Justiça e circunstância

Bolsonaro inelegível pelo TSE e a defesa do ex-presidente tentou, mas o Tribunal já fez maioria negando embargos de declaração. Se recorrer ao Supremo, dificilmente terá chance no tribunal que está fortemente político. Derrota jurídica de Bolsonaro na mesma semana em que o STF, por 10 a 0, confirmou o julgamento de Dilma quando, sob a Presidência de Ricardo Lewandowski o Senado rasgou um pedaço do parágrafo único do art. 52 da Constituição, que manda ficar inabilitado por oito anos para exercício de função pública, o presidente condenado. A condenação fora por 60 a 20. Inventaram, no julgamento, que precisaria de 54 votos para confirmar inabilitação, e apareceram 42 insuficientes votos. Bastaria ler a Constituição, que descreve clara e expressamente a inelegibilidade como consequência inevitável da condenação. Isso que essa foi a terceira manifestação da corte, confirmando que a parte rasgada não teria conserto.

Bolsonaro ficou inelegível por ter convidado embaixadores a ouvi-lo, no Palácio Alvorada, relatando desconfianças sobre a segurança das urnas sem comprovante de voto e sobre apurações sem possibilidade de auditoria. E na mesma semana em que o TSE não aceitou embargos da defesa do Presidente da República como crítico da Justiça Eleitoral, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, insatisfeita com multa recebida pelo partido, pôs em cheque a razão de existir a Justiça Eleitoral, lembrando que o Brasil é o único a ter isso, “um absurdo”.  O Ministro Alexandre de Moraes respondeu que as razões dela são “errôneas e falsas”; o Colégio de Presidentes de TREs emitiu nota de repúdio, afirmando que Gleisi está equivocada.  Lula deve ter ligado para ela aconselhando a não brigar com a Justiça Eleitoral e ela usou o simplório argumento de que fora mal-interpretada. Mas o líder do partido, Deputado Zeca Dirceu reforçou que a Justiça Eleitoral é passível de crítica. Com isso, num mundo que dá voltas, temos Bolsonaro e o PT juntos na crítica à Justiça Eleitoral. Só que um já foi tornado inelegível por expressar opiniões. 

A manifestação do Deputado Zeca Dirceu faz lembrar a posição de seu pai exposta há cinco anos. José Dirceu defende que o Supremo seja exclusivamente uma corte constitucional. Hoje ela é corte criminal e genérica, pois é primeira e última instância e, mais do que isso, julgadora e acusadora ao mesmo tempo, judiciário e legislativo – a maior concentração de poderes, sem que os tenha recebido da origem do poder, através do voto. O que disse José Dirceu outrora, certamente poderia ser posto na boca de Bolsonaro hoje. Estão juntos nisso. Depois do rasgão de 2016 no art. 52, a rasgação só aumentou, atingindo até o capítulo de direitos e garantias fundamentais e a inviolabilidade de deputados e senadores, que têm mandatos do povo, origem do poder.

Bolsonaro inelegível pode ter recebido um limão amargo, mas também pode fazer uma doce limonada. Ele pode continuar sendo o líder que despertou a metade dormida do país. Antes dele havia só uma ideologia atuante. Ele despertou o contraponto. E agora pode circular sem restrições de candidato, sem punição por campanha fora de hora, apenas fazendo sua pregação. Isso pode dar-lhe ainda mais poder – o de indicar candidatos e se tornar o Grande Eleitor. A Justiça que prendeu Lula e depois o soltou cândido, de ficha branca, para ser candidato, mostra uma criatividade  que pode fazer o mesmo com a inelegibilidade de Bolsonaro, dependendo das circunstâncias. Na Justiça de hoje pesam muito as circunstâncias.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

DESTAQUES

Template being used: /var/www/html/wp-content/plugins/td-cloud-library/wp_templates/tdb_view_single.php
error: Conteúdo protegido