempo com isso e quase não entramos. Era tudo mais difícil. Em São Jerônimo, por exemplo, tinha que ir para Triunfo e esperar a balça e, para voltar, tinha que esperar de manhã. Imagina como era isso?”, finaliza.
Na Folha do Mate
• Na primeira participação no Carnaval de Rua de Venâncio Aires, a Pirilampos ficou com a terceira colocação, em 1985. Para 1987, em sua terceira participação, a rainha do Carnaval de Venâncio Aires foi Mariza Dietrich, da escola Pirilampos.
• A última participação em Venâncio foi em 1988. Com quatro participações, a escola não conseguiu conquistar o título. Apesar disso, seguiu até meados de 1992, quando foi encerrada.