A leitura é uma das mais importantes atividades de desenvolvimento e manutenção do aparato cognitivo. Isso porque, ao ler, uma ampla rede de neurônios é ativada. Em entrevista à Folha do Mate, a doutora em Letras Kári Lúcia Forneck destaca os benefícios proporcionados pelo hábito da leitura. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino e dos cursos de Letras, Pedagogia e Medicina da Universidade do Vale do Taquari (Univates), ela aborda os benefícios neurológicos e cognitivos, além dos efeitos emocionais e sociais.
De acordo com ela, estudos mostram o quanto a leitura pode contribuir para uma vida mais saudável em termos cognitivos. “Adultos que vivem experiências regulares de leitura diminuem as chances de desenvolver doenças neurodegenerativas. Portanto, assim como comer bem, dormir bem e se exercitar, ler ajuda a viver melhor, de modo mais saudável, por mais tempo.”
Folha do Mate: Quais os benefícios da leitura?
Kári Lúcia Forneck: A leitura é, entre outras, uma das mais importantes habilidades que nos distinguem de outros seres vivos. A leitura nos permite ampliar horizontes de compreensão, entender o mundo que nos cerca, compreender dilemas, compartilhar conhecimentos, inventar mundos possíveis e abstrair emoções. Ler e entender o que se lê é libertador.
Ler diferentes gêneros textuais nos auxilia a construir repertórios. Quanto mais interagimos com materiais textuais de qualidade, mais diversa e ampla será nossa capacidade de transitar pelo conhecimento, pela informação e compreender as relações humanas e sociais. Os textos que circulam em um jornal são exemplos dessa diversidade.
O que acontece no nosso cérebro quando lemos? De que forma a leitura contribui com o cérebro, a memória e a saúde mental?
A leitura é uma invenção cultural. Isso significa que nosso cérebro não havia sido previamente programado para aprender a ler. Foi preciso, ao longo da evolução humana, que a circuitaria neurológica empregada na fala e na audição fosse adaptada para ler e escrever, num processo que chamamos de reciclagem neuronal. Uma criança que aprende a ler e a escrever transforma seu cérebro para desenvolver a capacidade de reconhecer que sinais gráficos produzem sonoridades e significados. Para desenvolver essa habilidade, é preciso passar por ensino formal, diferente de aprender a falar e ouvir. Ou seja, o cérebro precisa se modificar para desenvolver habilidades de decodificar (transformar grafemas em fonemas) e compreender (atribuir significado às palavras e frases e estabelecer relações com leituras prévias). Para cada um desses processos, há uma rede de neurônios que se ativa para a oportunizar nossa leitura.
“Há vários estudos que apontam o impacto da leitura na ampliação de vocabulário, na compreensão de narrativas e na formação e manutenção de memórias. Esses estudos relacionam essas habilidades a uma vida mais saudável em termos cognitivos. Ou seja, adultos que vivem experiências regulares de leitura diminuem as chances de desenvolver doenças neurodegenerativas.”
KÁRI LÚCIA FORNECK – Doutora em Letras
Portanto, a leitura modifica nosso cérebro. Como ativamos uma rede ampla de neurônios para ler, a leitura é uma das mais importantes atividades de desenvolvimento e manutenção de nosso aparato cognitivo. Há vários estudos que apontam o impacto da leitura na ampliação de vocabulário, na compreensão de narrativas e na formação e manutenção de memórias. Esses estudos relacionam essas habilidades a uma vida mais saudável em termos cognitivos. Ou seja, adultos que vivem experiências regulares de leitura diminuem as chances de desenvolver doenças neurodegenerativas. Portanto, assim como comer bem, dormir bem e se exercitar, ler ajuda a viver melhor, de modo mais saudável, por mais tempo.
Como desenvolver o hábito da leitura?
Não há idade para se começar a gostar de ler. É verdade, porém, que é na infância que as experiências de leitura mediada, seja com pais ou professores, geram impactos muito importantes na consolidação de uma relação positiva e plena com a leitura. Daí a importância do papel do adulto de referência na formação de uma criança leitora. É verdade, também, que, em famílias com adultos leitores, as crianças tenderão a desenvolver relações mais intensas, positivas e afetuosas com a leitura.
Mas isso não significa que um adulto que não leia muito não possa vir a se tornar um bom leitor. Ao contrário: nunca é tarde para começar a ler. Só é preciso encontrar o gênero literário que mais agrada, e isso, é verdade, pode ser mais trabalhoso se não tivermos experiências prévias e saudáveis de interação com a leitura. É preciso, porém, estar disponível para começar.
O que você indicaria para quem não lê? Como começar?
É importante descobrir do que se gosta. Há muitos sites disponíveis com sugestões de leitura e resenhas de obras que podem auxiliar o leitor em sua busca. Há também sites que apresentam uma rede de livros com temáticas ou enredos semelhantes; algo como “se você gostou de ler o livro x, pode vir a gostar de ler o livro y ou z”.
Mas uma coisa deve ser dita: ler literatura é diferente de ler obras técnicas e livros de autoajuda, por exemplo. Quando nos deparamos com uma obra literária outros circuitos neuronais são recrutados: os que nos auxiliam a imaginar, a compreender metáforas e ironias, a articular narrativas, a nos colocar no lugar do outro. Ou seja, há um esforço neurológico maior quando interagimos com uma obra literária. Ler literatura promove muitos benefícios tanto neurológicos, quanto cognitivos – além dos efeitos emocionais e sociais. Por isso, costumamos insistir: por onde começar? Pela literatura de ficção.
Quanto mais você lê, melhor você lê; e quanto melhor você lê, mais você lê. Ou seja, é preciso dar o primeiro passo, porque depois disso a vida fica melhor!
- Matéria integrante do caderno especial alusivo aos 51 anos do jornal Folha do Mate, comemorado em 6 de outubro.
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