Na cultura popular, se espalhou a máxima de que ‘um amor de Carnaval’ é uma relação breve, sem seriedade e que acaba junto com a quarta-feira de Cinzas. Pode até ser para muitas situações, mas, como toda regra, tem sua exceção e, na história que vamos contar aqui, a exceção já dura 35 anos.
Aquele início de 1988 andava muito festivo para Raquel Liara Fürst, então com 21 anos. Não só porque ela e os amigos do bloco Ki Suco aproveitavam toda curtição possível com o Carnaval em Venâncio Aires, mas a jovem, conhecida apenas como Liara, tinha outro motivo para comemorar: a recente aprovação no vestibular para cursar Educação Física, na antiga Fisc (Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul).
Eram, de fato, dias de muito alegria. Já dos lados da então Linha Arlindo, vinha um rapaz (já à beira dos 26 anos) que também gostava de ‘pular’ Carnaval nos bailes de interior. Interior, aliás, onde ele era muito conhecido pelo futebol. Com 1,83 metro, João Luiz Klafke, ou Memé para muitos, fez certa fama como zagueiro no Cecília e no Sapé. E foi na localidade deste último, mais precisamente no ginásio, que naquele 6 de fevereiro de 1988, João e Liara ‘ficaram’ para nunca mais se soltar.
A data era especial para o município, afinal, era a noite de escolha da rainha do Carnaval de Interior de Venâncio Aires. A turma do Ki Suco lotou ônibus para ir do Centro da cidade até Linha Sapé, onde a prima de Raquel, Márcia Fürst, representava o bloco na disputa que reuniu sete candidatas. E ficou na história, já que Márcia acabou eleita no concurso, conforme registrado na Folha do Mate de 9 de fevereiro.
Mas aquela noite também ficou marcada por outro fato e que a Folha conta, então, na edição deste fim de semana: o início do namoro de Liara e João. É preciso fazer a ressalva de que o baile no Sapé foi um reencontro, porque eles dançaram uma vez, cerca de um ano antes, no Salão Ruppenthal, de Linha Brasil. “Ó, ela tá aí de novo”, pensou João, quando reviu Liara e a convidou para dançar. O convite foi imediatamente aceito, mas a noite teve momentos, digamos, tensos, já que muitos familiares da jovem, incluindo a mãe, Vanda (hoje com 81 anos), estavam no ginásio. Todos tinham ido torcer por Márcia no concurso.
“Quando cheguei em casa, a mãe já sabia a ‘ficha completa’ do João”, lembra, entre risos, Liara. Nos bailes de Carnaval seguintes, eles continuaram se encontrando e ficando juntos. Assim foi até o fim das festividades de 1988, mas esse amor de Carnaval continuou.
Bilhetes a bordo do Albatroz e ligações no bar da esquina
Ainda que o fim dos anos 1980 já tivesse certas modernidades em Venâncio Aires, a maioria ainda era um ‘luxo’ para muita gente, como ter um telefone em casa. João morava em Santa Cruz do Sul, onde trabalhava na Afubra como avaliador de tabaco, então não era sempre que conseguia voltar nos fins de semana para Venâncio e rever a amada.
A saudade da namorada ele ‘matava’ em longas ligações que fazia para o antigo bar de Julita Both, na esquina da Voluntários da Pátria, próximo à escola Casva (onde Liara trabalhou por muitos anos). “A gente morava ali pertinho, daí o pessoal do bar me chamava quando ele ligava.”
Liara, por sua vez, aproveitava a logística diária do amigo de bloco Ki Suco e hoje compadre, Vanderlei Hickmann. “A gente se encontrava na parada de ônibus, porque eu pegava o transporte para a faculdade e o Vanderlei ia de Albatroz para fazer Senai em Santa Cruz. Com ele, eu mandava bilhetinhos para o João e ele me devolvia outros”, relata Liara.
O noivado aconteceu em 29 de abril de 1989. “Naquele dia, me perguntaram quando ia ser o casório e eu respondi: daqui um ano.” Na verdade, levou um ano e uns dias, porque eles casaram em 5 de maio de 1990. Com o casamento, João pediu transferência para a Afubra de Venâncio Aires. Quis a vida, irônica ou não, que Liara fizesse o caminho inverso tempo depois. Trabalhou por 19 anos em Santa Cruz, onde atuava como analista de Educação, no Sesi. “Eu voltei para casar e depois ela foi para trabalhar em Santa Cruz, vê se pode?”, comenta João, entre risos.
Mas, a vida de casados continuou firme e forte, porque Liara seguiu morando em Venâncio Aires. O casal tem duas filhas: Eliza, 25 anos, estudando Enfermagem, e Ana Maria, 30 anos, arquiteta.
Da folia à calmaria
Se o amor de Carnaval dura até hoje, o amor pelos dias de folia ficaram mais no passado. O casal conta que, conforme veio a idade e as responsabilidades com a família, saídas para curtir os carnavais foram ficando raras com o tempo. Entendem que eles mudaram e os ‘tempos’ mudaram.
João está com 61 anos e Liara tem 56. Ambos estão aposentados, mas continuam com atividades: ele passa a maior parte dos dias cuidando da chácara, onde planta de um tudo e registra o cultivo numa agenda. Já a esposa se dedica ao artesanato.
Do Carnaval mesmo, eles dizem que sempre gostaram de assistir aos desfiles na rua Osvaldo Aranha, então é possível que, na noite deste sábado, 18, eles sejam vistos pelo Centro da cidade. Mas mais tranquilos, sentados em cadeiras de praia.
Destino?
O Carnaval de 1988 não só reservou aos dois um amor para a vida toda. Para quem acredita em destino, o casal uniu os sobrenomes Fürst e Klafke, que já tinham aproximado as famílias em gerações anteriores. A avó paterna de João (Nely Fürst, que casou com Otávio Klafke) era prima de Cristiano Fürst, bisavô paterno de Liara.